01/12/2008 - 0:00
O Instituto de Cultura Yoga Shimada está completando bodas de ouro. Como o instituto idealizado por ele, chega aos 80 anos de idade com muita história para contar
Instituto de Cultura Yoga Shimada completa bodas de ouro. Fundado por em 1958, em um edifício da esquina das ruas Caios Prado com Consolação, na cidade de São Paulo, por ele já passaram 11.560 alunos, segundo fichas meticulosamente numeradas – alguns deles praticam ali há mais de 40 anos. As comemorações dos 50 anos do instituto reuniram, em abril, toda a comunidade da linhagem de Kaivalyadhama da ioga. Pioneiro no ensino e na divulgação dessa prática em São Paulo, o professor Shimada comemora em janeiro 80 anos.
As comemorações incluem uma biografia – A yoga do mestre e do aprendiz – Lições da vida em plenitude, da Phorte Editora -, em que o jornalista Wagner Carelli conta sua história desde a infância, passada numa colônia japonesa no interior de São Paulo, até tornar-se mestre dessa prática imemorial da Índia, que em cinco décadas, no Brasil, foi do exotismo à comprovação científica – linha seguida por Shimada, que desde os anos 1960 vem estudando fisiologia, anatomia e patologia. Em 1967, ele se filiou ao Kaivalyadhama, instituto de cultura iogue no sul da Índia que se dedica à pesquisa científica.
Desde 1993, Shimada integra o corpo docente do curso de especialização e pós-graduação em ioga das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e viaja por todo o Brasil ministrando palestras e workshops. Como o personagem de Akira Kurosawa no filme Madadayo – que significa “ainda não” -, Shimada é um homem idoso que, a despeito de espreitar a morte, reafirma seu apego à vida e exprime sua gratidão em rituais diários, seja nas horas de prática diária, seja ao entoar o mantra OM no início e no final de cada aula. Aqui, as lições do mestre e do aprendiz, contadas com exclusividade para a revista PLANETA.
“As comemorações dos 100 anos da imigração não vão reparar tudo isso, mas o reconhecimento do governo brasileiro é uma compensação”
Acima, Shimada quando começou a ensinar ioga, e ele, ainda menino, quando migrou com os pais para o Brasil.
Até os 11 anos o senhor falava apenas japonês. Como foi a saga da imigração da sua família do Japão para o Brasil?
Meus pais imigraram em 1926 e foram trabalhar num cafezal da região de Bauru, no interior de São Paulo, num sistema de quase escravidão. O filme Gaijin conta essa saga. Moravam numa casa de terra batida, onde nasci em 1929. Na época, o governo japonês fazia propaganda afirmando que quem viesse trabalhar no Brasil iria ter quatro dias de descanso e trabalhar apenas três dias por semana, mas meus pais e os demais imigrantes jamais tiveram descanso algum. As comemorações dos 100 anos da imigração não vão reparar tudo isso, mas o reconhecimento do governo brasileiro é uma compensação.
Fui alfabetizado em japonês, que ainda hoje eu falo e escrevo. Somente fui aprender português aos 11 anos, quando mudamos para São Paulo. Meu pai havia morrido e passamos por muitas dificuldades, sobretudo a partir de 1943, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo e minha mãe não pôde mais lecionar japonês.
Com 13 anos eu já trabalhava como contínuo. Também fui tintureiro e dono de tinturaria. Até que comecei a aprender judô, fui graduado faixa preta e li o livro a Ciência hindu-yogue da respiração, do Iogue Ramacháraca. Seis meses de prática dessa respiração me ajudaram a conquistar o Campeonato Paulista de Judô em equipe de 1952,1953 e 1954.
A ioga naquele momento era confundida com faquirismo, mas eu já sabia que era uma ciência. Eu já tinha comprovado isso. Comecei então a ler sobre ioga e a ensinar, junto com o judô, a ciência da respiração.
Em 1966, chegou ao instituto uma professora de educação física formada pela Universidade de São Paulo (USP), Ignez Novaes Romeu (1916-1994). No ano seguinte, ela foi estudar no Instituto Kaivalyadhama, na Índia, dedicado à pesquisa científica sobre ioga. Quando Ignez voltou, ainda em 1967, fomos a primeira escola da América do Sul a se filiar ao instituto.
O Instituto de Cultura Yoga Shimada está completando bodas de ouro. Como o instituto idealizado por ele, chega aos 80 anos de idade com muita história para contar
Quais os benefícios da ioga e o que a diferencia de um simples exercício físico?
A ioga é uma mudança na sua maneira de ser. Como todo o pensamento está conectado com o sistema nervoso central, se você está em discórdia, sempre revoltado, insatisfeito, é natural que ao longo do tempo vá adquirir certas enfermidades. Essa é a causa da hipertensão, da diabete, úlcera, isquemia.
Mas não adianta cuidar da somatização, porque ela é conseqüência – tem de encontrar a causa da doença, e a causa está na cabeça da pessoa. Ela tem de mudar a sua maneira de ser, e isso não se faz em um mês nem em um ano. Muita gente busca felicidade naquilo que não tem, por isso não é feliz.
O objetivo da postura de ioga é reconstituir as modificações que ocorrem no corpo no dia-a-dia, por várias circunstâncias, mesmo que seja uma simples tensão muscular. Se não reconstituir, aquilo toma residência dentro do indivíduo e começa a provocar somatização.
Por intermédio do alongamento, uma solicitação do corpo para se desfazer daquilo que está começando a comprometer o organismo, acontece uma reconstituição psicofisiológica das alterações. E é também uma celebração, porque o corpo é sagrado e o praticante está retirando as conseqüências que não devem estar se instalando nele.
Qual é a importância dos pranayamas, ou exercícios de respiração?
Se você está respirando mal, mais cedo ou mais tarde vai ter comprometimento, mesmo que seja um cansaço anormal, uma insatisfação, uma depressão. Porque está interferindo no abastecimento fundamental que alimenta o corpo, que é o prana.
Prana é a energia do cosmo que movimenta nosso corpo, seu combustível mais importante. Pranayama é a potencialização do prana e também a purificação dos nadis, que é por onde transita essa energia.
Se você condensa e foca essa energia, pode ajudar na cura de várias enfermidades. Essa prática leva ao controle da mente e à concentração. Porque enquanto a sua mente está turbinando com a estimulação dos cinco sentidos, você não consegue se concentrar.
Sem concentração não existe meditação. A verdadeira concentração é apenas num ponto, sem racionalização, qualificação, tempo e espaço. A meditação começa no momento em que a sua concentração se funde com uma imagem, um som.
Um ser humano normal respira 15 vezes por minuto, 4 segundos cada respiração, entre inspiração e expiração. Se eu conseguir soltar a respiração em 10 segundos e tomar o ar em 5, eu reduzo para 4 respirações por minuto.
Como a respiração está intimamente conectada com a atividade físicomental do indivíduo, ao reduzir a respiração, ele estará diminuindo a sua agitação e se proporcionando uma condição para se concentrar. A meditação é a comunhão com Deus.
“Não tenho nenhum medo de morrer. A morte é só uma transição para outro estado, e com isso não estou dizendo que existe outro mundo”
A casa de terra batida onde Shimada morava, e ele em um programa de televisão falando sobre ioga.
O senhor afirma que aquilo que desejamos é uma ordem. Fale sobre isso, por favor.
É o que dizem os textos sagrados – o Bhagavad Ghita, os Upanishads, os Vedas. Se você não tem vontade, Deus não se revela dentro de você. Desde criança eu me interessei por saúde. Uns dias antes de morrer, o meu pai – que nunca dava atenção às crianças, nunca pegava uma criança no colo – trouxe uma fotografia da Faculdade de Medicina da USP e disse: “Você vai cursar essa faculdade”.
Eu morava no fim do mundo, em uma casa de terra batida – mas vontade eu tinha. Depois de 70 anos, a convite do Geraldo Lorenzi, médico pneumologista, fiz nessa universidade um curso de fisiologia integrada, para mestres e doutores.
No primeiro dia de aula, quando eu estava subindo toda aquela escadaria da faculdade – até agora me arrepio -, me lembrei daquilo que o meu pai havia me falado antes de morrer e que naquele exato momento estava acontecendo.
Também uma coisa que o diretor da escola de Kaivalyadhama, o professor Gharote, tinha me dito, se concretizou anos depois. Quando esteve em São Paulo pela última vez, em 2004, ele contou a história de um rei que colocou em prova os seus súditos pedindo que passassem a noite na água, em uma época de muito frio.
Quando um súdito finalmente conseguiu, o rei perguntou como ele havia feito aquilo. O súdito respondeu: “Eu recebi o calor da luz do palácio.” “O professor Shimada nunca foi para Kaivalyadhama, mas tem todo esse conhecimento porque recebe a luz de Kaivalyadhama; e agora ele vai ao encontro dessa luz”, afirmou então o professor Gharote.
No início de 2005, fui à Índia pela primeira vez. Às 5 horas da manhã seguinte à nossa chegada, recebemos a notícia de que o professor Gharote tinha deixado o corpo. E é desse modo que tem acontecido uma porção de coisas na minha vida.
O senhor completa 80 anos agora em janeiro. O que almeja conquistar, ainda, nesta vida, e como vê a morte?
Eu sempre brinco que estou com data de validade quase vencendo, então não tenho muitas pretensões. Sou um homem abençoado por ter sido rodeado por pessoas fantásticas, a começar pela minha mãe; por José Aletto, médico ortopedista que durante 30 anos me ensinou medicina; pelo amigo e professor Marcos Rojo, que me convidou a dar aulas no curso de ioga da FMU; pela Lia Diskin, da Associação Palas Athena, pelos professores Ignez e Gharote.
Também sou um homem abençoado por ter sido a primeira pessoa que fez um programa sobre ioga, nas emissoras de televisão das redes Tupi, Bandeirantes e Gazeta, durante 15 anos. Por ter o guru Vijoyananda, que foi o primeiro swami da ordem Ramakrishna na América Latina, como Vivekananda foi nos Estados Unidos, e que me despertou a consciência espiritual, em 1961.
Não tenho nenhum medo de morrer. A morte é somente uma transição para outro estado, e com isso eu não estou dizendo que existe outro mundo. Apenas espero ter conseguido resgatar o maior carma possível. Saldado minhas dívidas. Só.
SERVIÇO
Para saber mais
www.yogashimada.com.br
http: www.kdham.com
http: www.marcosrojo.com.br/cursos.php