17/07/2025 - 13:54
A violoncelista judia Anita Lasker-Wallfisch completa 100 anos neste 17 de julho, com uma história de vida que desafia a compreensão humana e ressalta o poder indestrutível da arte. Aos 18 anos, Anita foi deportada para o campo de concentração de Auschwitz, um dos maiores horrores do Holocausto, e sobreviveu graças ao seu inegável talento musical na Orquestra de Mulheres de Auschwitz.
“Perguntaram: ‘O que você fazia antes?’ Eu disse que tocava violoncelo e acharam ótimo”, relata Anita. Em um cenário de barbárie, a música era uma ferramenta de opressão nazista, mas também, paradoxalmente, um caminho para a sobrevivência de alguns. Quase todos os campos de concentração tinham orquestras, e só em Auschwitz havia pelo menos seis. Os músicos eram forçados a tocar marchas e a se apresentar na rampa de seleção, onde prisioneiros eram encaminhados para o trabalho forçado ou para a morte.
Do inferno à reconstrução pela música
Aos 19 anos, Anita foi libertada do campo de Bergen-Belsen, para onde havia sido transferida. Após a guerra, mudou-se para o Reino Unido, onde se casou com o pianista Peter Wallfisch e, juntos, fundaram uma orquestra. “Minha vida foi dividida em duas partes: o inferno e a vida normal. Os nazistas conseguiram destruir muita coisa, sabe? Mas não dá para destruir a música. Dá até para tentar, mas é impossível”, reflete Anita, demonstrando a resiliência do espírito humano e da arte.
Por quase 50 anos, Anita manteve um silêncio profundo sobre o que viveu, um reflexo da imensa dor e do trauma. “Por muitos anos fui incapaz de falar. Acho que a vergonha me impedia”, revelou em entrevista à IstoÉ Dinheiro. O silêncio, uma autodefesa, só foi quebrado nos anos 1990, impulsionado pela ascensão de grupos neonazistas e negacionistas na Europa, especialmente na Alemanha.
A voz quebrada pelo silêncio e a luta contra o ódio
Em 1995, para marcar os 50 anos da libertação de Auschwitz, Anita Lasker-Wallfisch foi convidada a retornar ao campo para dar um depoimento. A princípio, resistiu, mas a persistência do diretor de um documentário a convenceu. Esse foi o primeiro passo para se tornar uma voz ativa contra o ódio. “Não sabia se conseguiria falar, mas tinha que tentar. Estar lá, cercada por câmeras, microfones, foi como uma confissão pública. Foi quando percebi que não falava por mim, mas pelas vítimas que foram silenciadas”, contou.
Apesar da dor de reviver as memórias, Anita passou a viajar pelo mundo, dando palestras em escolas e universidades, compartilhando seu testemunho. “É doloroso falar, mas é necessário. O ódio é uma doença, e a única cura é a educação. As pessoas precisam saber o que aconteceu para que nunca mais se repita”, afirmou.
A história de Anita Lasker-Wallfisch, eternizada também em seu livro “Herança Indesejada: Um Memória de Auschwitz”, é um testemunho pungente da capacidade humana de sobreviver, reconstruir e lutar pela memória e pela verdade, usando a música não apenas como um refúgio, mas como um hino contra o esquecimento.