No dia 22 de maio, um tornado devastador atingiu Joplin, município de 50 mil habitantes no Estado de Missouri, região central dos Estados Unidos. Classificado como EF5 (a categoria máxima entre os tornados), o fenômeno climático, com ventos de cerca de 300 km/h, percorreu quase 10 quilômetros no centro da cidade – algo incomum, porque em geral os tornados ocorrem na área rural. Resultado: destruição de 30% das construções, morte de 132 pessoas e ferimentos em mais de 900. Foi o tornado mais letal já registrado nos EUA desde 1947. Os ventos da intempérie levaram um papel de receita, arquivado no hospital de Joplin, a 900 quilômetros de distância, ao vizinho Estado de Indiana – um recorde em fenômenos desse tipo de transporte.

A origem da catástrofe foi a conversão de uma nuvem de tempestade em forma de funil num tornado “muito forte, muito grande e obviamente muito danoso em um curtíssimo espaço de tempo”, diz o meteorologista Andy Boxell, do National Weather Service, no site científico OurAmazing- Planet. “É algo que nunca vi pessoalmente e certamente é uma coisa rara de ver”, diz o especialista.

Eventos climáticos antes raros de ver estão, infelizmente, ficando cada vez mais visíveis. Em relação aos tornados, por exemplo, há décadas que os norte-americanos não viam um número tão grande desses fenômenos em abril – 292, segundo o Weather Channel, superando com folga o recorde anterior, de 267 em 1974 (a média do mês é 116). As tempestades mataram 350 pessoasem abril, depois que cerca de 200 tornados cortaram seis Estados do sul dos EUA. Até 12 de junho o Storm Prediction Center, do National Weather Service, já contabilizava 1.238 tornados no país – quando a média anual até essa data é 688. No atual ritmo, de acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA, o número de vítimas de tornados este ano será o maior desde o início dos registros dessas ocorrências, em 1950.

Os recordes vêm ainda de outras partes do mundo (ver mapa ao lado). Desde o início de seus registros históricos de temperatura, Moscou nunca havia passado por um dia tão quente quanto em 29 de julho de 2010, quando os termômetros no centro da capital russa atingiram 39°C. Ineditamente quente também foi a primavera australiana de 2010 – e nunca choveu tanto no Estado de Queensland, no nordeste do país, quanto em dezembro do ano passado. As extraordinárias precipitações pluviométricas no Paquistão, durante o verão de 2010, e na região serrana do Rio de Janeiro, no Brasil, em janeiro de 2011, deflagraram os maiores desastres naturais desses países. Dezembro de 2010 foi o mês mais frio já registrado na Grã-Bretanha e em muitas cidades da Suécia.

“Os extremos estão ficando mais extremos”, diz o pesquisador José Marengo, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Eventos extremos são aquelas ocorrências que ficam 10% acima ou abaixo de uma variável particular. Por exemplo, um volume de chuvas pode ser inferior a 10% da média, o que configura seca severa, ou 90% acima da média, o que vai resultar numa enchente histórica. É exatamente nessas pontas da tabela que as novidades climáticas têm aumentado nos últimos tempos – e seu impacto, em termos de vidas humanas e danos às propriedades, torna-as cada vez mais preocupantes.

Se uma alteração no clima desse porte começa a ser sentida, a pergunta fica inevitável: isso seria apenas resultado das variações climáticas normais ou consequência do aquecimento global? Para diversos especialistas, o flerte com a última hipótese vem se intensificando. O rigoroso inverno de 2010- 2011 no norte e no noroeste da Europa, por exemplo, foi atribuído a uma redução da área de gelo marinho nos mares de Barents e Kara, no norte da Escandinávia e da Sibéria, resultante do aquecimento do clima local e causadora de mudanças no padrão de ventos na região, informa uma pesquisa de Vladimir Petoukhov, do Potsdam Institute for Climate Impact Research, da Alemanha.

 

 

Os seis primeiros meses de 2010 foram os mais quentes já registrados no mundo, segundo a NOAA (abreviação em inglês de Administração Nacional dos Oceanos e da Atmosfera, a agência do Departamento do Comércio norte-americano relacionada às condições dos oceanos e da atmosfera). A redução de gelo nos polos vem sendo documentada por fotos de satélite nos últimos três ou quatro anos – e, nesse período, a Rússia tem apresentado invernos mais frios e verões mais quentes. “Seja em frequência ou intensidade, virtualmente todo ano tem quebrado recordes, e em algumas ocasiões por várias vezes numa semana”, afirma Omar Baddour, pesquisador da Organização Meteorológica Mundial, vinculada à ONU.

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Mas, embora reconheçam que as alterações nos eventos extremos seriam um indício de que o clima está de fato mudando, e que as projeções sobre os efeitos do aquecimento global implicam modificações nos eventos extremos, os cientistas ainda são cautelosos em admitir que o que está ocorrendo tem mesmo relação com o aumento da temperatura mundial. A razão é simples: faltam registros que cubram as regiões do globo de forma regular, por longos períodos de tempo, para compor um quadro com a precisão científica exigida e dele extrair as devidas conclusões.

“O Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), em sua primeira avaliação (1992), não considerou se os eventos climáticos extremos haviam aumentado em frequência e/ou intensidade globalmente, porque as informações eram muito esparsas para virar um exercício válido para todo o mundo”, disse o climatologista australiano Neville Nicholls em um estudo apresentado na reunião do IPCC em Oslo (Noruega), em 2009. “Em 1995, em sua segunda avaliação, o IPCC examinou a questão e concluiu que ‘no todo, não há evidência de que os eventos extremos, ou a variabilidade climática, tenham aumentado, em sentido global, através do século 20, embora dados e análises sejam pobres e não compreensíveis’.” Nicholls salientou que mudanças em extremos haviam sido observadas em algumas regiões, mas que a ausência de dados climáticos confiáveis em todas as áreasrelacionadas a tais eventos – sobretudo nos países em desenvolvimento – ainda impede que as pesquisas avancem nesse setor.

“Ninguém pode concluir que 100% que eventos extremos do porte dos atuaistenham ocorrido nos últimos 200 anos, mas a suspeita está aí – mesmo que seja apenas uma suspeita”, afirma Jean-Pascal van Ypersele, vicepresidente do IPCC. É esse, de certa forma, o pensamento de Marengo, integrante brasileiro do IPCC. Para ele, eventos extremos mais frequentes e/ou intensos já têm sido observados nas últimas cinco ou seis décadas. As projeções do quarto relatório do IPCC, de 2007, para um futuro com aquecimento global, em termos de eventos extremos, pintam um retrato com diversos ingredientes familiares ao que vem ocorrendo, mas ainda é prematuro ligar em definitivo os eventos recentes a esse cenário. Segundo Marengo, as previsões feitas no último relatório se referem a princípio ao período entre 2040 e 2050, e ainda temos décadas até lá. “Para afirmarmos algo nessa área, temos de realizar antes muitos estudos”, ressalta.

 

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O Brasil é uma amostra angustiante da deficiência de dados. “No Sul e no Sudeste, as chuvas aumentaram nos anos 1990 e 2000, na comparação com 50 a 60 anos atrás”, diz Marengo. “Há também mais noites quentes no inverno, o que indica tendência de invernos mais quentes.” Mas a precisão vai-se reduzindo conforme a região. Em partes do Nordeste e da Amazônia houve um aumento de veranicos, com estiagem, na estação chuvosa, mas no Centro-Oeste e no Pantanal há poucas informações. “Existem anos com enchentes, outros com seca, tudo seguindo uma dinâmica própria.”

Detectar o momento em que as alterações nos eventos extremos estarão ligadas de vez ao aquecimento global implica um trabalho de monitoramento ano após ano, diz Marengo. E amenizar o impacto desses fenômenos exigirá mais trabalho ainda: é preciso mitigar o aquecimento global na parte em que o homem interfere, desenvolvendo uma economia com baixa emissão de gases-estufa, usando mais fontes de energia renováveis e promovendo o reflorestamento intensivo, por exemplo.

Os esforços mundiais nesse sentido existem, mas caminham a passos vagarosos demais para as necessidades do planeta. O quinto relatório do IPCC será publicado em 2014. Enquanto isso, resta a nós, seus habitantes, adaptarmo-nos às vontades de um tempo cada vez mais caprichoso e surpreendente, venha o que vier, seca, chuva, calor ou frio extremados.