Sob críticas, países da região acumulam projetos bilionários para ampliar sua malha ferroviária. Brasil estuda linha que liga Ilhéus, na Bahia, a Chancay, no Peru.O plano brasileiro anunciado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, de abrir uma ferrovia capaz de ligar o Atlântico ao Pacífico coincide com um esforço latino-americano mais amplo de modernizar e integrar sua defasada rede de trilhos.

Segundo o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF), atualmente existem 155 projetos ferroviários deste tipo na região, que demandam investimentos na casa dos 400 bilhões de dólares (R$ 2,1 trilhões) e, se concluídos, ampliariam a malha ferroviária latino-americana em 57 mil quilômetros.

A Ferrovia Bioceânica, por exemplo, foi apresentada como uma espécie de revolução no setor. “Se este projeto for realizado, vamos transformar todo o cenário econômico do Brasil”, defendeu Tebet em julho.

“O projeto ferroviário tornará o Brasil muito mais competitivo. É uma mudança radical. Terá impacto direto sobre regiões do Norte, do Centro-Oeste, do interior do Sudeste e do Nordeste”, completou.

A proposta do megaprojeto é conectar o porto de Ilhéus, na Bahia, ao porto de Chancay, no Peru, aproveitando partes de linhas ferroviárias já implementadas. Em julho, o governo brasileiro assinou uma parceria com a China para estudar a viabilidade de implementar e conectar os demais trechos, que cruzariam ainda Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. A estimativa é que o trajeto contemple 3 mil quilômetros de extensão.

Projetos ferroviários acumulam críticas

O envolvimento chinês é visto com receio por críticos, que acusam Pequim de avançar sobre projetos de infraestrutura na América Latina para consolidar seu poderio econômico na região. O país também financiou a construção do porto peruano de Chancay, por exemplo. O Brasil não aderiu à Nova Rota da Seda, mas tem ampliado acordos bilaterais com o parceiro asiático. A Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (ABIFER) se disse “indignada” pela proximidade com Pequim, por considerar uma desvalorização da capacidade da indústria nacional.

Megaprojetos ferroviários como este também são alvo constante de críticas devido aos impactos que causam. Se consolidada, a Ferrovia Bioceânica cortaria quatro biomas somente em território brasileiro. Outro plano, o de abrir a Estrada de Ferro Maranhão do norte do Tocantins até São Luís, por exemplo, tem sido duramente criticado por lideranças quilombolas devido aos seus possíveis prejuízos sociais e ambientais.

Por outro lado, a modernização da malha facilitaria o escoamento de produtos para a Ásia e é vista como uma estratégia geopolítica para diminuir a dependência do Brasil aos Estados Unidos. “O investimento ferroviário chama atenção por seus diversos benefícios e por marcar o início de uma parceria estratégica voltada à promoção da cooperação entre países do Sul Global”, diz artigo publicado no site brasileiro do Brics.

“O Brasil não tem saída para o Pacífico. Os produtos brasileiros destinados à Ásia precisam percorrer um longo caminho, seja pelo Canal do Panamá ou pelo Cabo da Boa Esperança. Uma ligação terrestre direta com o Pacífico, especialmente para as regiões produtoras de commodities agrícolas e minerais para exportação, traria grandes benefícios à economia brasileira”, afirma o cientista político Mauricio Santoro, especialista nas relações Brasil-China.

Integração se desdobra em outros países

No caso brasileiro, a proposta compõe um projeto do Ministério do Planejamento que prioriza obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aos modais rodoviários, fluviais e ferroviários em áreas de fronteira com países vizinhos.

A pressão pela integração ferroviária tem sido vista em outros países da região, cujo desenvolvimento historicamente privilegiou rodovias.

O presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, Sergio Díaz Granados, defende que é preciso repensar o papel das ferrovias para o “desenvolvimento sustentável e a integração da região”. A fala aconteceu durante o Fórum Internacional sobre Reativação Ferroviária, organizado pelo CAF em Bogotá no final de julho.

Entre os 155 projetos monitorados pelo Banco, 50 estão no Brasil, 21 no México e 20 na Colômbia. O Peru, além de planejar a Ferrovia Bioceânica, também projeta uma linha costeira que parte de sua fronteira com o Equador, ao norte, até a divisa sul, com o Chile.

Mexicano Tren Maya começa com problemas

No México, um projeto já está em operação: o “Tren Maya”, que busca tanto interligar destinos turísticos no sul do país quanto transportar cargas. Desde o início da operação, inaugurada parcialmente em 2023 e com novos trechos conectados em 2024, cerca de 1,36 milhão de passageiros foram transportados em 7.290 viagens.

Apesar disso, a avaliação tem sido cautelosa. Segundo o portal especializado El Financiero, o Tren Maya acumulou desde a inauguração um prejuízo de 5,8 bilhões de pesos (R$ 1,7 bilhão). Segundo o jornal espanhol El País, a inauguração do projeto ficou marcada por acusações que se acumularam durante sua construção, que envolvem conflitos sociais, desmatamento e superfaturamento.

O diretor do projeto, Óscar David Lozano Águila, minimiza o impacto. “Graças a essa infraestrutura, a região está se desenvolvendo em um novo polo econômico, com grande potencial de médio e longo prazo.”

No país vizinho, a Guatemala, o interesse em criar uma integração ao Tren Maya já é grande. O objetivo é apresentar um plano para viabilizar uma conexão da linha mexicana à Cidade da Guatemala.

“Acreditamos que as fronteiras não separam, mas conectam, e que é dever dos países vizinhos e amigos se coordenarem da melhor forma para alcançar objetivos comuns de desenvolvimento nas regiões de fronteira”, disse o presidente guatemalteco Bernardo Arevalo. Ele também quer que os trilhos cheguem até a vizinha Belize.

No Chile, a estatal EFE planeja duas linhas de passageiros: Santiago–Melipilla (R$ 9,7 bilhões) e Santiago–Batuco (R$ 5,1 bilhões). Já na capital da Colômbia, Bogotá, avança o projeto do metrô, que deve melhorar a conexão da metrópole com os municípios vizinhos de Cundinamarca e combater o colapso do trânsito dentro da cidade.