14/10/2025 - 13:05
Ex-premiê britânico é um dos cotados para compor conselho de Trump que supervisionaria a reconstrução de Gaza. Mas ideia tem sido duramente criticada – não só entre palestinos.Um passado comum une o Reino Unido e os palestinos muito antes de Tony Blair. Em 1922, por exemplo, Londres recebeu da Liga das Nações o mandato para administrar a Palestina. Mas mesmo antes disso, na Declaração de Balfour, os britânicos já haviam prometido estabelecer ali “uma pátria” para judeus de todo o mundo. O resultado foi um aumento da imigração judaica para a região — e consequentemente também das tensões entre as populações judaica e árabe.
Quando os britânicos não conseguiram mais controlar o conflito, devolveram seu mandato às Nações Unidas em 1947. A ONU então propôs um plano de partilha que estabelecia um Estado judeu e um Estado árabe. A população árabe, contudo, sentiu-se extremamente prejudicada – e assim, em 1948, apenas o Estado judeu foi fundado: Israel. O resto é história.
Críticas ao papel de liderança de Blair
Tudo isso aconteceu antes mesmo de Tony Blair ter nascido. O ex-primeiro-ministro britânico, nascido em 1953, pode vir a assumir uma espécie de mandato administrativo na região — pelo menos se for feita a vontade do presidente americano, Donald Trump, que, no início do mês, apresentou um plano de 20 pontos com o objetivo de pôr fim à guerra de dois anos na Faixa de Gaza.
O plano prevê a reconstrução de Gaza após o desarmamento da milícia terrorista Hamas. Durante esse período de transição, o território seria administrado por um governo de tecnocratas controlados e monitorados por uma equipe internacional: o “Conselho da Paz”. Trump quer ele mesmo liderar esse órgão, mas Blair pode ganhar um papel de destaque. A ideia foi recebida com fortes críticas, e não apenas na região.
O político palestino e ativista dos direitos civis Mustafa Barghouti, por exemplo, declarou à emissora CNN que seria “melhor se ele [Blair] permanecesse em seu próprio país e deixasse os palestinos governarem a si mesmos, […] em vez de nos submeter a um novo regime colonial”.
O papel controverso de Blair na Guerra do Iraque
A Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinos, Francesca Albanese, foi ainda mais incisiva. “Tony Blair? De jeito nenhum!”, escreveu ela na plataforma X: “Tirem as mãos da Palestina!”. E acrescentou: “Será que não deveríamos nos encontrar em Haia?”
Albanese se referia à mancha mais sombria no currículo do ex-premiê britânico, que continua a moldar a imagem dele no Oriente Médio: seu papel na Guerra do Iraque, em 2003. Antes dela, Blair era um político de alto escalão, muito bem-sucedido e popular no Reino Unido. Eleito pela primeira vez em 1997, tornou-se inclusive o primeiro-ministro trabalhista com o mandato mais longo da história do país.
O Acordo de Belfast, que ele também negociou, foi um ponto de virada decisivo no conflito da Irlanda do Norte, que se encontrava paralisado há muito tempo. No entanto, após os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York, ele deu seu apoio quase incondicional à “Guerra ao Terror” travada pelo então presidente americano George W. Bush. Isso lhe rendeu duras críticas, e a oposição chegou a apelidá-lo de “poodle de Bush”.
Dois anos depois, ele e Bush deram início à Guerra do Iraque. O argumento era que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa e precisava ser detido – uma alegação que foi posteriormente refutada.
Treze anos depois, o relatório da Comissão Chilcot sobre o papel do Reino Unido na Guerra do Iraque emitiu um veredito verdadeiramente devastador: os relatórios de inteligência sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein deveriam ter sido questionados, e a guerra não deveria ter sido travada. Blair também foi acusado de enviar soldados despreparados ao Iraque, além de não ter elaborado um plano para o período subsequente.
Repetidamente, Blair teve que se defender das acusações de seus oponentes de que era um “criminoso de guerra”. O Relatório Chilcot não chegou a tanto, mas as alegações da Comissão mancharam profundamente a imagem do político trabalhista.
O papel controverso de Blair no Oriente Médio
Ainda assim, Tony Blair permaneceu politicamente ativo na região. Apenas um dia após renunciar ao cargo de primeiro-ministro britânico em 2007, ele foi nomeado Enviado Especial do Quarteto para o Oriente Médio.
Composto por EUA, Rússia, União Europeia e Nações Unidas, o Quarteto tinha como objetivo mediar o conflito entre israelenses e palestinos. Blair, porém, continuou sendo alvo de críticas crescentes, em parte por também ter perseguido inúmeros interesses comerciais privados no Oriente Médio. Ele acabaria ocupando o cargo por oito anos, mas sem obter nenhum avanço significativo.
Os palestinos o acusaram de se aproximar cada vez mais de Israel. “Estamos felizes que ele esteja saindo. Ele deveria ter saído há muito tempo”, disse o então negociador palestino Mohammed Shtayyeh sobre a renúncia de Blair em 2015. “Ele não fez nada pela causa palestina, mas foi usado por Israel para justificar suas políticas de ocupação e assentamentos”, acusou.
O papel questionável do think tank de Blair
Tony Blair continuou ativo como empresário, fundando em 2016 o Instituto Tony Blair para a Mudança Global (TBI, na sigla em inglês). Através do órgão, ele já aconselhou autocratas como o presidente de Ruanda, Paul Kagame, e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman.
Funcionários do TBI também teriam colaborado com empresários israelenses no desenvolvimento de um plano de reconstrução pós-guerra para Gaza, alegação que o próprio instituto nega. O plano incluiria a polêmica “Riviera” de Trump e um parque industrial que seria batizado com o nome de Elon Musk. Essa visão provocou indignação generalizada em fevereiro de 2025, quando o presidente americano publicou um vídeo gerado por IA ilustrando o projeto.
É improvável que tais planos desempenhem um papel importante para Tony Blair caso ele de fato assuma o novo cargo. Em um comunicado, ele se limitou a declarar que o plano “ousado e inteligente” de Trump oferece a “melhor chance” de pôr fim à guerra na Faixa de Gaza. Mas Blair ainda não comentou se ele próprio terá algum papel nisso.