Reportagem do jornal The New York Times aponta que Kremlin estaria usando país como base para operações mirando os EUA. No entanto, para críticos, acusação esconde tentativa de ingerência americana.A Rússia estaria usando o México como base para espionar os Estados Unidos, segundo reportagem publicada neste mês pelo The New York Times. Citando fontes anônimas, o jornal afirma que agentes expulsos pelos governos americano e britânico nos últimos anos teriam encontrado em solo mexicano a oportunidade perfeita para se realocar e manter fácil acesso aos EUA.

O país teria sempre sido um ponto estratégico para a Inteligência russa, mas, desde o início da guerra na Ucrânia, diz a reportagem, as suas atividades no território mexicano teriam se intensificado.

A possibilidade de o país latino-americano voltar a ser, tal qual nos tempos da Guerra Fria, um atrativo polo da espionagem divide especialistas ouvidos pela DW.

Por ter supostamente permitido a proliferação de operações secretas da CIA e da KGB naquela época, o México chegou a ser apelidado de “Viena da América Latina” — a Áustria é historicamente conhecida como celeiro internacional de espiões.

Tanto a atual presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, quanto o seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, teriam sido informados pela CIA. O governo, entretanto, teria repetidamente “frustrado os esforços para reprimir as atividades de espionagem russas”.

Foco na fronteira

Segundo Gary J. Hale, pesquisador especializado em estudos sobre o México e ex-coordenador de Inteligência da Embaixada dos EUA na Bolívia, a Rússia de fato concentra a espionagem das Américas na embaixada do México.

Ele acredita que exista uma rede de locais seguros que servem como base para realizar operações na fronteira entre o México e os EUA

A reportagem do Times cita ainda que autoridades americanas temem que espiões se infiltrem no fluxo de milhões de turistas americanos que, todos os anos, viajam ao México.

Já José Salvador Cueto Calderón, professor da Faculdade de Estudos Internacionais e Políticas Públicas da Universidade Autônoma de Sinaloa, no México, interpreta a ideia de o país servir de base para a espionagem russa como “distante da realidade, dado o nível de interesse geopolítico dos Estados Unidos no país.”

Para ele, o tema serve para avançar “a ingerência dos EUA sobre o vizinho sob o pretexto da ameaça de potências de fora da região, como a Rússia”.

Presença em solo e na rede

Especialistas explicam ainda que a Inteligência russa hoje se dedica à captura e análise de informações através da interceptação de comunicações, além de operações cibernéticas “sofisticadas e complexas”.

“Os russos utilizam espaços de informação e redes sociais para criar notícias falsas ou desinformação, que podem ser usadas para influenciar os tomadores de decisões civis, governamentais e militares dos Estados Unidos e seus aliados”, explica Hale.

De acordo com a jornalista e analista especializada Dolia Estévez, a quantidade de diplomatas lotados na embaixada russa no México aumentou em 60% desde a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Mesmo assim, o governo mexicano “subestimou o poder que podem ter as operações de influência estrangeira”, na visão de Paloma Mendoza, do Centro de Estudos sobre Segurança, Inteligência e Governança do Instituto Tecnológico Autônomo do México (CESIG-ITAM).

Já para Hale, o governo mexicano continuará fazendo vista grossa diante da espionagem russa, sobretudo enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçar com sanções os carteis de drogas do México.

Neste ano, o The New York Times também reportou sobre as táticas de espiões russos para se camuflarem no Brasil ao longo de anos, tornando-se uma “fábrica” do Kremlin para operações secretas.