08/12/2023 - 14:19
Críticas a Israel crescem à medida em que os ataques contra o Hamas tomam todo o enclave palestino. Órgãos da ONU afirmam que os esforços militares para poupar civis têm sido insuficientes: “Não há lugar seguro em Gaza.”Desde o fim do cessar-fogo em 1º de dezembro, as forças israelenses anunciaram a expansão de suas operações por terra em toda a Faixa de Gaza, com o combate ao Hamas sendo travado agora também no sul do enclave densamente povoado – uma região antes indicada como rota de fuga do conflito pelos próprios militares israelenses.
A ação, segundo as Forças de Defesa de Israel (IDF), tem por objetivo a libertação de todos os reféns e a “destruição” do grupo radical islâmico – classificado como organização terrorista por Israel, países do Ocidente e algumas nações árabes – que invadiu o território israelense em 7 de outubro, matando cerca de 1.200 pessoas e levando outras 240 para dentro de Gaza, das quais 137 ainda continuam em cativeiro.
Dois meses depois do início do conflito, Israel se vê cada vez mais alvo de críticas da comunidade internacional – vindas não só do mundo árabe e islâmico.
Guterres apela ao Conselho de Segurança da ONU
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, já se referiu publicamente diversas vezes à situação da população civil em Gaza como “catastrófica”. Na quarta-feira (06/12), em uma movimentação rara, ele invocou o Artigo 99 da Carta das Nações Unidas para instar o Conselho de Segurança da ONU a agir e impor um “cessar-fogo humanitário” para “evitar uma catástrofe”.
Segundo esse artigo, o secretário-geral pode chamar a atenção do Conselho de Segurança para circunstâncias que, em sua opinião, são capazes de “ameaçar a preservação da paz mundial e da segurança internacional”.
Antes disso, o dispositivo havia sido usado pela última vez em 1989 pelo então chefe da ONU, o peruano Javier Perez de Cuellar, para obter um cessar-fogo na Guerra Civil do Líbano (1975-1990).
Por causa da movimentação de Guterres, o Conselho de Segurança da ONU deve apreciar uma nova resolução de cessar-fogo, encampada desta vez por países árabes. Para ser aprovada, a medida precisa do aval de nove dos 15 membros do conselho, e não pode ser vetada por nenhum dos cinco membros permanentes: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China.
A esta altura, porém, a aprovação de um cessar-fogo é dada como improvável.
Segundo a autoridade de saúde em Gaza, ente controlado pelo Hamas, o número de mortos nesses dois meses de guerra já passa de 16 mil no lado palestino –cerca de dois terços das vítimas eram civis.
Além disso, quase 80% da população dentro da Faixa de Gaza teve que deixar suas casas para fugir do conflito, de acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA).
EUA falam em plano para proteger civis
A estratégia israelense também suscita dúvidas entre membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que defendem o direito de Israel à autodefesa.
“O que significa a destruição total do Hamas? Alguém acredita que isso é possível?”, questionou no último sábado o presidente francês Emmanuel Macron ao se referir a um dos autodeclarados objetivos da ação israelense em Gaza. Em Dubai para participar da COP28, a Conferência da ONU sobre o Clima, Macron advogou por um armistício permanente.
Mesmo dos Estados Unidos, o aliado mais próximo de Israel, vieram advertências de políticos de alto escalão, como a vice-presidente Kamala Harris e o secretário de Estado Antony Blinken. Um dia antes do fim da trégua entre Israel e Hamas, o chefe da diplomacia americana disse ter instado Israel a “implementar planos de proteção civil humanitária” antes de retomar a ofensiva terrestre, a fim de minimizar o saldo de vítimas inocentes.
“Zonas de evacuação” para poupar civis
As forças israelenses afirmam que agem para poupar civis desde o início do conflito. Israel, contudo, parece estar ciente de que se espera mais do país.
“Precisamos de tempo para derrotar o Hamas. Se não tomarmos medidas humanitárias para minimizar as mortes de civis, podemos perder nossa legitimidade”, declarou um porta-voz das IDF, Richard Hecht, ao jornal britânico Financial Times.
O exército mudou sua forma de alertar os civis sobre combates e ataques aéreos. Ao fim da trégua na sexta-feira passada, as IDF lançaram panfletos sobre Gaza contendo instruções de segurança e um QR-code que redirecionava para o site das Forças Armadas, com um mapa que mostra a Faixa de Gaza dividida em várias centenas de zonas de diferentes tamanhos.
Essas seriam “áreas discerníveis” que permitiriam aos habitantes de Gaza se orientar e evacuar áreas específicas com base em orientações adicionais.
Desde então, a IDF forneceu mais informações sobre quais dessas zonas teriam combates militares, usando as redes sociais, formas diversas de transmissão eletrônica e até chamadas telefônicas, segundo o jornal israelense Haaretz.
Para a UNRWA, as medidas são inadequadas para proteger civis em Gaza. “Não há lugar seguro em Gaza – nem no sul, nem no sudoeste, nem em Rafah ou em quaisquer unilateralmente definidas 'zonas de segurança'”, disse na segunda-feira o comissário-geral da entidade, Philippe Lazzarini, três dias após o fim da trégua.
Na quarta, a entidade afirmou no X (antigo Twitter) que os palestinos não têm para onde fugir, e que os campos de refugiados estão lotados.
Chefe do Centro de Estudos Palestinos na Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres, Dina Matar explicou, em entrevista à revista americana Time, por que não considera o mapa da IDF uma solução viável para proteger civis: “Mesmo para alguém que conhece cada bairro, é difícil se orientar no mapa.”
Ela também argumenta que é quase impossível deixar as zonas de evacuação a tempo, já que os avisos das IDF às vezes chegam tarde ou nem chegam, e também porque as zonas presumivelmente seguras estão lotadas e a maioria das pessoas se desloca a pé.
Em reportagem publicada nesta quinta-feira (07/12), o jornal britânico The Guardian afirma que o exército israelense tem dado informações contraditórias a civis palestinos sobre onde se abrigar do conflito, ao mesmo tempo em que mantém aberta a possibilidade de bombardear essas mesmas áreas. Moradores e organizações de apoio humanitário atuando na região chamaram de “miragem” as orientações sobre as “zonas humanitárias” ante a ausência de abrigo e a escassez de água e comida.
A própria UNRWA se queixa de ter tido 80 instalações suas atingidas durante o conflito – as forças israelenses alegam que o Hamas usa civis como escudo humano.
“Estamos tentando informar os palestinos com antecedência sobre onde os combates ocorrerão”, disse à emissora CNN Jonathan Conricus, outro porta-voz das IDF. “Não sei como mais podemos derrotar o Hamas onde ele está e minimizar as vítimas civis.”
“Situação humanitária piora a cada hora”, alerta OMS
Segundo relatos, a situação dos civis palestinos na Faixa de Gaza se agravou com a expansão da ofensiva terrestre de Israel. Faltam alimentos, medicamentos e, principalmente, água limpa – para beber, cozinhar e lavar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou na terça-feira no X: “A situação humanitária em Gaza piora a cada hora.”
Segundo informações publicadas pela imprensa e não refutadas por Israel até agora, o país avalia como alternativa de combate a inundação do sistema de túneis do Hamas com água do mar, a fim de expulsá-los de seus esconderijos – algo, segundo especialistas, que poderia causar ainda mais danos à infraestrutura de água e esgoto em Gaza, que já era precária antes da guerra.
Organizações de apoio humanitário afirmam que cerca de 95% da água disponível em Gaza não é adequada para consumo humano.
Na quinta, o exército israelense anunciou que abriria a passagem de Kerem Shalom, na fronteira israelense, para permitir a entrada de ajuda humanitária no enclave – que até então só tem sido abastecido pela fronteira com o Egito.