Os gatos tinham uma má reputação na Idade Média. Seus supostos vínculos com o paganismo e a feitiçaria significavam que muitas vezes eram tratados com desconfiança. Mas, apesar de sua associação com o sobrenatural, os manuscritos medievais exibem imagens surpreendentemente divertidas de nossos amigos peludos.

A partir dessas representações (geralmente muito engraçadas), podemos aprender muito sobre as atitudes medievais em relação aos gatos – não menos importante, que eles eram um elemento central da vida medieval diária.

Na Idade Média, homens e mulheres eram frequentemente identificados pelos animais que mantinham. Macacos de estimação, por exemplo, eram considerados exóticos e sinal de que o dono era rico, pois haviam sido importados de terras distantes. Os animais de estimação passaram a fazer parte da identidade pessoal da nobreza. Manter um animal que recebia atenção, carinho e comida de alta qualidade em troca de nenhum propósito funcional – além de companheirismo – significava alto status.

Não era incomum que homens e mulheres de alto status na Idade Média tivessem seus retratos concluídos na companhia de um animal de estimação, geralmente cães e gatos, para mostrar seu status elevado.

“A Última Ceia”, de Pietro Lorenzetti, cerca de 1320. Crédito: Wikimedia Commons

Espaços domésticos

É comum ver imagens de gatos na iconografia de festas e outros espaços domésticos, o que parece refletir sua condição de animal de estimação no lar medieval.

Em A Última Ceia, de Pietro Lorenzetti (acima), um gato senta-se perto do fogo enquanto um cachorrinho lambe um prato de sobras no chão. O gato e o cachorro não desempenham nenhum papel narrativo na cena, mas sinalizam ao espectador que esse é um espaço doméstico.

Da mesma forma, na miniatura de um livro de horas holandês (um tipo comum de livro de orações da Idade Média que marcava as divisões do dia com orações específicas), um homem e uma mulher aparecem em uma aconchegante cena doméstica enquanto um bem cuidado gato olha do canto inferior esquerdo. Novamente, o gato não é o centro da imagem nem o foco da composição, mas é aceito nesse espaço doméstico medieval.

Livro de Horas conhecido como “London Rothschild Hours” ou “Horas de Joanna I de Castela”. Ilustrado por Gerard Horenbout. Crédito: Biblioteca Britânica de Londres. Manuscrito 35313, fólio. 1 verso. C , fornecido pela autora

Assim como hoje, as famílias medievais davam nomes a seus gatos. Um gato do século 13 na abadia de Beaulieu, por exemplo, era chamado de “Mite” de acordo com as letras de tinta verde que aparecem acima de um rabisco do referido gato nas margens de um manuscrito medieval.

Tratamento real

Os gatos eram bem cuidados nas casas medievais. No início do século 13, há menção nas contas da mansão em Cuxham (Oxfordshire, Reino Unido) de queijo sendo comprado para um gato, o que sugere que eles não eram deixados à própria sorte.

“Bacchiacca” (cerca de 1525), do pintor italiano Antonio d’Ubertino Verdi. Crédito: Christie’s

Na verdade, a rainha da França no século 14, Isabel da Baviera, gastava muito dinheiro em acessórios para seus animais de estimação. Em 1387, ela encomendou um colar bordado com pérolas e preso por uma fivela de ouro para seu esquilo de estimação. Em 1406, um pano verde brilhante foi comprado para fazer uma cobertura especial para seu gato.

Os gatos também eram companheiros comuns para os acadêmicos, e elogios sobre gatos não eram incomuns no século 16. Em um poema, um gato é descrito como o companheiro mais querido e suave de um acadêmico. Elogios como esse sugerem um forte apego emocional aos gatos de estimação e mostram como os gatos não apenas animavam seus donos, mas também proporcionavam distrações bem-vindas da difícil arte mental de ler e escrever.

Gatos nos claustros

Os gatos são encontrados em abundância como um símbolo de status nos espaços religiosos medievais. Existem muitos manuscritos medievais que apresentam, por exemplo, iluminuras (pequenas imagens) de freiras com gatos, e os gatos frequentemente aparecem como rabiscos nas margens dos Livros de Horas.

São Mateus e seu gato, Bruges, c. 1500. Crédito: Rouen bibliotheque municipale. Manuscrito 3028, Fólio 63r], fornecido pela autora

Mas também há muitas críticas sobre a manutenção de gatos na literatura de sermões medievais. O pregador inglês do século 14 John Bromyard considerava-os acessórios inúteis e superalimentados dos ricos que se beneficiavam enquanto os pobres passavam fome.

Detalhe da miniatura de uma freira fiando, enquanto seu gato de estimação brinca com o fuso. Crédito: Horas de Maastricht, Holanda (Liège), 1º quarto do século 14, manuscrito Stowe 17, fólio 34r

Os gatos também aparecem em registros como associados ao diabo. Sua discrição e astúcia ao caçar ratos eram admiradas – mas isso nem sempre se traduzia em qualidades desejáveis ​​para o companheirismo. Essas associações levaram à morte de alguns gatos, que tiveram efeitos prejudiciais durante a Peste Negra e outras pragas da Idade Média, quando mais gatos poderiam ter reduzido as populações de ratos infestados por pulgas.

Por causa dessas associações, muitos achavam que os gatos não tinham lugar nos espaços sagrados das ordens religiosas. Não parece ter havido nenhuma regra formal, no entanto, afirmando que membros de comunidades religiosas não tinham permissão para manter gatos – e as constantes críticas à prática talvez sugiram que gatos de estimação eram comuns.

Gato vestido de freira. Crédito: State Library Victoria, 096 R66HF, fólio 99r, fornecido pela autora

Bem cuidados

Mesmo que nem sempre fossem considerados socialmente aceitáveis ​​nas comunidades religiosas, os gatos ainda eram claramente bem cuidados. Isso fica evidente nas imagens lúdicas que vemos deles nos mosteiros.

Na maioria das vezes, os gatos se sentiam em casa nos lares medievais. E, como deixa claro sua representação lúdica em muitos manuscritos e obras de arte medievais, as relações de nossos ancestrais medievais com esses animais não eram muito diferentes das nossas.

* Madeleine S. Killacky é doutoranda em Literatura Medieval na Universidade de Bangor (Reino Unido).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.