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Para alguns, a primeira referência são as tulipas; para outros, são as cafeterias ou o Red Light District, local onde a prostituição, legalizada no país, desperta a curiosidade dos turistas. É assim que vive a Holanda, em harmonia com suas tradições e seu liberalismo e, talvez seja esse equilíbrio que faz de seu pequeno território, menor que o estado do Rio de Janeiro, a fama de país mais “mente aberta” do mundo. Outros preferem a imagem de “floricultura do planeta”. Há quem fale ainda no povo holandês como o “mais descolado” de todos (a propósito, é assim que o país se vende para os estrangeiros.

Independentemente do título conferido à Holanda, muitos se questionam quais foram os caminhos trilhados na história do Reino dos Países Baixos, seu nome oficial, que fizeram dele um dos mais liberais do mundo hoje. Enquanto muitas sociedades, boa parte delas ocidentais e desenvolvidas, ainda vivem discussões acaloradas sobre temas como consumo de maconha, legalização da eutanásia e casamento entre homossexuais, o país há muito já superou esses assuntos tabus.

O trabalho das profissionais do sexo foi legalizado e formalizado no ano 2000. O direito à eutanásia e ao casamento homossexual, em 2001. A legalização do consumo recreativo da maconha circunscrito a lugares específicos e o porte de até 30 gramas da droga foi em 1976. O que une todos esses fatos históricos pode ser resumido em uma palavra: tolerância. “Alguns holandeses não têm uma posição confortável em relação a drogas e prostituição, mas temos uma política de tolerância em relação a certos assuntos, o que é diferente de apoiar ou incentivar”, explica Rogier van Tooren, cônsul-geral em exercício da Holanda no Brasil.

“A lógica é simples. Tolerar, em vez de proibir e, consequentemente, perder o controle sobre a questão, já que, mesmo sendo ilegal, não vai deixar de existir”, explica Yasha Lange, jornalista e diretor de comunicação da Universidade de Amsterdã, em artigo que aborda o liberalismo na Holanda em relação a drogas e prostituição. Lange ressalta que, ao formalizar a prostituição, por exemplo, ações de políticas de saúde pública acabam sendo mais eficientes.

Um bom exemplo dessa postura liberal está na educação sexual dos adolescentes. A partir de 12 anos é possível procurar uma clínica para ter acesso não só à informação, como a métodos contraceptivos e, se os jovens preferirem, de forma anônima, sem o conhecimento dos pais. Ao contrário do pensamento de muitos conservadores de que isso levaria a uma iniciação sexual precoce, os holandeses tem sua primeira experiência sexual relativamente tarde se comparados a outros países similares. Mais importante que isso, os registros de abortos e de gravidez indesejada entre adolescentes estão entre os mais baixos do mundo.

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Com relação ao uso de drogas, os cuidados vão na mesma linha. “Não tratamos os usuários viciados como criminosos, mas como doentes. Eles não serão presos por isso, nós os ajudamos” explica Rogier, que faz questão de ressaltar que produzir, vender ou exportar qualquer tipo de droga, mesmo as leves, como eles classificam a maconha, é ilegal no país. Só é possível consumi-la nos Coffeeshops e, ainda assim, em um volume limitado a cinco gramas por pessoa, a qual deve ter mais de 18 anos.

Lange sugere que um dos principais fatores para essa política de trazer à luz questões que em outros países se desenrolam na surdina é o aspecto religioso, ou a falta dele. “Valores cristãos não mais definem políticas públicas, e, de fato, apenas um terço dos holandeses são membros da igreja.” Ajuda o fato de que a capital, sobretudo, tenha sido formada historicamente por imigrantes com diferentes crenças, como os judeus que fugiram da Espanha e protestantes franceses.

Rogier reforça a explicação: “Somos muito orgulhosos da forma como lidamos com as diferentes religiões”. De certa forma, acredita ele, isso acaba se refletindo na imagem positiva que os holandeses têm no mundo. “Temos uma boa qualidade de vida aqui; pesquisas apontam que nossas crianças são as mais felizes do mundo, por exemplo, e os visitantes percebem isso e se sentem bem-vindos em nosso país”.

Como tudo começou

A própria independência da Holanda se deu a partir de uma revolta contra a ordem religiosa. Em 1568, vários principados do norte dos Países Baixos, dirigidos pelo príncipe Guilherme de Orange, rebelaram-se contra a limitação da liberdade. A revolta deu início ao que nos Países Baixos se conhece como a Guerra dos Oitenta Anos, e em 1648 a República das Sete Províncias dos Países Baixos foi reconhecida como um estado independente.

Outro fator histórico que contribuiu para o que alguns preferem chamar mais de pragmatismo do que de tolerância é que em Amsterdã os negócios sempre foram mais importantes e mais valorizados do que as ideologias ou a religião. Ou seja, opiniões muito radicais e severas só prejudicariam as relações comerciais. Segundo Lange, essa atitude ainda se faz notar atual­mente: “Sendo o país pequeno e com ambições no comércio internacional, os holandeses simplesmente tinham de ser capazes de se associar a diversas culturas e aceitar as diferenças”.

Laranja e verde

Novos desafios da vida em sociedade surgiram, e um país que está abaixo do nível do mar não podia deixar de se preocupar seriamente com o aquecimento global e o derretimento de geleiras. Assim, mais uma vez, a Holanda saiu na frente e hoje é uma das principais referências quando o assunto é tecnologia e inovação ligadas à causa verde.

A preocupação começa na escola, já que o tema sustentabilidade faz parte do currículo escolar obrigatório. Uma amostra da importância que a sustentabilidade tem nas discussões políticas e sociais é que em junho de 2015, um tribunal em Haia ordenou o governo holandês a reduzir as emissões de CO2 em 25% nos próximos cinco anos. A decisão histórica foi motivada por uma ação judicial movida contra o governo por quase 900 cidadãos holandeses e culminou com o primeiro termo de responsabilidade do clima no mundo.

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Uma das mais recentes iniciativas é o aproveitamento da força do vento, que move os moinhos holandeses há séculos, para movimentar os trens que cortam o país. Até 2018, toda a rede ferroviária local (quase 3 mil km) será abastecida por energia eólica. Mas a água talvez seja o maior símbolo do protagonismo do país nas causas ambientais. Os holandeses nos dão um bom exemplo do velho clichê “fazer dos limões uma limonada” e fizeram da água, uma iminente ameaça, um aliado. No século 17, os canais foram a solução de engenharia e urbanismo planejada para que a cidade não fosse inundada e hoje servem para o transporte e o turismo.

“Para sobreviver, precisamos ser eficientes na questão da água, e hoje o gerenciamento de nossos recursos hídricos faz parte do nosso DNA”, diz Rogier. O cônsul lembra ainda outro fato que obrigou o país a pensar no assunto com seriedade: “Se você olhar no mapa, vai perceber que muitos rios de outros países deságuam na Holanda, o que significa que a região também recebia muito rejeitos”.

Assim, além de ter de solucionar de forma eficiente o tratamento de despoluição de seus recursos hídricos, o país foi obrigado a embarcar em missões diplomáticas com seus vizinhos europeus para resolver o problema na origem. Não por acaso, o príncipe Willem-Alexander, tem interesse pessoal em gerenciamento hídrico e hoje ocupa a chefia do Conselho Consultivo de Água e Sanea­mento da ONU (Unsgab, na sigla em inglês).

Pedalando

Holanda e bicicleta são praticamente sinônimos. Nos anos 60, Amsterdã deu a largada para ser conhecida hoje como a capital mundial da bicicleta. O hábito não se instalou por uma questão sustentável, uma vez que precedeu essas preocupações modernas. Mas acabou sendo parte fundamental da política de ­sustentabilidade adotada pelo país.

É certo que a geografia da cidade colabora, com suas vias planas, o que não deixa de ser convidativo. O frio reinante em boa parte do ano poderia ser uma boa desculpa para deixar a ‘magrela’ em casa, mas não é. Em Amsterdã, são mais de 1 milhão de bicicletas para cerca de 830 mil habitantes. As duas rodas dominam as vias e as paisagens holandesas.

São 22 mil quilômetros de ciclovias em todo o país, o que permite que mais de 25% dos deslocamentos sejam feitos de bicicleta. Se considerarmos apenas a capital, o percentual sobe para 38%.

Marca registrada

O selo de tolerância e liderança em sustentabilidade se converteu em uma marca com forte apelo turístico, que rende ao país cerca de € 65 bilhões e responde por 6% de seus empregos. Hoje, a expectativa do departamento de turismo local (NBTC) é fazer com que seus milhões de visitantes circulem além das fronteiras de Amsterdã. “Até 2025, nossa meta é que 17 milhões de pessoas venham para o nosso país”, conta a gerente do NBTC Carola Van Rijn. A “marca” entrega tudo o que o seu slogan promete: “O que você chama de legal, nós chamamos de Holanda”.

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