Figuras sombrias perambulam pela noite antes do Dia de Todos os Santos. Caretas horripilantes, mascarados sob luzes lúgubres. Eles estão prestes a bater à sua porta… é Halloween, o Dia das Bruxas, a feliz noite do terror, cheia de assombrações e de diversão.

É comum afirmar que esse evento, exportado dos Estados Unidos para muitos países, é puramente comercial, como o Papai Noel da Coca-Cola ou as rosas no Dia dos Namorados. A indústria do Halloween jamais se cansa de vender abóboras de plástico e máscaras assustadoras ao redor do mundo.

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Mas por trás de todo o comércio há uma tradição real, de origem secular. Ao contrário do que se costuma afirmar, ela não está ligada ao povo celta: apesar de este celebrar o Samhain no fim de outubro – uma espécie de festa da colheita no início do inverno – a Igreja, cuja vontade prevalecia na Europa durante a Idade Média, marcou o Dia de Todos os Santos bem em 1º de novembro.

O termo Halloween deriva da frase em inglês All Hallows Eve – a noite anterior ao Dia de Todos os Santos. Relembram-se os mortos e reza-se por eles. Afinal de contas, é preciso que os mortos estejam bem.

Segundo a crença cristã, eles estão esperando o Juízo Final, que vem acompanhado da ressurreição de Jesus Cristo. No início da Cristandade, acreditava-se que esse dia chegaria logo. O que não aconteceu.

Pobres almas no purgatório

“E aí a gente começou a se perguntar cada vez mais: o que acontece realmente com as almas? O que elas fazem? Será que podemos dar algum sentido a esse tempo até o Juízo Final?”, explica a antropóloga cultural Dagmar Hänel.

Dessa forma surgiu o conceito de purgatório, uma espécie de estação intermediária entre a morte e a eternidade, em que cada um começa a processar seus pecados e se purificar.

Havia então uma conexão entre o lado de cá, a vida, e as pobres almas no além. “Essa crença está presente em todas as religiões: pode-se influenciar a vida após a morte, e vice-versa. Por isso rezamos o terço, fazemos o bem e damos esmolas. Tudo isso tem efeito direto no sofrimento das pobres almas no purgatório”, explica Hänel.

Na Idade Média, os fiéis iam de casa em casa na noite anterior ao Dia de Todos os Santos para pedir oferendas. Em algumas áreas rurais da Alemanha esse hábito ainda perdura. Jovens solteiros andam pelos vilarejos, rezam, cantam, abençoam e em troca recebem – exigem – dinheiro ou comida. Nos EUA, esses costumes se tornaram brincadeiras de criança: “trick or treat”, “gostosuras ou travessuras”.

Tradição que desapareceu na Europa

Com o avanço do iluminismo eclesiástico no século 18 e começo do 19, as Igrejas se tornaram cada vez mais céticas em relação aos antigos costumes, até mesmo proibindo alguns, conta a antropóloga Hänel.

Ao mesmo tempo a industrialização gerou redes sociais mais densas, portanto, não havia mais a necessidade de recolher tantas doações aos mais pobres. “O contexto do costume desapareceu. Os costumes têm algo a ver com a necessidade, eles não existem por diversão, mas porque se precisa deles.”

Com as leis sociais estabelecidas pelo chanceler do Império alemão Otto von Bismarck no fim do século 19, essa necessidade desapareceu ainda mais. O Estado passou a ser o responsável por cuidar dos pobres. E foi assim que um costume simplesmente se extinguiu.

“Migração reversa transatlântica”

Mas a tradição não estava completamente morta. Imigrantes irlandeses levaram o costume consigo para a América no século 19. Eles não tinham muitas posses, mas preservaram sua cultura. Lars Winterberg, especialista em antropologia histórica e etnologia europeia, acredita que o Halloween tenha sido primeiramente celebrado nos bairros de imigrantes das grande cidades.

Essa tradição teria continuado na nova situação de vida dos imigrantes irlandeses. “A integração raramente funciona como uma via de mão única. Há sempre uma mistura da cultura imigrante com a da sociedade hospedeira.”

Foi assim que a tradição do Halloween se espalhou pelos EUA. No início, era um evento mais para as crianças, mais tarde se tornaria algo mais “adulto”, com as primeiras festas, decorações e fantasias.

Durante e após a Segunda Guerra Mundial, a festividade acabou retornando à Europa: os soldados americanos estacionados na Alemanha celebravam o Dia das Bruxas, os alemães só observavam. Ele se tornou mais atraente quando invadiu a Europa na forma de filmes e séries.

Diferentes tipos de terror

O que impulsionou a popularidade foi o filme Halloween – O regresso do mal. Um clássico do terror, após o qual a festa jamais seria a mesma. Pois hoje em dia ela mistura tudo: zumbis, morte, diabos, bruxas, vampiros, demônios, fantasmas e brincadeira de criança. Até mesmo os irlandeses tradicionais festejam o Halloween à moda americana.

O etnólogo europeu Jörg Fuchs, da Universidade de Würzburg, acha isso um absurdo. “O Halloween está voltando para a Irlanda. Lá eles comemoram uma festa americana com raízes irlandesas, mas com design americano.”

A Alemanha também é contagiada pelo vírus do Halloween: há abóboras com rostos assustadores nas vitrines de lojas, muitos promovem festas do Dia das Bruxas em 31 de outubro, o público jovem é que mais se deixa contagiar.

Substituto do Carnaval?

Quando o Dia das Bruxas se tornou popular na Alemanha, nos anos 1990, parecia que a indústria do Carnaval tentava forçar a ideia sobre os alemães. Fuchs tem uma teoria interessante a respeito.

“Em 1991, a parada da Segunda-Feira das Rosas [Segunda-Feira de Carnaval no oeste da Alemanha] foi cancelado devido à guerra do Iraque. Foi uma catástrofe para a indústria carnavalesca. Buscando uma segunda fonte de renda, considerou-se que festa se poderia estabelecer no decorrer do ano. Desde então há um boom comercial [do Halloween].”

Mas muitos na Alemanha continuam não dando bola para o Dia das Bruxas. Até porque há uma alternativa, especialmente na região do vale do Reno, no oeste, onde o Carnaval é comemorado com mais intensidade. A festa começa em 11 de novembro e dura até a Quarta-Feira de Cinzas. E também com base numa velha tradição cristã.