Dos 73 mil habitantes da cidade, cerca de oito mil ainda sobrevivem entre os escombros do que restou do lugar, dependentes da ajuda de voluntários e militares.A cada poucos minutos, projéteis rasgam o ar e explodem em algum lugar próximo. As vias de Bakhmut estão desertas. Apenas Yevgeny Tkachev e outros voluntários da organização de ajuda social Proliska estão nas ruas para levar alimentos e itens de higiene aos moradores.

A parte ocidental da cidade localizada na região do Donbass está praticamente irreconhecível. De muitas casas, restam apenas pilhas de tijolos. Os prédios estão repletos de perfurações. Restos de placas publicitárias e semáforos danificados pairam sobre ruas e calçadas, onde jazem carros capotados e queimados. A maioria das vidraças está quebrada, as aberturas das janelas parcamente cobertas. Portas danificadas abrem e fecham com o vento.

Bakhmut: ajuda humanitária sob balas

“Claro que é perigoso. Mas o que podemos fazer? As pessoas precisam de ajuda porque as lojas aqui não abrem mais e nem todo mundo tem dinheiro”, diz Yevgeny, enquanto sai do carro. Ele para num pátio cercado por vários edifícios residenciais.

Muitas janelas estão quebradas. Um homem tenta cobrir um dos vãos com papel alumínio. Em seguida, explosões ecoam nas proximidades. O homem se abaixa para se proteger, mas poucos segundos depois ele está de volta à sua missão de cobrir a janela danificada.

Algumas pessoas se aproximam do carro dos voluntários. Com gritos de “ajuda humanitária, ajuda humanitária!”, Yevgeny tenta avisar e atrair outros residentes daquelas residências. Assim como a moradora Nina, todos estão com suas carteiras de identidade em mãos, pois precisam preencher um formulário com dados pessoais e assiná-lo quando recebem ajuda.

De repente, outro projétil sobrevoa rente aos telhados e explode não muito longe. Mas as pessoas sequer se agacham – preenchem os formulários como se nada tivesse acontecido. Apenas um homem se mostra surpreso por ter sido algum som novo. “Já estamos acostumados com os diversos assobios das balas e explosões”, explica Nina.

Sem eletricidade, sem água, sem gás

O entorno de Bakhmut é palco de uma desgastante batalha entre agressores russos e forças ucranianas. A linha de frente está cada vez mais próxima da cidade. Há vários meses não há eletricidade, água potável ou gás em Bakhmut. Os habitantes usam velas para economizar a energia armazenada em baterias e carregadores portáteis.

Nina relata que os cerca de 100 moradores de sua vizinhança receberam geradores a diesel de militares ucranianos e voluntários. Mas estes geradores são ligados ocasionalmente para carregar muitos telefones celulares ao mesmo tempo ou para ligar uma máquina de lavar roupas.

“Para economizar combustível para os geradores, a maioria das pessoas lava a roupa à mão, como faziam nossos avós”, explica Nina. O posto de gasolina mais próximo fica na cidade vizinha de Chasiv Yar, a cerca de 12 quilômetros de distância. “Nós vamos de carro, que também precisa de gasolina. Essa é uma das razões pelas quais economizamos energia.”

Os remanescentes em Bakhmut também recebem água potável dos militares ucranianos ou de ajudantes de organizações humanitárias. Ou eles próprios procuram por fontes pluviais nos pátios de casas particulares. Eles cozinham em grelhas caseiras na rua ou em fogões de ferro fundido.

Homens cortam lenha em frente de dois edifícios. Um deles – Dmytro, de 35 anos – leva a madeira cortada para um apartamento onde vive um familiar doente. “Temos fogão no apartamento e o esquentamos com lenha. Dá para colocar uma panela ou frigideira em cima e cozinhar os alimentos”, conta. Do pátio é possível ver várias janelas com canos, dos quais saem fumaça.

A vida em Bakhmut – cotidiano no porão

Por causa de idosos doentes ou que não podem ou não querem ser realocados, famílias inteiras permanecem em Bakhmut.

Um homem se aproxima com sua filha. A adolescente evita o contato com os jornalistas e esconde o rosto. “Não podemos deixar nossa avó doente sozinha em Bakhmut”, diz o pai. A garota é a única criança que a reportagem vê por estas bandas. De meados do ano passado até setembro, quase todas as crianças de Bakhmut deixaram a cidade.

No primeiro semestre de 2022, quando a linha de frente se aproximava da cidade, muitos moradores de Bakhmut limparam seus porões e os decoraram com móveis, alguns dos quais eles mesmos construíram. Destes porões, praticamente não há conexões de comunicação.

Nina mostra o seu porão. Um corredor escuro leva aos “quartos”. Uma vez lá, Nina acende sua lanterna. Prateleiras com chás e cereais revestem as paredes de concreto. As seis camas estão ordeiramente arrumadas. A temperatura está agradável porque no canto tem um fogão, no qual está fervendo água. As mulheres presentes oferecem chá.

Não há ventilação no porão. As pessoas costumam ir até a porta de entrada para tomar um pouco de ar fresco. Também por isso, tentam acender menos velas. Durante o dia, as pessoas costumam ficar principalmente em seus apartamentos. Mas como o bombardeio persiste à noite, eles geralmente vão dormir em seus “bunkers”, como Nina os chama. “Mas este porão não pode nos proteger de um foguete”, diz.

“Os moradores de Bakhmut há muito sabem o que a guerra significa”

As pessoas estão cientes de que vivem perigosamente. Ao mesmo tempo, porém, enfatizam que não estão prontas para “rendição ou evacuação”.

“Os moradores de Bakhmut há muito sabem o que significam guerra e bombardeio”, diz Mykyta. “As pessoas aqui não estão lá muito chocados com essa guerra.” O jovem recorda que os combates no Donbass começaram muito antes da maciça invasão russa da Ucrânia, que ocorreu em 24 de fevereiro de 2022. Desde 2014, corriqueiramente algo é “atingido na cidade”.

Mykyta explica que não poderia deixar seus pais. Eles são apegados demais a sua residência para concordar com uma fuga. Ele diz que somente pode torcer para que “as forças armadas da Ucrânia expulsem o inimigo para fora da cidade”.

Nina também não perdeu as esperanças. Suas filhas fugiram “para a Europa”, mas ela quer ficar em Bakhmut com o marido – por enquanto. “Vou ficar aqui enquanto o Exército ucraniano estiver aqui”, enfatiza.

Mas o casal concorda que os civis devem ser realocados se a situação piorar. Segundo eles, não se deve ficar no caminho dos militares ucranianos quando o inimigo estiver se protegendo escondido atrás de edifícios residenciais.