Em meio à nova ofensiva israelense, moradores do território palestino contam por telefone o que é viver sob bombardeio constante, procurando comida e temendo “nunca mais acordarem”.”Vivemos no inferno. A segurança e a vida em Gaza se tornaram sem sentido”, desabafa Alaa Moein, falando à DW por telefone da Cidade de Gaza, onde buscou refúgio com sua esposa e três filhos.

“Todos os dias, espero morrer com meus filhos. Vou dormir à noite esperando nunca mais acordar”, diz o homem de 35 anos.

Moein e sua família fugiram da cidade de Jabalia no final da semana passada, quando mísseis choveram no norte de Gaza em meio a uma escalada da ofensiva israelense. Os cinco estão agora amontoados em um único quarto com outros parentes.

Além da constante ameaça às suas vidas, a família de Moein também está lutando para encontrar algo para comer. “Não temos pão nem comida. Comemos tudo o que encontramos, sem saber se é comestível. Dependemos de ervas e as cozinhamos. Tudo é caro. Usei todas as minhas economias para comprar comida”, relata Moein.

Trauma de repetidos deslocamentos

A história de Moein de vários deslocamentos e fome constante é comum na Gaza devastada pela guerra, onde vivem cerca de 2,1 milhões de pessoas.

O fazendeiro Naim Shafi’i e sua família tiveram que fugir mais uma vez de sua casa nos arredores de Beit Lahia, no norte de Gaza. Agora, ele está vivendo em uma tenda na Cidade de Gaza, que montou ao lado da estrada. “O bombardeio não parou [no norte], está em toda parte”, diz o homem de 39 anos à DW por telefone.

Israel não permite a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza desde o início da guerra contra o Hamas, em 2023, de modo que a DW muitas vezes tem que falar com as pessoas em Gaza por telefone.

“Eu tinha um saco de farinha e o levei comigo. Era a coisa mais importante que eu podia levar comigo quando saímos de Beit Lahia”, conta Shafi’i. “Não sei quanto tempo vai durar. Estamos tentando sobreviver.”

Quando Shafi’i retornou a Beit Lahia em janeiro, em meio a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, ele plantou algumas verduras ao lado do prédio bombardeado onde eles se abrigaram. O canteiro de vegetais também desapareceu.

“Todos os dias há notícias de um possível cessar-fogo e, na manhã seguinte, o que vemos são bombardeios, destruição e mortes. Não sei para onde ainda teremos que ir”, diz.

Israel começa a permitir a entrada de ajuda

Israel anunciou no último domingo que a entrada de uma ajuda “mínima” seria permitida em Gaza, em uma suspensão parcial de um bloqueio humanitário de 11 semanas que faz com que uma em cada cinco pessoas no território passe fome.

Israel disse que o bloqueio faz parte de uma estratégia de “pressão máxima” com o objetivo de derrubar o Hamas e forçar o grupo militante palestino a libertar os 58 reféns restantes.

Cinco caminhões da ONU transportando ajuda humanitária entraram em Gaza nesta segunda-feira, de acordo com o Ministério da Defesa de Israel, que supervisiona as passagens de Israel para Gaza. Não ficou imediatamente claro quando e onde a ajuda começaria a ser distribuída.

Nesta terça-feira (20/05), um porta-voz da ONU disse que a organização recebeu permissão para enviar outro comboio de “cerca de 100” caminhões com ajuda para Gaza.

A notícia de que uma “quantidade básica de alimentos” seria autorizada a entrar em Gaza foi amplamente compartilhada no território.

“É bom que algo esteja chegando, mas até agora não vimos nenhuma mudança”, disse Raed al-Athamna à DW na noite de segunda-feira, da Cidade de Gaza, onde ele e sua família estão vivendo.

Avisos de evacuação

Enquanto permite que a ajuda chegue, as Forças de Defesa de Israel (FDI) avançam com sua ofensiva terrestre.

As FDI anunciaram no domingo que as tropas terrestres estavam operando em várias áreas no “norte e sul da Faixa de Gaza” como parte de uma nova ofensiva militar com o codinome “Operação Carruagem de Gideão”.

Nos últimos dias, os militares de Israel emitiram avisos de evacuação para partes de Gaza, inclusive em torno das cidades de Khan Younis, a segunda maior cidade de Gaza, e Rafah, no sul, assim como em várias localidades no norte de Gaza. Israel diz que emite as ordens para tirar os palestinos do perigo.

Antes da emissão do último aviso de retirada para Khan Younis, mais de dois terços da Faixa de Gaza já estavam sob ordens de deslocamento ou em zonas militarizadas por Israel, de acordo com as Nações Unidas. As autoridades da ONU já haviam descrito a imposição de um deslocamento em massa de civis em Gaza como um possível crime de guerra.

O mais recente cerco de Israel a Gaza atraiu críticas internacionais contundentes. O primeiro-ministro do Qatar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al-Thani, cujo país tem sido um importante mediador entre Israel e o Hamas, disse que o “comportamento irresponsável e agressivo de Israel mina qualquer chance potencial de paz”.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, também alertaram em uma declaração conjunta na segunda-feira que “não ficaremos parados”, ameaçando “outras ações concretas” se Israel continuasse a bloquear a ajuda.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rebateu na terça-feira dizendo que os três líderes “estão oferecendo um grande prêmio pelo ataque genocida [do Hamas] a Israel em 7 de outubro [de 2023] e convidando a mais atrocidades desse tipo” ao exigir que Israel acabe com seu cerco.

“Essa é uma guerra da civilização contra a barbárie. Israel continuará a se defender por meios justos até que a vitória total seja alcançada”, disse Netanyahu.

Nesta terça-feira, o governo britânico anunciou a suspensão de negociações sobre comércio com Israel e a convocação do embaixador israelense em Londres para mostrar desagrado com o bloqueio à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.