29/04/2020 - 22:44
Um novo e bizarro mamífero de 66 milhões de anos foi descoberto em Madagascar por uma equipe de pesquisadores internacionais liderada por David Krause, curador sênior de paleontologia de vertebrados no Museu de Natureza e Ciência de Denver e professor emérito da Stony Brook University (a Universidade Estadual de Nova York, nos EUA), onde parte da pesquisa foi realizada. A descoberta desse mamífero do tamanho de um gambá que viveu entre dinossauros e crocodilos maciços na quarta maior ilha da Terra foi divulgada na revista “Nature”.
A descoberta do novo mamífero, chamado Adalatherium, que é traduzido das línguas malgaxe e grega e significa “besta louca”, baseia-se em um esqueleto quase completo que está surpreendentemente bem preservado. O esqueleto é o mais completo para qualquer mamífero mesozoico já descoberto no hemisfério sul.
“Sabendo o que sabemos sobre a anatomia esquelética de todos os mamíferos vivos e extintos, é difícil imaginar que um mamífero como o Adalatherium poderia ter evoluído; ele torce e até quebra muitas regras”, disse Krause.
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De fato, embora uma reconstrução realista possa levar a pensar que o Adalatherium era um texugo comum, sua “normalidade” é literalmente apenas superficial. Abaixo da superfície, seu esqueleto é nada menos que “estranho”. Possui características primitivas em sua região do focinho (como um osso da septomaxila) que não eram vistas há 100 milhões de anos na linhagem que leva aos mamíferos modernos.
Características inéditas
“Sua cavidade nasal exibe um incrível mosaico de características, algumas das quais são muito padrão para um mamífero, mas algumas que eu nunca vi em nada antes”, declarou James B. Rossie, também da Stony Brook University e coautor do estudo.
O Adalatherium tinha mais orifícios (foraminas) em sua face do que qualquer mamífero conhecido. Esses orifícios serviam de passagem para nervos e vasos sanguíneos, propiciando um focinho muito sensível coberto de bigodes. E existia um buraco muito grande no topo do focinho, para o qual simplesmente não há paralelo em nenhum mamífero conhecido, vivo ou extinto.
Os dentes do Adalatherium são muito diferentes em construção do que qualquer mamífero conhecido. Sua coluna vertebral tinha mais vértebras do que qualquer mamífero mesozoico e um dos ossos da perna era estranhamente curvado.
Do tamanho de um gambá-da-virgínia (Didelphis virginiana), o Adalatherium também era incomum, pois era muito grande para a sua época; a maioria dos mamíferos que viviam ao lado de dinossauros era muito menor, do tamanho de um rato, em média.
O Adalatherium pertence a um grupo extinto de mamíferos denominado gondwanaterianos, porque são conhecidos apenas no antigo supercontinente meridional de Gondwana. Os fósseis de gondwanaterianos foram encontrados pela primeira vez na Argentina na década de 1980, mas também foram achados na África, Índia, Península Antártica e Madagascar. Pensava-se anteriormente que os gondwanaterianos estavam relacionados a preguiças, tamanduás e tatus modernos, mas “agora se sabe que fizeram parte de um grande experimento evolutivo, fazendo suas próprias coisas, um experimento que falhou e foi extinto no Eoceno, cerca de 45 milhões de anos atrás”, explicou Krause.
Detalhes intrigantes
Antes da descoberta do esqueleto quase completo do Adalatherium, os gondwanaterianos eram conhecidos apenas a partir de dentes isolados e fragmentos de mandíbula, com exceção de um crânio de Madagascar descrito por Krause e sua equipe em 2014.
A integridade e a excelente preservação do esqueleto do Adalatherium potencialmente abrem novas janelas para a aparência e o modo como eles viveram, mas os aspectos bizarros ainda intrigam a equipe científica.
Para Simone Hoffmann, do Instituto de Tecnologia de Nova York e colaboradora principal de Krause, “o Adalatherium é o mais estranho dos animais esquisitos. Tentar descobrir como se moveu é quase impossível, porque, por exemplo, sua parte dianteira está nos contando uma história diferente da contada pela parte traseira.” A equipe de pesquisa ainda está descobrindo pistas, mas acredita que, embora o Adalatherium possa ter sido um poderoso animal escavador, ele também era capaz de correr e potencialmente tinha outras formas de locomoção.
A história das placas tectônicas de Gondwana fornece evidências independentes de por que o Adalatherium é tão bizarro. O Adalatherium foi encontrado em rochas datadas do final do Cretáceo, há 66 milhões de anos. Madagascar, com o subcontinente indiano anexado ao leste, separou-se da África mais de 100 milhões de anos antes e finalmente ficou isolada como uma ilha no Oceano Índico, quando o subcontinente indiano se destacou há aproximadamente 88 milhões de anos e foi para o norte. Isso deixou a linhagem que por fim resultou no Adalatherium a evoluir, isolado das populações do continente, por mais 20 milhões de anos – “tempo suficiente para desenvolver suas muitas características ridículas”, disse Krause.
Quebra-cabeça por completar
“O Adalatherium é apenas uma peça, mas uma peça importante, em um quebra-cabeça muito grande sobre a evolução inicial dos mamíferos no hemisfério sul”, observou Krause. “Infelizmente, a maioria das peças ainda está faltando.”
Mais do que tudo, essa descoberta ressalta aos pesquisadores quanto mais resta a ser aprendido, fazendo novas descobertas de mamíferos primitivos em Madagascar e em outras partes do antigo Gondwana.
O Adalatherium é apenas o mais recente de uma série de animais bizarros com espinha dorsal descobertos por Krause e sua equipe de pesquisa em Madagascar nos últimos 25 anos. As descobertas anteriores incluíram um sapo gigante, blindado e predador (Beelzebufo), um crocodilo vegetariano com nariz de cachorro pug (Simosuchus) e um pequeno dinossauro dentuço (Masiakasaurus).
A própria ilha está cheia de animais (e plantas) não encontrados em nenhum outro lugar do planeta, como baratas sibilantes, besouros-girafas, sapos-tomates, lagartixas-satânicas-cauda-de-folha e camaleões-panteras, listrados para citar alguns. E, claro, existe o grupo de lêmures. Apenas alguns milhares de anos atrás, a fauna de Madagascar também incluía pássaros-elefantes de mais de 600 quilos, lêmures do tamanho de gorilas e hipopótamos-pigmeus.