21/11/2025 - 11:17
Pacto costurado pelos EUA e países da UE pôs fim ao então conflito mais sangrento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mas Acordo de Dayton deixou lacunas que ainda provocam tensão na realidade política da região.Costurado por representantes dos Estados Unidos e de várias potências europeias, o Acordo de Dayton encerrou em 1995 aquele que era então oconflito mais sangrento Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial: a Guerra da Bósnia, que se estendeu de 1992 a 1995, durante a desintegração da antiga Iugoslávia. O pacto ainda resultou no reconhecimento das Bósnia e Hezergovina como um Estado soberano.
Mas a costura do acordo, embora bem-sucedida para encerrar guerra, ainda assim acabou deixando espaço para uma ordem política propensa a conflitos que perpetua tensões étnicas e incentiva aspirações separatistas, além de excluir algumas minorias étnicas dos processos de tomada de decisão.
1. Como surgiu o Acordo de Dayton?
O Acordo de Paz de Dayton, concluído em 21 de novembro de 1995 e assinado em 14 de dezembro do mesmo ano em Paris, pôs fim à guerra de três anos e meio na Bósnia e Herzegovina. O conflito entre sérvios, bósnios muçulmanos e croatas foi marcado por limpeza étnica, o sangrento cerco de Sarajevo e o genocídio de Srebrenica .
Um total de 100.000 pessoas perderam a vida e milhões foram forçadas a deixar suas cadas. Um cessar-fogo somente se tornou possível após a intervenção da Otan em agosto de 1995 e, em outubro, e ao início das negociações de paz sob a liderança dos Estados Unidos.
Sob a coordenadoria do diplomata americano Richard Holbrooke, as partes envolvidas no conflito se reuniram na Base Aérea de Wright-Patterson, em Dayton, no estado norte-americano de Ohio, para desenvolver um plano de paz.
2. Quem eram os principais atores?
Na mesa de negociações estavam os presidentes Slobodan Milosevic (Sérvia), Franjo Tudman (Croácia) e Alija Izetbegovic (Bósnia e Herzegovina). Cada um buscava seus próprios interesses: Milosevic queria assegurar a influência e os territórios conquistados e etnicamente “limpos” pelos sérvios da Bósnia durante a guerra; Tudman buscava vantagens territoriais para a Croácia e Izetbegovic lutava pelo reconhecimento da independência da Bósnia e Herzegovina.
Não houve negociações com os representantes políticos e militares dos sérvios da Bósnia, como Radovan Karadzic e Ratko Mladic . Em 1996, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) emitiu um mandado de prisão contra Karadzic. Ele e Mladic já haviam sido indiciados em 1995.
3. O que diz o acordo?
O acordo estipulava que Bósnia e Herzegovina permaneceria como um Estado soberano e indivisível dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, com Sarajevo como sua capital.
Esse Estado seria composto por duas entidades: a Federação da Bósnia e Herzegovina (51% do território), com uma maioria de muçulmanos e croatas, e a República Sérvia (RS), predominantemente habitada por sérvios da Bósnia (49% do território). O status da cidade de Brcko, no norte da Bósnia, seria decidido posteriormente.
A Bósnia e Herzegovina seria governada por uma Presidência tripartite – de modo a garantir o equilíbrio étnico.
Haveria um Parlamento bicameral, um Conselho de Ministros, um Tribunal Constitucional e um banco central. As instituições nacionais seriam responsáveis pelas políticas externa e comercial, aduaneira e monetária, imigração, controle de tráfego aéreo e, desde 2005, pelas políticas militar e de defesa.
Todas as demais competências são de responsabilidade das entidades.
4. Qual foi a base do Acordo de Dayton?
O Acordo de Paz de Dayton se baseou no plano do Grupo de Contato da Bósnia, composto por representantes dos EUA, Rússia, Reino Unido, França, Itália e Alemanha. Esse plano reconheceu, na prática, as expulsões e a “limpeza étnica” perpetradas pelos sérvios e lhes concedeu 49% do território da Bósnia e Herzegovina – embora, segundo o censo de 1991, a população sérvia representasse apenas 31%.
5. Por que eclodiu a guerra na Bósnia e Herzegovina?
A Guerra da Bósnia eclodiu em 1992, após a maioria da população do país votar pela independência do país da antiga Iugoslávia em um referendo. Anteriormente, a Eslovênia e a Croácia, que também faziam parte da Iugoslávia, já haviam se separado e declarado seus Estados independentes.
No entanto, apenas os muçulmanos bósnios e os croatas participaram do referendo bósnio. A maioria dos sérvios que viviam na Bósnia, por outro lado, era a favor de permanecer no Estado iugoslavo e boicotou a votação. Posteriormente, diversos políticos sérvios da Bósnia proclamaram a “República Sérvia” (Republika Srpska).
Milícias lideradas por esses políticos começaram a aterrorizar e expulsar a população local não sérvia, ou seja, bósnios e croatas.
Líderes nacionalistas como o presidente sérvio Milosevic, e o da chamada República Sérvia, Radovan Karadzic, alimentaram o ódio e o medo, levando à limpeza étnica, massacres e ao cerco de Sarajevo.
Inicialmente, bósnios muçulmanos e croatas se defenderam unidos contra os ataques sérvios. Mais tarde, porém, a guerra eclodiu também entre eles. A maioria dos muçulmanos e sérvios foi expulsa do território da República Croata da Herceg-Bósnia, proclamada pela liderança croata. A cidade de Mostar, na região da Hezergovina, foi dividida entre croatas e bósnios muçulmanos.
6. Qual o papel da Alemanha no Acordo de Dayton?
A Alemanha integrou do Grupo de Contato, que coordenou os esforços diplomáticos para pôr fim à Guerra da Bósnia. O então chanceler alemão Helmut Kohl forneceu apoio político às negociações e enfatizou a importância do acordo para a estabilidade da Europa.
Por iniciativa dos EUA e com o apoio do governo alemão, Tudjman e Izetbegovic se encontraram em janeiro de 1994 em Petersberg, perto de Bonn. Esse encontro levou ao Acordo de Washington de março de 1994, que pôs fim à guerra entre bósnios muçulmanos e croatas na Bósnia e Herzegovina, aboliu a República Croata da Bósnia-Herzegovina e estabeleceu a Federação da Bósnia e Herzegovina. O político alemão Hans Koschnik foi nomeado administrador da União Europeia em Mostar.
A comunidade internacional também estabeleceu o cargo de Alto Representante (AR), que supervisionaria posteriormente a implementação da parte civil do Acordo de Dayton. Em janeiro de 1996, Berlim enviou o diplomata alemão Michael Steiner a Sarajevo. Ele atuou como o primeiro Alto Representante Adjunto até julho de 1997. Em 2006, o ex-ministro alemão dos Correios e Telecomunicações, Christian Schwarz-Schilling assumiu o cargo por um ano e meio. Desde 1º de agosto de 2021, o cargo é ocupado pelo ex-ministro alemão da Agricultura, Christian Schmidt.
Um instrumento fundamental da Comissão de Direitos Humanos (CDH) são os Poderes de Bonn, adotados em uma conferência na ex-capital da Alemanha em 1997. Esses poderes conferem à CDH o direito de promulgar ou revogar leis e de destituir autoridades eleitas caso estas obstruam o processo de paz.
7. Críticas ao Acordo de Dayton
Críticos apontam que o Acordo de Dayton, com suas duas entidades, criou uma ordem política propensa a conflitos que perpetua tensões étnicas e incentiva aspirações separatistas. Essas críticas ainda apontam que complexa estrutura estatal, com sistemas paralelos, atrasa ou bloqueia os processos de tomada de decisão, dificultando as reformas.
Os direitos nacionais são concedidos apenas aos três grupos étnicos definidos como constitutivos: bósnios, croatas e muçulmanos. Outros grupos étnicos – como roma e judeus – não são considerados e permanecem excluídos dos processos de tomada de decisão.
