29/11/2022 - 8:42
Artigo publicado na revista Nature Ecology & Evolution este mês verificou que o acumulado de focos de calor na Amazônia em agosto e setembro de 2022 foi o maior desde 2010. Além do volume recorde, superior a 74 mil focos, o grupo de pesquisa verificou que sua causa não resultou de seca extrema, como 12 anos atrás, mas de ações humanas recentes de desmatamento.
- Desmatamento na Amazônia explode em outubro, aponta Inpe
- Quase 40% da extração de madeira na Amazônia é ilegal, indica pesquisa
- Cientistas começam expedição a área nunca explorada da Amazônia
“A ideia da publicação surgiu quando analisamos dados fornecidos gratuitamente pelo Programa Queimadas do Inpe”, conta Guilherme Mataveli, pesquisador de pós-doutorado na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e bolsista da Fapesp.
Geralmente a ocorrência do fogo aumenta tipicamente nesses dois meses, que correspondem ao período em que as condições meteorológicas são mais favoráveis para a queima em cerca de metade da Amazônia. “Mas a grande incidência de queimadas em 2010 foi explicada por um evento de seca extrema que ocorreu em grande parte da Amazônia. Já em 2022 não houve nada semelhante, ou seja, o aumento nos focos de calor estava claramente relacionado com outros fatores”, explica Mataveli, que estuda – utilizando sensoriamento remoto e modelagem – a influência do uso e da cobertura da terra nas emissões de material particulado fino por queimadas nos biomas Amazônia e Cerrado.
Fogo em terras públicas
Quando o grupo de cientistas analisou onde os focos de calor ocorreram, baseado em outro dado fornecido gratuitamente no portal TerraBrasilis do Inpe, observou que a maioria (62%) havia ocorrido em áreas de desmatamento recente. Além disso, comparando ao mesmo bimestre de 2021, a ocorrência de focos de calor em áreas de desmatamento recente nos meses de agosto e setembro disparou 71%; e os alertas de desmatamento emitidos pelo Sistema Deter do Inpe corroboraram a análise, indicando que a área desmatada foi 64% maior.
“Outra análise que apresentou resultado preocupante foi a localização desses focos de calor em relação à classe fundiária, ou seja, se ocorreram em terras públicas, minifúndios ou propriedades privadas de pequeno a grande porte”, diz Mataveli. A informação também consta no portal TerraBrasilis do Inpe e é baseada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento essencialmente autodeclaratório por meio do qual o proprietário de um imóvel rural submete informações sobre as características ambientais do seu imóvel ao órgão responsável. Dos focos de calor detectados em agosto e setembro de 2022, 35% ocorreram em terras públicas em que o CAR não é requerido, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Houve alta de 69% dos focos de calor nessas áreas sem o CAR ante o mesmo bimestre de 2021. “Nos últimos anos, a Amazônia se tornou mais vulnerável à grilagem e esse aumento expressivo das queimadas é um dos resultados do processo”, afirma o pesquisador.
Metas climáticas
O avanço de fogo, desmatamento, degradação florestal, mineração ilegal e grilagem na Amazônia contraria as metas estabelecidas internacionalmente pelo Brasil para combater o aquecimento global, como zerar o desmatamento ilegal até 2028 e diminuir até 2030 em 50%, quando comparadas aos níveis de 2005, as emissões de gases do efeito estufa.
Além dos seus impactos negativos sobre a biodiversidade e a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais para a vida humana, como a regulação climática, o desmatamento sem controle e atividades associadas, colocam em risco a economia brasileira. Mercados compradores de commodities, como a União Europeia, estão no processo de aprovar novas regulamentações que impedem a compra de bens produzidos em áreas desmatadas ou degradadas.
“Este artigo aponta um problema sistêmico que deve ser seriamente enfrentado pela sociedade. A reversão desse quadro passa pela punição de infratores, implementação de políticas públicas eficientes, comunicação com a sociedade e busca por soluções alternativas, baseadas em ciência de ponta, que sejam sustentáveis para o desenvolvimento da região”, alerta Luiz Aragão, coautor do artigo.
Tarefa desafiadora
“Identificar e responsabilizar aqueles que estão destruindo ilicitamente a maior floresta tropical do mundo é uma das tarefas desafiadoras na agenda ambiental a serem enfrentadas pelo governo federal que se inicia em 2023”, diz o cientista, que assina o artigo ao lado de Luciana Vanni Gatti e Nathália Carvalho (do Inpe), Liana Oighenstein Anderson (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Gabriel de Oliveira (Universidade do Sul do Alabama), Celso H. L. Silva-Junior (Universidade da Califórnia, Instituto de Tecnologia da Califórnia e Universidade Federal do Maranhão) e Scott C. Stark (Universidade Estadual de Michigan).
Aragão, Anderson e Gatti também são apoiados financeiramente em suas pesquisas pela Fapesp.
O artigo Record-breaking fires in the Brazilian Amazon associated with uncontrolled deforestation pode ser encontrado em: www.nature.com/articles/s41559-022-01945-2. Também está disponível em: https://rdcu.be/cZT77.