07/04/2025 - 13:49
Série de Netflix fomenta debate sobre os riscos do mundo digital à saúde mental dos adolescentes. Mas será que restringir acesso ao celular basta para garantir o bem-estar deles?A série Adolescência, da Netflix, que retrata as consequências da radicalização online de meninos por influenciadores misóginos como Andrew Tate, chamou a atenção para o que há muito já se suspeitava: passar tempo demais na internet pode fazer mal às mentes dos mais jovens.
A série está impactando até mesmo decisões governamentais. Após o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, dizer que assistiu a ela, o governo do Reino Unido quer agora buscar soluções para o “problema emergente e crescente” representado pela radicalização online de meninos.
O temor de que os adolescentes estejam sendo corrompidos por coisas fora do controle dos pais sempre existiu: nos tempos antigos, era Sócrates; na década de 1960, foram os Rolling Stones. A diferença em comparação aos dias atuais é que o pânico moral sobre o uso de smartphones é apoiado por evidências.
O poder destrutivo da internet
A ciência agora mostra que o uso excessivo de telas está, pelo menos em parte, por trás do aumento de problemas de saúde física e mental em adolescentes.
A preocupação dos especialistas em saúde é de que isso esteja reprogramando os cérebros dos adolescentes. Alguns estudos inclusive associam o tempo excessivo de tela à redução da capacidade de atenção e à interrupção dos padrões de sono em adultos e adolescentes.
Os dados variam ao redor do mundo, mas mais da metade dos adolescentes dos EUA passam atualmente uma média de sete horas por dia em frente a telas. As estatísticas não são muito diferentes na Europa e na América Latina.
“Vemos mais pacientes jovens lutando contra ansiedade e problemas de autoestima ligados ao uso excessivo de internet. Muitos pais não percebem o quanto a saúde mental de seus filhos está sendo moldada pelo mundo digital”, diz Stephen Buchwald, terapeuta de saúde mental no Manhattan Mental Health, em Nova York, EUA.
Entre 2016 e 2023, problemas de saúde mental aumentaram 35% entre adolescentes americanos. Atualmente, mais de 20% dos jovens nos EUA têm um diagnóstico de alguma condição mental ou comportamental, como ansiedade, depressão ou problemas de conduta comportamental.
Exposição a ideologias extremas
Alguns argumentam que o importante não é tanto quanto tempo os adolescentes passam online, mas sim o conteúdo que eles consomem.
Os adolescentes estão cada vez mais expostos a teorias da conspiração e desinformação, ou à masculinidade tóxica e ideologias extremas. E são elementos como esses que estão moldando as ideias dos meninos e aumentando as taxas de violência de gênero.
Aplicativos de smartphones e plataformas de mídia social exploram o instinto de socialização e o elevam a níveis viciantes. Vício em pornografia, jogos e redes sociais – todos têm aumentado entre adolescentes.
Por trás dos números está a própria natureza da internet, que é movida a algoritmos: quando alguém interage com determinado conteúdo, ele é repetidamente exposto a material semelhante. Isso pode levar ao “efeito Red Pill”, onde adolescentes absorvem, sem saber, narrativas nocivas e antifeministas que apoiam a supremacia masculina.
“Muitas crianças não procuram conteúdo perigoso, mas são atraídas por algoritmos. Um simples vídeo sobre condicionamento físico pode levar a uma cultura de dieta extrema; um clipe sobre autoaperfeiçoamento pode se transformar em uma retórica de masculinidade tóxica. Os pais precisam estar cientes do que seus filhos estão assistindo”, diz Buchwald.
Outros hábitos da vida moderna também têm prejudicado a saúde
O uso de smartphones não é a única razão pela qual os problemas de saúde física e mental estão em alta.
Um estudo descobriu que quase metade dos adolescentes australianos vive com uma doença crônica ou de desenvolvimento, como TDAH ou autismo.
“Nós [também] sabemos que condições atópicas como asma, eczema, alergias alimentares e rinite alérgica têm prevalência particularmente alta em [outros] países ocidentalizados”, afirma a principal autora do estudo, Bridie Osman, especialista em nutrição da Universidade de Sydney, Austrália.
Os pesquisadores descobriram que o tempo de tela estava significativamente associado à apresentação de pelo menos um desses problemas, mas os comportamentos do “mundo real” tiveram mais impacto na saúde dos adolescentes.
“Aqueles que consumiam mais alimentos ultraprocessados, álcool e tabaco tinham pior saúde mental. [Isso foi] associado a todas as dez doenças e condições medidas”, aponta Osman.
As evidências são claras de que estilos de vida sedentários, muitas vezes associados a altos níveis de tempo em frente às telas e às chamadas “dietas ocidentais”, são ruins para a saúde das pessoas.
O que pode ser feito para melhorar a saúde dos adolescentes?
Alguns países têm implementado leis para coibir o uso de smartphones.
No Brasil, por exemplo, o presidente Lula assinou um projeto de lei em janeiro limitando o acesso a smartphones nas escolas, seguindo ações semelhantes de governos na China, França e Itália.
Já na Austrália, foram implementadas proibições de mídia social para crianças menores de 16 anos, enquanto apelos por uma legislação semelhante também são observados em outros países, como a Alemanha.
Mas especialistas alertam que isso não deve chegar à raiz do problema. Em vez disso, os adultos precisam ajudar a construir as defesas dos jovens contra os perigos do mundo virtual.
Para Osman, é essencial que os adultos consultem e envolvam os adolescentes ao discutir tais questões, em vez de simplesmente decidir o que é melhor para eles. Para isso, é fundamental que haja um bom relacionamento e uma boa comunicação entre pais e filhos.
Ao se manterem informados e engajados, pais podem ajudar seus filhos a desenvolver um equilíbrio saudável entre a vida online e offline.
Buchwald acrescenta que há maneiras práticas de os pais trabalharem com os adolescentes a fim de criar esse equilíbrio saudável:
• Defina limites claros de quando as telas podem ser usadas.
• Incentive hobbies alternativos que não envolvam telas, como leitura, esportes ou artes.
• Em vez de proibir certos aplicativos, tenha discussões abertas sobre o conteúdo que seus filhos consomem.
• Use ferramentas de controle parental que limitem o tempo de tela e criem filtros de conteúdo, e combine isso com educação sobre alfabetização digital.
Os adultos também devem conhecer seus próprios hábitos de tela e dar o exemplo para seus filhos.
“O objetivo não é eliminar as telas completamente, mas criar um relacionamento mais saudável com a tecnologia. Pais que se envolvem em conversas, estabelecem limites e educam seus filhos sobre alfabetização midiática os ajudarão a navegar no mundo digital com segurança”, avalia Buchwald.
Além de regular o tempo de tela, especialistas em saúde pedem ainda programas educacionais sobre a importância da prática de exercícios e de uma dieta saudável e nutritiva.