Imitando bilhetes aéreos, panfletos pregando a deportação de imigrantes e ostentando logo do partido de ultradireita alemão foram jogados em caixas de correio de imigrantes em Karlsruhe. Polícia investiga caso.No mesmo final de semana em que o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) lançou oficialmente sua campanha sob a promessa de promover a “remigração” – eufemismo para a deportação de estrangeiros e seus descendentes –, alguns moradores de uma cidade alemã se depararam em suas caixas de correio com “bilhetes aéreos” para deportá-los.

Os panfletos, que trazem a logo da AfD, imitam o design de passagens de avião e trazem as inscrições “bilhete de deportação”, “só a remigração ainda pode salvar a Alemanha” e “hora de deportar os ilegais!”. No campo onde apareceria o nome do passageiro, está o “imigrante ilegal”, e a data do voo seria 23 de fevereiro – a mesma das eleições antecipadas.

Ainda não está claro se imigrantes foram alvos propositais da panfletagem, ou se os “bilhetes” foram parar em caixas de correio aleatórias na cidade.

O caso foi reportado em Karlsruhe, cidade no estado de Baden-Württemberg. A polícia disse que apura o caso por suspeita de incitação ao ódio étnico.

O prefeito de Karlsruhe, o social-democrata Frank Mentrup, disse à SWR que a ação passou dos limites e põe em risco a coesão social.

O material publicitário estava disponível na página do diretório regional da AfD em Karlsruhe e teria circulado entre filiados durante a convenção partidária realizada neste fim de semana em Riesa, no estado da Saxônia, segundo a emissora alemã SWR.

Liderança estadual diz apoiar “ações criativas”

A ação da AfD lembra uma campanha feita em 2011 pelo partido neonazista NPD em Berlim, que enviou flyers imitando bilhetes aéreos (imagem abaixo em vermelho) junto com uma carta em que afirmava que a “estrangeirização” era o principal problema da Alemanha. Oficialmente, a AfD se distancia da sigla extremista.

À SWR, um vereador da AfD destacou que o verso do panfleto trazia, na sua opinião, reivindicações políticas legítimas: acolhida humanitária só para quem de fato tiver motivo para fugir de seu país, deportação de todos aqueles cujos pedidos de asilo foram rejeitados, fim da imigração ilegal e da islamização da Alemanha, Bürgergeld (a versão alemã do Bolsa Família) apenas para cidadãos alemães e, por fim, a ressalva de que cidadãos nacionais “não serão deportados”.

A panfletagem também foi confirmada pelo deputado federal Marc Bernhard ao jornal Badischen Neuesten Nachrichten. Segundo ele, 30 mil flyers foram impressos e distribuídos em locais de campanha e nas caixas de correio.

Na Alemanha, parte importante da vida dos cidadãos é resolvida por meio de correspondência trocada com serviços públicos e prestadores de serviço – daí a importância da caixa de correio, que exibe o sobrenome do morador.

Bernhard, porém, nega que a panfletagem tenha focado em pessoas com sobrenomes estrangeiros.

Ao portal alemão t-online, ele frisou que o verso do panfleto deixa claro que as reivindicações políticas são absolutamente legais, não têm como alvo imigrantes que adquiriram a cidadania alemã e seus descendentes, e pedem apenas o cumprimento do que já prevê a lei.

Segundo o t-online, apoiadores da AfD teriam espalhado apenas a frente do panfleto na internet.

À SWR, o co-líder do diretório estadual do partido em Baden-Württemberg, Markus Frohnmaier, disse apoiar “as ações criativas” de seus militantes, e afirmou que, com a queda do ditador Bashar al-Assad, está na hora dos quase um milhão de sírios que vivem na Alemanha voltarem ao país.

“Remigração” na plataforma de campanha da AfD

No início de 2024, a notícia de que políticos da AfD haviam participado de um encontro com neonazistas para discutir a deportação em massa de milhões de imigrantes e “cidadãos não assimilados” – independente de situação legal ou de possuírem cidadania alemã – escandalizou a Alemanha, gerando protestos massivos nas ruas e levando a AfD a desligar um assessor e se distanciar do termo “remigração”.

Agora, a palavra parece ter sido reabilitada como mote de campanha da própria Alice Weidel, líder da sigla e candidata a chanceler federal da AfD, que no domingo (12/01) defendeu a “remigração” de ilegais e o fechamento das fronteiras. “Se é pra chamar isso de remigração, então que seja remigração.”

A AfD aparece atualmente com 20% em segundo lugar nas intenções de voto nas eleições ao Parlamento, atrás apenas do bloco conservador formado por União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU), que tem 31%.

É improvável, porém, que o partido integre qualquer coalizão de governo, dada a aversão dos partidos tradicionais alemães à AfD em razão da experiência traumática do país com o nazismo.

Por outro lado, recentemente o candidato a chanceler do bloco CDU/CSU, Friederich Merz, surpreendeu juristas com a insólita proposta de cancelar a cidadania alemã de pessoas com dupla nacionalidade que cometam crimes.

Desde o fim do nazismo, o ordenamento jurídico alemão prevê a perda da cidadania alemã apenas em casos excepcionais, como para terroristas que atuam no exterior.

ra/bl (ots)