Partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) está de volta aos tribunais para tentar suspender a vigilância de serviços de inteligência que investigam a legenda por suspeita de extremismo.Há anos, um embate entre o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) – serviço de inteligência nacional da Alemanha – têm se enfrentado regularmente nos tribunais. Em disputa está a prerrogativa de o BfV poder investigar legalmente o partido por suspeita de atividades anticonstitucionais – ou seja, por extremismo político.

O próximo confronto está marcado para esta semana no Tribunal Administrativo Superior (OVG) em Münster.

No momento, a AfD está contestando uma decisão de 2021 que colocou a legenda sob investigação por suspeita de extremismo de direita. Essa designação veio depois que o BfV, que anteriormente se limitava a considerar a AfD um “caso de interesse”, apontou que o partido havia se radicalizado cada vez mais. O rótulo anterior significava que somente informações disponíveis publicamente poderiam ser avaliadas para determinar uma possível ameaça da AfD à democracia alemã.

Naquela época, o serviço de inteligência nacional tinha que se limitar a agir como um cidadão comum interessado nas atividades da AfD: ler artigos em jornais e portais online, assistir a reportagens de TV e vídeos na Internet e ouvir os discursos dos membros da AfD no Parlamento e em congressos do partido. Mas só isso foi suficiente para o BfV reclassificar o AfD como um “caso suspeito”.

Essa classificação mais rígida permite que as autoridades usem métodos confidenciais para monitorar o partido e seus membros. Com ela, por exemplo, é possível tentar recrutar membros da AfD e indivíduos associados a ela como informantes confidenciais ou “pessoas de confiança”. Em algumas circunstâncias, as telecomunicações também podem ser monitoradas.

É essa vigilância que a AfD está tentando derrubar no Tribunal Administrativo Superior. Se a AfD for bem-sucedida, restarão poucas opções por enquanto para o BfV.

No entanto, caso o tribunal mantenha o monitoramento, o BfV pode tomar a decisão de ir mais longe, seguindo o exemplo de serviços de inteligência regionais dos estados da Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt, que classificam os diretórios locais da AfD como “comprovadamente extremistas de direita”.

Membros ou diretórios classificados como “extremistas de direita comprovados” podem esperar ser alvo de monitoramento ainda mais severo dos serviços de inteligência.

Em janeiro, a revelação de um encontro entre membros da AfDe neonazistas em Potsdam, no qual foram discutidos para uma deportação em massa de milhões de pessoas com raízes estrangeiras causou escândalo na Alemanha e aumentou a pressão por mais vigilância sobre o partido.

Um banimento da AfD?

Se a AfD perder seu recurso legal, o partido também pode esperar um esforço oficial pelo seu banimento.

O BfV já estabeleceu requisitos específicos para tal medida, segundo os quais deve haver “evidências factuais” que demonstrem que um partido pretende atacar e acabar com a ordem constitucional livre e democrática da Alemanha. Na história alemã do pós-guerra, apenas dois partidos políticos foram banidos pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: O Partido Socialista do Reich (SRP) –de extrema direita –, em 1952, e o Partido Comunista da Alemanha (KPD), em 1956 – ambos no antigo território da Alemanha Ocidental.

“Nesse momento, um processo para banir o partido ainda teria que identificar um elemento que seja ativamente militante, em outras palavras, que aja de acordo com um plano”, disse o presidente do BfV do estado da Turíngia, Stephan Kramer, em um evento na semana passada. “Para que isso aconteça, não é necessário que nenhum crime tenha sido cometido”.

Fim do fundo partidário para a AfD?

Legalmente, cabe ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidir se um partido pode ser banido. Uma solicitação de proibição pode ser apresentada pelo governo federal, pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) ou pelo Bundesrat (Câmara alta, que representa os 16 estados do país).

Na cidade-estado de Bremen, os diretórios da atual coalizão governamental local – o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o partido A Esquerda – estão se preparando para fazer exatamente isso.

No entanto, a maioria dos alemães permanece cética: em fevereiro de 2024, 51% afirmavam ser contra um banimento da AfD, de acordo com uma pesquisa do instituto Infratest-Dimap.

Outra maneira de enfraquecer o partido seria desqualificá-lo para acessar o fundo partidário. Essa é a principal fonte de renda da maioria dos partidos, além das taxas de filiação e doações. Em janeiro, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tomou uma medida similar contra o partido de extrema-direita A Pátria – novo nome adotado pela antiga sigla neonazista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) –, uma legenda bem menor que a AfD, mas que é vigiada há décadas pelos serviços de inteligência.

Se isso será possível contra a AfD, no entanto, permanece uma questão sobre a qual os especialistas mostram opiniões divergentes. O mesmo ocorre com a chance de um banimento total bem-sucedido.

Histórico da AfD

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração e membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.

O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No momento, a AfD tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas nacionais, com entre 17% e 19% das intenções de voto. Éespecialmente forte nos estados do leste, que compunham a antiga Alemanha Oriental comunista. Nos últimos dois anos, políticos da sigla que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia, anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia.