Conhecido por sua rica biodiversidade, o Mar Piccolo, uma lagoa de água salgada na cidade costeira de Taranto, no sul da Itália, chamada por biólogos marinhos de “ecomuseu vivo”, está sofrendo uma dura agressão orquestrada por um comércio ilegal de animais silvestres ligado à China, informa o jornal inglês “The Guardian”. Espécies nativas, que incluem cavalos-marinhos-de-focinho-comprido, mexilhões premiados, algas raras, peixes-cachimbo e tartarugas-marinhas entre suas espécies nativas, são caçadas nessa área e em toda a costa da região da Apúlia com o uso de redes de arrasto, armadilhas de gaiola e até bombas caseiras.

A população de cavalos-marinhos da área, antes uma das maiores concentrações da Europa, entrou em colapso entre 2016 e 2017. A única explicação, diz Michele Gristina – que trabalha no Instituto de Meio Ambiente Marinho da Itália e estuda os cavalos-marinhos de Taranto há quase 20 anos – é a caça clandestina.

“Tentamos explicar [o declínio] por razões ambientais, como disseminação da poluição, temperatura da água ou esgotamento de oxigênio, mas não foi o motivo”, explica Gristina. “As pessoas viram que existem muitos cavalos-marinhos e esse dinheiro pode ser ganho e começaram a caçá-los. Na minha opinião, os cavalos-marinhos ao longo da costa da Itália estão seriamente ameaçados.”

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Em novembro, a guarda costeira apreendeu 228 baldes plásticos de pepinos-do-mar (peso total: quatro toneladas) escondidos em cargas prontas para envio para a Grécia a partir de Brindisi, um dos maiores portos da região. “Isso fazia parte de uma atividade maior”, afirmou ao “Guardian” Giorgio Castronuovo, comandante da guarda costeira de Taranto, que lidera uma investigação criminal sobre o tráfico de vida selvagem. No mesmo mês, cinco pessoas que se disseram “especializadas no uso de dispositivos explosivos” foram presas pela guarda costeira de Taranto, em uma operação que descobriu vários quilos de material explosivo como TNT no cais de atracação da cidade.

Demanda externa

Essas foram apenas duas em uma série de descobertas, apesar da proibição do comércio de pepinos-do-mar introduzida em fevereiro de 2018 pelo Ministério da Agricultura, associada a políticas de alimentos e silvicultura que reconheciam o papel “inestimável” das espécies na decomposição de bactérias no sistema biomarinho.

“O que podemos dizer é que o mercado italiano não tem demanda por essas espécies, portanto deve ser internacional”, observou Castronuovo. “Até alguns anos atrás, não havia interesse. Quando a demanda começou no exterior, a pesca começou.”

Para muitos chineses, os cavalos-marinhos são um poderoso afrodisíaco. Esses animais são usados na medicina tradicional, como ingredientes de um licor precioso, ou simplesmente como ornamentos. Pepinos-do-mar são consumidos como alimento ou usados para remédios e cosméticos.

Segundo Luciano Manna, ativista de Taranto que monitora essas atividades ilegais na região há cinco anos e atua por meio do site de investigação italiano Veraleaks, há evidências de que, além das transações de tráfico formalizadas, as espécies são vendidas no site de mídia social chinês WeChat, no qual os produtos são anunciados como originários da “Itália, Mediterrâneo”. Eles também são vendidos por vendedores terceirizados, que afirmam oferecer “captura selvagem” por meio da varejista online Amazon.

Caminho via Grécia

As empresas se defenderam. A Tencent, proprietária do WeChat, disse em comunicado: “Estamos vigilantes contra partes inescrupulosas que fazem uso não autorizado de nossas plataformas e serviços para realizar atividades ilegais. Incentivamos os usuários a denunciar atividades ilegais e inadequadas.” Um porta-voz da Amazon afirmou: “Todos os vendedores devem seguir nossas diretrizes de vendas, e aqueles que não o fizerem estarão sujeitos a ações, incluindo a possível remoção de sua conta. O produto em questão não está mais disponível.”

Segundo as autoridades, os pescadores locais têm laços estreitos com os traficantes chineses que transportam espécies de cavalos-marinhos e pepinos-do-mar em grande número, por via aérea ou marítima, passando frequentemente pela Grécia a caminho do sudeste da Ásia. A prática, dizem eles, está acontecendo em vilas e cidades de pescadores ao longo da costa da Apúlia.

Os pescadores locais recebem cerca de 0,80 euro por quilo de pepino-do-mar. Para os intermediários que limpam, preparam e armazenam as criaturas, o valor aumenta para € 7 o quilo. Quando chegam ao mercado chinês, os preços sobem para US$ 200 a US$ 600 por quilo. Os cavalos-marinhos podem valer US$ 700 o quilo na Ásia no fim da cadeia, de acordo com a guarda costeira.

Os ativistas que denunciam a situação dizem que receberam ameaças de grupos criminosos e estão preocupados com os esforços limitados das autoridades para impedir o comércio. “Recebi avisos contra minha vida pelo trabalho que realizo”, afirmou Manna. “Os pescadores descarregam onde querem, o pescado não é controlado, mas pesado e vendido no mercado negro.”

Providências

Os governantes locais declaram estar fazendo o possível para resolver o problema. “A administração municipal colocará à disposição da autoridade competente todas as informações de seu sistema atual de vigilância por vídeo ao longo da área afetada e está começando a fortalecer essa rede de pesquisa, ao mesmo tempo que prepara serviços complementares de controle da polícia local”, disse Rinaldo Melucci, prefeito de Taranto.

De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), há cerca de 40 espécies de cavalos-marinhos no mundo, e mais de um quarto é considerado vulnerável ou em perigo. Outras 17 espécies, incluindo as encontradas no Mar Piccolo (o Hippocampus guttulatus e o Hippocampus hippocampus), não podem ser classificadas de maneira confiável em termos de risco em nível global e, portanto, são listadas como “com falta de dados”.

Estima-se que 37 milhões de cavalos-marinhos são capturados a cada ano. Segundo a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens, eles estão ameaçados devido ao “comércio de pesca excessiva e insustentável”.