Água que simplesmente não congela, não importa o quão fria fique: um grupo de pesquisa internacional descobriu um estado quântico que pode ser descrito dessa maneira. A equipe apresentou suas descobertas em artigo publicado na revista Nature Physics.

Especialistas do Instituto de Física do Estado Sólido da Universidade de Tóquio (Japão), do Instituto Max Planck de Física de Sistemas Complexos (MPI-PKS), em Dresden (Alemanha), e da Universidade Johns Hopkins (EUA), entre outras instituições, conseguiram resfriar um material a uma temperatura próxima do zero absoluto. Eles descobriram que uma propriedade central dos átomos – seu alinhamento – não “congelava”, como de costume, mas permanecia em um estado “líquido”. O novo material quântico pode servir como um sistema modelo para desenvolver novos sensores quânticos altamente sensíveis.

À primeira vista, os materiais quânticos não parecem diferentes das substâncias normais, mas com certeza têm suas características próprias: por dentro, os elétrons interagem com intensidade incomum, tanto entre si quanto com os átomos da rede cristalina. Essa interação íntima resulta em poderosos efeitos quânticos que atuam não apenas na escala microscópica, mas também na escala macroscópica.

Propriedades notáveis

Graças a esses efeitos, os materiais quânticos exibem propriedades notáveis. Por exemplo, eles podem conduzir eletricidade completamente sem perdas em baixas temperaturas. Frequentemente, mesmo pequenas mudanças na temperatura, pressão ou tensão elétrica são suficientes para alterar drasticamente o comportamento do material.

Em princípio, os ímãs também podem ser considerados materiais quânticos; afinal, o magnetismo é baseado no spin (movimento) intrínseco dos elétrons no material. “De certa forma, esses spins podem se comportar como um líquido”, explicou o professor Jochen Wosnitza, do Laboratório de Alto Campo Magnético de Dresden no Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf (HZDR, na Alemanha), coautor do estudo. “À medida que as temperaturas caem, essas rotações desordenadas podem congelar, assim como a água congela em gelo.”

Por exemplo, certos tipos de ímãs, os chamados ferromagnetos, não são magnéticos acima de seu “congelamento” ou, mais precisamente, do ponto de ordenação. Somente quando caem abaixo dela eles podem se tornar ímãs permanentes.

Material de alta pureza

A equipe internacional pretendia criar um estado quântico em que o alinhamento atômico associado aos spins não fosse ordenado, mesmo em temperaturas ultrafrias – semelhante a um líquido que não se solidifica, mesmo em frio extremo. Para atingir esse estado, o grupo de pesquisa usou um material especial – um composto dos elementos praseodímio, zircônio e oxigênio. Eles assumiram que, nesse material, as propriedades da rede cristalina permitiriam que os spins dos elétrons interagissem com seus orbitais ao redor dos átomos de uma maneira especial.

“O pré-requisito, no entanto, era ter cristais de extrema pureza e qualidade”, explica o professor Satoru Nakatsuji, da Universidade de Tóquio, autor correspondente do artigo. Foram necessárias várias tentativas, mas finalmente a equipe conseguiu produzir cristais puros o suficiente para o experimento: em um criostato, uma espécie de supergarrafa térmica, os especialistas resfriaram gradualmente a amostra até 20 milikelvin – apenas um quinquagésimo de grau acima do zero absoluto.

Para verem como a amostra respondeu a esse processo de resfriamento e dentro do campo magnético, eles mediram o quanto ela mudou de comprimento. Em outra experiência, o grupo registrou como o cristal reagiu às ondas de ultrassom enviadas diretamente através dele.

Interação íntima

O resultado: “Se os movimentos fossem ordenados, deveriam ter causado uma mudança abrupta no comportamento do cristal, como uma mudança repentina no comprimento”, descreveu o dr. Sergei Zherlitsyn, especialista do Laboratório de Alto Campo Magnético de Dresden em investigações de ultrassom. “No entanto, como observamos, nada aconteceu! Não houve mudanças repentinas no comprimento ou em sua resposta às ondas de ultrassom.”

A conclusão: a interação pronunciada de spins e orbitais impediu a ordenação, e é por isso que os átomos permaneceram em seu estado quântico líquido – a primeira vez que esse estado quântico foi observado. Outras investigações em campos magnéticos confirmaram essa suposição.

Esse resultado básico da pesquisa também pode ter implicações práticas um dia. “Em algum momento, poderemos usar o novo estado quântico para desenvolver sensores quânticos altamente sensíveis”, especulou Jochen Wosnitza. “Para fazer isso, no entanto, ainda temos que descobrir como gerar excitações nesse estado sistematicamente.”

A detecção quântica é considerada uma tecnologia promissora do futuro. Como sua natureza quântica os torna extremamente sensíveis a estímulos externos, os sensores quânticos podem registrar campos magnéticos ou temperaturas com precisão muito maior do que os sensores convencionais.