07/06/2022 - 19:16
As festas juninas estão profundamente gravadas no imaginário de todos os brasileiros. Quem, numa noite de junho, não pulou fogueira, comeu canjica ou bebeu quentão? Quem não dançou quadrilha, soltou rojão e, sobretudo no Nordeste, não subiu num pau-de-sebo? Essas festas são as mais alegres e populares celebrações de fundo religioso do nosso país, sobretudo em cidades do interior e zonas rurais.
Organizadas ao redor de três santos benfazejos – Santo Antônio, São João, São Pedro –, as festas juninas constituem um período único no qual ruas, clubes, igrejas, praças e escolas são enfeitadas com bandeirolas multicoloridas e mastros com retratos dos santos colocados no alto. No Nordeste, junho é um mês vivido ao som de canções sertanejas, baião, xaxado e forró. Duas cidades não medem esforços para promover o melhor São João do mundo: a pernambucana Caruaru e a paraibana Campina Grande.
É ao Sudeste, porém, que estão mais ligadas as origens das nossas festas juninas. Aquele personagem de chapéu de palha, dente cariado, calça remendada e camisa xadrez é um típico caipira paulista ou mineiro. As comidas características também são da região: pé-de-moleque (rapadura com amendoim), canjica, curau e pamonha (tipos de pudim de milho), pipoca e batata-doce assada. E também há o quentão (infusão de cachaça ou vinho com gengibre, limão, cravo e canela).
Trazidas ao Brasil por jesuítas e portugueses, as festas juninas rapidamente foram adotadas pelos índios, cuja influência na culinária tradicional dessas ocasiões é nítida. A canjica de milho verde, por exemplo, deriva da papa de água e milho. Amendoim cozido, cana-mirim, batata-doce, inhame, jenipapo, aipim têm a mesma origem. Com o tempo, ingredientes das culturas africana e europeia enriqueceram os pratos de base indígena: açúcar, leite de coco, erva-doce, cravo e canela, sal.
Santos abrasileirados
A cada um dos santos patronos das festas juninas são atribuídas virtudes e capacidades bem específicas. Para os católicos, Santo Antônio, comemorado a 13 de junho, ajuda na recuperação de objetos perdidos. No Brasil, porém, esse doutor da Igreja – que nasceu de família nobre em Lisboa, em 1195, fez-se monge franciscano e morreu em Pádua (Itália), em 1231 – virou santo casamenteiro de poder quase infalível. “Talvez porque encontrar noivo é também um milagre que exige paciência de santo”, brincou o folclorista Câmara Cascudo.
No dia consagrado a ele, mais de uma moça faz promessa para o santo lhe arrumar noivo. Muitas submetem sua imagem a vários suplícios, à espera de uma resposta mais rápida e efetiva. Algumas moças do interior, segundo Câmara Cascudo, “chegam até mesmo a tirar o Menino Jesus dos braços de Santo Antônio para restituí-lo somente depois de realizado o milagre; viram o santo de cabeça para baixo, tiram-lhe o resplendor e colocam sobre a tonsura uma moeda pregada com cera; e, por fim, quando tarda a graça, cansadas já de tanto esperar, atam o santo com uma corda e deitam-no dentro de um poço”.
Chamado de “Santo de Todo o Mundo” em 1895 pelo papa Leão XIII, por sua sabedoria, bondade e tolerância, Santo Antônio parece não se importar com tais afrontas. Se pudesse, talvez pedisse a essas moças mais prudência. E as lembraria daquele sábio provérbio: “Cuidado com o que pedes, pois teu desejo pode ser atendido”…
Comemorado a 24 de junho, São João Batista ganhou fama de ser severo e muito sério. Filho de Zacarias e Isabel, foi viver no deserto tão logo saiu da adolescência, praticando a oração e o jejum. No ano 29, foi pregar nas margens do Rio Jordão e ali batizou Jesus, apontando-o como “Cordeiro de Deus”, o Messias. João Batista foi decapitado no ano 31, a pedido de Salomé, esposa do tetrarca da Galileia, Herodes Antipas.
No Brasil, o suplício do santo é esquecido. João Batista torna-se um rapaz bonito e sadio, cabelos encaracolados, vestido com pele de carneiro, segurando numa mão um cajado e levando nos braços um carneirinho. A festa dedicada a São Pedro ocorre em 29 de junho. Como o santo é considerado protetor das viúvas, até hoje pode-se ver, nessa noite, em frente às casas dessas senhoras no interior do país, uma fogueira dedicada a ele. Portador simbólico das chaves da Igreja Católica, São Pedro é também denominado “Porteiro do Céu”.
Origem pagã
As festas juninas são herança, assimilada pela Igreja Católica, de festividades pré-cristãs ligadas a cultos da fertilidade. No hemisfério norte, junho marca a chegada do verão, da abundância e da alegria. Nessa época, os pagãos europeus comemoravam o solstício de verão (o dia mais longo e a noite mais curta do ano, o que ocorre no hemisfério norte por volta de 21 de junho) com rituais ligados às colheitas, dos quais faziam parte sacrifícios aos deuses da terra e da fertilidade. Essa tradição já existia nas culturas egípcia e grega, que a passaram aos romanos.
O dia 24 de junho assinalava também uma das festas mais importantes dos celtas. Acreditava-se que, nesse momento, abriam-se as portas entre o reino da terra e o dos céus. Com isso, as almas dos mortos podiam visitar os velhos lares para se aquecer junto às fogueiras e se reconfortar com as homenagens que lhes eram prestadas. Assim, quando o celta dançava ao redor da fogueira, comia, bebia e cantava, não o fazia apenas para si, mas também para todas as almas amigas que, acreditava, estavam à sua volta. Derivam da crença na presença de espíritos amigos as várias artes divinatórias criadas para tais ocasiões.
Embora considerasse essas festas pagãs, a primitiva Igreja cristã não conseguiu acabar com elas. O jeito foi trazer essas celebrações para o calendário cristão e revesti-las com um significado litúrgico. Estabeleceram-se, assim, em 24 de junho o aniversário de João Batista, e em 25 de dezembro (época do equinócio de inverno no hemisfério norte) o nascimento de Jesus. Declarou-se então que as fogueiras e a alegria geral aconteciam em regozijo pelo aniversário do santo que batizara Jesus.
Com a conversão de Roma ao cristianismo, a tradição de comemorar o solstício de verão foi preservada e incorporada às comemorações do aniversário de São João Batista. Ele passou a ser festejado com mesa farta, danças, música e bebidas. As fogueiras (antes acesas apenas pelos camponeses, que viam no fogo um elemento mágico para espantar pestes e pragas da lavoura, assim como a água é vista como símbolo da fartura e da purificação) foram um costume trazido pelos portugueses.
“Na Europa, os cultos à fertilidade em junho foram reproduzidos até por volta do século 10”, afirma a antropóloga Lucia Helena Rangel, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Como a Igreja não conseguia combatê-los, decidiu cristianizá-los, instituindo dias de homenagens aos três santos no mesmo mês.” No Brasil, país do hemisfério sul, as datas europeias dessas festas foram preservadas, embora caiam aqui no mês do início do inverno. Mas nem o mais rigoroso acadêmico se preocuparia com isso: a época é de festejar.
Significados ocultos
Mastro – Diz a lenda que Santa Isabel mandou erguer um mastro e acender uma fogueira para informar o nascimento de São João Batista a sua prima Maria, Nossa Senhora. O rito do mastro origina-se da “árvore de maio”, mito de origem celta no qual a árvore simboliza o caminho íngreme que une a terra ao céu (é a mesma origem simbólica do pau-de-sebo). O mastro é também um símbolo fálico de fertilidade e a proclamação da abundância de alimentos produzidos pela terra.
Fogueira – Acesa logo depois do erguimento do mastro, a fogueira simboliza a vida humana, o conforto e a tranquilidade da alma. Movidas pela fé, as famílias participam de simpatias, rezas e, muitas vezes, atravessam a fogueira descalças ou saltam sobre ela (símbolo de purificação).
Fogos de artifício – Espantam maus espíritos, protegendo os habitantes do lugar e a natureza. Nas festas juninas, esse rito é resgatado com a ajuda de rojões, bombinhas, etc.
Balões – Costume originário da China, o balão representa uma oferenda às divindades.
Sortes e adivinhações – Realizadas nas noites de São João ou de Santo Antônio, revelam possíveis casos de amor.
Casamento – A união de um homem e de uma mulher, em busca da procriação, estabelece um paralelo entre a terra fértil e a força fecundante vinda do céu. Assim, a representação de uma aliança conjugal no festejo alcança uma simbologia profunda e arcaica.