Pela primeira vez depois da Segunda Guerra, em 15 de junho veteranos terão grande festa em Berlim. Para feridos e traumatizados em serviço, uma justiça esperada; para críticos, um evento de publicidade da Bundeswehr.”Há gente que arrisca a vida pela sociedade, e simplesmente fez por merecer uma certa apreciação e reconhecimento”, afirma o ex-soldado alemão David Hallbauer. Tendo prestado serviço no exterior, hoje ele é vice-presidente da Associação dos Veteranos Militares Alemães (BDV), que há muitos anos se engaja pela criação de um dia nacional em honra da classe.

Essa data chegou: em 15 de junho de 2025, os veteranos e veteranas da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) serão homenageados em Berlim com uma grande festa popular em torno do Reichstag, a sede histórica do Parlamento alemão. Paralelamente transcorrem em todo o país diversos outros eventos. Hallbauer observa: “Em outros países, isso é uma coisa óbvia, mas aqui, até o momento, não se estabeleceu de jeito nenhum.”

A lentidão com que se desenvolve uma cultura de homenagem aos veteranos na Alemanha tem razões históricas. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o “Dia Memorial dos Heróis” do regime nazista foi eliminado e substituído pelo Dia de Luto Popular. Com a dissolução da Wehrmacht nazista, durante uma década o país não teve um exército, e nesse período as associações de veteranos de guerra estavam proibidas.

Mesmo com a fundação da Bundeswehr, em 1955, de início não havia espaço para uma nova tradição de veteranos. Isso só mudou a partir dos anos 90, quando cada vez mais militares alemães de ambos os sexos passaram a ser enviados para focos de conflito no exterior, por exemplo nos Bálcãs, no Afeganistão ou na África. Parte deles retornou ferida ou traumatizada.

Redefinindo “veterano” após duas guerras mundiais

Nem todos receberam em seguida a ajuda que necessitavam, da Bundeswehr ou de outras instâncias estatais. Grande parte da sociedade reagiu, no melhor dos casos, com o “desinteresse amigável” que caracterizava a relação de muitos alemães com suas Forças Armadas. Isso, apesar de todas as missões no estrangeiro terem sido aprovadas pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento).

O veterano Hallbauer também vivenciou esse desinteresse: num evento memorial do BDV, diante do prédio do Reichstag, foram turistas dos Estados Unidos, Inglaterra ou França a agradecer-lhe por seu serviço. “Enquanto os alemães se perguntavam: ‘Quem são esses caras?’ A maioria dos que passavam não sabia o que pensar sobre nós.”

Os próprios veteranos e veteranas tiveram que apresentar sua causa com insistência, até serem finalmente escutados pelo Parlamento e o governo. Parte do desafio é associar o pouco usado termo “veterano” com a Bundeswehr: para muitos, ele evocava os soldados das guerras mundiais, ou até automóveis antigos.

Era preciso uma nova definição, e quem a forneceu, em 2018, foi a então ministra da Defesa, Ursula von der Leyen. Numa ordem do dia, ela determinou: “Veterana ou veterano da Bundeswehr é quem está em serviço ativo como soldada ou soldado, ou que foi dispensada/o dele de forma honrosa, ou seja, que não perdeu o posto.” Essa definição ampla abrange mais de 10 milhões de mulheres e homens, dos quais a maioria não veste mais uniforme.

Para críticos, “evento de publicidade para as Forças Armadas”

Até que se decidisse introduzir um Dia Nacional do Veterano Militar, foram precisos mais alguns anos. Só em abril de 2024 alcançou-se uma resolução parlamentar nesse sentido, com ampla aprovação. Apenas o partido A Esquerda se absteve, criticando a data como “política de símbolos”. Mas acoplada à decisão esteve a promessa de melhorar a assistência aos veteranos feridos em ação e a suas famílias.

Em relação a esse assunto específico, a comunidade dos veteranos alemães tem uma longa lista de reclamações: devido a penosos processos de verificação e obstáculos burocráticos, os militares traumatizados costumam ter que esperar muito pela ajuda. “Nós desejamos processos mais rápidos, mais simples”, apela o ex-soldado Andreas Eggert.

Após 25 anos a serviço da Bundeswehr, incluindo sete missões no Afeganistão, hoje, aos 49 anos, ele sofre transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Como contraponto positivo, cita o sistema da Dinamarca, cujo princípio é: “O homem prestava serviço militar, antes ele estava saudável, agora está doente. Então a probabilidade é que tenha adoecido em serviço.”

Na Alemanha, critica, é preciso provar que uma ocorrência específica durante esse período seja responsável pelo problema de saúde. Hoje afastado das Forças Armadas, Eggert presta auxílio a companheiras e companheiros igualmente afetados pela atividade militar. No 15 de junho ele quer participar do evento central em Berlim.

Com caráter de volksfest, a celebração incluirá programação de palco, barraquinhas de comida, jogos infantis e uma “aldeia de veteranos”. No Reichstag será inaugurada uma mostra de fotos do astro do rock Bryan Adams, intitulada Wounded: The legacy of war (Ferido: O legado da guerra). “É preciso um dia de reconhecimento assim”, afirma Eggert, para quem o evento é também uma oportunidade de diálogo com os críticos das Forças Armadas.

E deve-se contar com a presença deles: uma aliança de grupos de esquerda anunciou protestos contra as festividades em Berlim. Ela condena a “glorificação da Bundeswehr” e a “encenação do Dia do Veterano como evento familiar, com caráter de publicidade para os militares”.