Exportações de armas alemãs, inclusive para o Oriente Médio, atingem novo recorde e geram questionamentos de especialistas e das principais Igrejas do país, que pedem regras mais rígidas.A concessão de licenças para exportação de armas na Alemanha atingiu um novo recorde em 2023, superando a marca de 12 bilhões de euros (R$ 76 bilhões). Isso se deve principalmente às exportações para os países parceiros da Otan e da União Europeia (UE), assim como para a Ucrânia.

Mas, não apenas isso. As armas alemãs também foram comercializadas para países que anteriormente não compravam esses equipamentos, ou que faziam apenas algumas aquisições esporádicas. As duas grandes Igrejas da Alemanha avaliam de forma bastante crítica a forma como o país lida com as exportações de armas.

O governo federal “se afastou de seu objetivo declarado de manter uma política restritiva de exportação de armas”, explicou Max Mutschler, do Centro Internacional de Bonn para Estudos de Conflitos (BICC), em Berlim, nesta quarta-feira (19/12). Ao lado de representantes das Igrejas Protestante e Católica, Mutschler apresentou o mais recente relatório sobre exportação de armas da Conferência Conjunta sobre Igreja e Desenvolvimento (GKKE).

O GKKE não vê com bons olhos a política de exportação de armas do governo, cuja coalizão – formada pelo Partido Social-Democrata, os Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP) – entrou em colapso há poucas semanas. O principal motivo da desconfiança são, principalmente, os países que recebem esses armamentos. Se uma empresa de armas alemã quiser vender armas no estrangeiro, é necessário obter uma licença de exportação do governo federal.

Nos primeiros nove meses de 2024, o governo aprovou exportações para “países destinatários altamente problemáticos, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Qatar”, criticou o especialista em armas Mutschler. Para ele, estes contratos teriam que ser descontinuados. “As exportações de armas para essas ditaduras contribuem para a opressão de suas populações internamente e alimentam um acúmulo de armas em toda a região, com consequências negativas para a segurança de Israel”, afirma o relatório.

Alemanha “importante parceiro armamentista de Israel”

O comitê de especialistas e representantes das Igrejas tem observado atentamente as exportações de armas alemãs para Israel, e aponta “ambivalências em seu próprio posicionamento”. Em 2023, as entregas de armas para Israel aumentaram acentuadamente, atingindo 326,5 milhões de euros, ou seja, dez vezes mais do que em 2022. Isso incluiu 3.000 armamentos antitanque portáteis e 500.000 cartuchos de munição para armas pequenas.

Muitas das licenças foram aprovadas após os ataques terroristas do grupo islamista Hamas em Israel, em 7 de outubro de 2023. “A Alemanha é um importante parceiro armamentista de Israel, especialmente quando se trata de navios e submarinos, que fortalecem a capacidade de defesa israelense”, explicou o prelado Karl Jüsten, o presidente católico do GKKE. O comitê sublinha a “responsabilidade especial da Alemanha pela segurança de Israel e seu direito à autodefesa”.

No entanto, a aprovação das licenças estipula que Israel também deve obedecer as leis internacionais de direitos humanos e se comprometer a não atacar alvos civis.

Jüsten ressalta que o governo federal não deve aprovar a exportação de armas para Israel se houver alguma suspeita de que as armas alemãs estariam sendo utilizadas para cometer graves violações das normas internacionais de direitos humanos. “Armas como munições para tanques não podem ser exportadas para Israel, a menos que o governo israelense dê muito mais prioridade à segurança da população civil em Gaza.”

Disputas judiciais

As entregas de armas alemãs a Israel foram alvo de processos judiciais na Alemanha e no exterior em diversas ocasiões. A Nicarágua acusou a Alemanha de cumplicidade no genocídio na Faixa de Gaza e abriu uma ação no Tribunal Internacional de Justiça de Haia. No final de abril, os juízes rejeitaram um pedido que exigia a suspensão imediata das exportações alemãs de armas para Israel.

Diversas ações que foram movidas em tribunais alemães para tentar impedir licenças de exportação de equipamento militar para Israel também fracassaram.

Mais recentemente, em 16 de dezembro de 2024, um tribunal de Frankfurt rejeitou um pedido urgente de um palestino de Gaza. Segundo o tribunal, a lei alemã de comércio exterior – a base legal para licenças de exportação – “não oferece qualquer proteção para estrangeiros no exterior”. O requerente, portanto, não teria o direito de tomar medidas contra as exportações de armas.

O tribunal argumentou que também não era evidente que o governo federal da Alemanha tivesse concedido a licença de exportação “de forma descuidada e arbitrária”. Ao contrário, Berlim obteve de Tel Aviv garantias de que “utilizaria o equipamento militar fornecido de acordo com as leis internacionais”.

Críticas às exportações para a Turquia

O GKKE também avalia de maneira crítica o aumento do fornecimento de armas à Turquia. Este ano, o governo alemão já aprovou exportações de armas para o regime turco de mais de 230 milhões de euros – mais do que em qualquer outro ano, desde 2006. Desde que as tropas turcas invadiram a Síria em 2016, o governo alemão adotou uma postura em grande parte restritiva aos pedidos feitos pela Turquia.

O governo do chanceler federal Olaf Scholz essa mudou a forma de tratamento, o que se refletiu, entre outras coisas, nas licenças de exportação de torpedos e mísseis fabricados na Alemanha. Em visita a Istambul em outubro, Scholz deixou claro que o país parceiro na Otan receberia armamentos alemães.

Mutschler argumentou que também se aplica aos parceiros da Otan as regras que estabelecem que as armas não podem ser fornecidas se forem utilizadas para atos de guerra ou em violações dos direitos humanos.

Para o especialista, as operações militares da Turquia na fronteira com a Síria e no norte do Iraque são “ataques que violam o direito internacional, particularmente nas áreas curdas”, incluindo contra alvos civis. “Essa é a base para avaliarmos estas exportações de armas de forma muito crítica.”

Sem lei, pouca transparência

O GKKE ressaltou que também avalia negativamente o desempenho do governo atual em matéria de exportação de armas em dois outros pontos: Berlim não aprovou a lei anunciada para controlar as exportações de armas, nem fez qualquer esforço para fornecer relatórios transparentes e rápidos sobre as licenças de exportação emitidas.

Neste aspecto, ficou atrás até do governo anterior liderado por Angela Merkel. Na verdade, o gabinete só aprovou o relatório de exportação de armas para 2023 em 18 de dezembro de 2024 – o que, na opinião das Igrejas, é tardio demais.