Políticos querem instaurar uma CPI no Parlamento para reavaliar estratégia de enfrentamento do coronavírus no país.Passados mais de quatro anos desde que o coronavírus começou a varrer o mundo, a Alemanha pode ser um dos primeiros países a fazer um balanço oficial sobre os erros e acertos da política na gestão da pandemia.

O debate sobre se e como o país deve fazer isso ainda está em curso, mas diversos políticos defendem a criação de uma comissão especial no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão, para debater o tema com especialistas e, ao final, apresentar um relatório e sugerir mudanças nas leis.

Similar ao que ocorre no Brasil com as CPIs – as famosas comissões de inquérito parlamentar –, a iniciativa abriria uma possível frente de desgaste para os políticos que geriram a pandemia à época – embora, as decisões do período tenham sido tomadas por dois governos de coalizão distintos, cujos partidos, nesses quatro anos, se alternaram entre situação e oposição.

Entre 2020 e 2021, o país foi tocado por Angela Merkel, do conservador CDU, em uma aliança com os sociais-democratas, que depois, com Olaf Scholz, assumiram a dianteira do governo ao lado dos verdes e liberais.

Impactos da pandemia são sentidos até hoje

Um dos maiores desafios para a política desde a Segunda Guerra Mundial, a pandemia de covid-19 implicou na restrição de direitos básicos e na decretação de lockdowns. Escolas, creches e muitos comércios e empresas tiveram que fechar as portas temporariamente. Depois, quando as primeiras vacinas começaram a ser distribuídas em grandes quantidades ao público na Alemanha, na metade em 2021, veio a pressão social pela imunização.

Que o período da pandemia ainda teria consequências por muito tempo, isso é algo que parece ter estado claro para o então ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU). “Daqui a alguns meses, teremos que perdoar uns aos outros por muitas coisas”, afirmou diante do Bundestag em abril de 2020.

Na verdade, a pandemia deixou impactos profundos que são sentidos até hoje. Muitas pessoas ainda estão debilitadas pela covid longa. Outros tantos, especialmente pequenos empresários e restaurantes, não sobreviveram aos lockdowns. E quase todos os políticos, os de hoje e os de outrora, admitem que as medidas foram especialmente duras para crianças e adolescentes.

“A Alemanha se saiu bem”

Embora dê razão a essa crítica, Janosch Dahmen, médico e membro do Bundestag pelo partido Verde, pondera que a Alemanha atravessou bem o período pandêmico, dada a sua população envelhecida – em 2020, 28,9% dos alemães tinham mais de 60 anos.

“Especialmente as medidas muito rigorosas durante a primeira onda, quando ainda não havia vacina e faltavam equipamentos de proteção, salvaram muitas vidas”, argumenta.

Dahmen também aponta que vários institutos de pesquisa, incluindo o Conselho de Ética alemão, já fizeram avaliações sobre a era da covid. Outro grupo, criado pelo Bundestag, não faria muito sentido aos olhos dele.

“Uma comissão de inquérito, ou mesmo uma investigação, seriam o instrumento errado agora, e seriam principalmente usados com fins político-partidários. Isso não ajuda ninguém”, afirma o verde, ecoando comentários de analistas que apontam a CPI como possível trampolim para populistas de direita que, à semelhança do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores no Brasil, fizeram forte oposição às medidas de combate ao vírus.

Na Alemanha, quase 39 milhões foram infectados pelo covid-19 até agora, segundo dados oficiais. O número de mortes relacionadas à pandemia é de quase 183 mil.

Na comparação internacional, a letalidade em relação à população deixa a Alemanha na 51ª posição, com 218 óbitos por 100 mil habitantes – muito atrás de França (39º, 255), Itália (22º, 326), Brasil (21º, 330) e Estados Unidos (14º, 364), segundo dados oficiais compilados pelo site World of Meters.

O que as pessoas comuns pensam da pandemia?

A DW entrevistou passantes em Berlim para ouvir a opinião deles sobre os erros e acertos da gestão da pandemia.

“Foi uma situação difícil, então suponho que não havia a única e verdadeira solução. Decisões tiveram que ser tomadas. Mas achei que o isolamento total e a proibição de sair de casa foram demais”, opina Weidinger.

“Principalmente as pessoas que não se vacinaram – que é o meu caso – tiveram que aguentar muita coisa da sociedade, foram retratadas como adeptas de teorias da conspiração”, ressente-se Jacquelina ao lembrar da polarização entre opositores e defensores da vacinação.

“Teve muita maracutaia, esconderam muita coisa. Muitas pessoas ganharam muito dinheiro, mas o que vão fazer a respeito disso [CPI] agora? Na minha opinião, seria torrar dinheiro à toa novamente. E para quê?”, questiona Neyran, referindo-se a empresários e políticos que fizeram fortuna na pandemia – inclusive com a venda de máscaras cirúrgicas.

Investigação tem amplo apoio entre lideranças políticas

Atuais ministros do gabinete de governo, como o social-democrata Karl Lauterbach (Saúde) e o verde Robert Habeck (Economia), dizem não se opor a uma investigação.

Governador da Saxônia, Michael Kretschmer, do conservador CDU, afirma lembrar-se principalmente de que qualquer crítica ao curso rígido do governo na época de Angela Merkel, sua colega de partido, era considerada imprópria. “Na época da pandemia, quando procurei falar com pessoas críticas, fui tão xingado pelos outros partidos. Para mim estava claro que em uma democracia não pode haver apenas uma opinião.”

Para a governadora da Renânia-Palatinado, a social-democrata Malu Dreyer, os jovens e os idosos foram os que mais sofreram com a pandemia: “Ao tentar proteger vidas humanas, exigimos – hoje nós sabemos – muito das crianças e dos jovens, e também daqueles que, já no final da vida, não puderam mais se despedir de seus entes queridos devido às restrições de contato.”

Países mais pobres pagaram o preço mais alto

Sabe-se que os impactos da Covid foram muito mais fortes em outros países.

Há cerca de duas semanas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresentou um relatório em Berlim que também trata das consequências da pandemia, principalmente nos países mais pobres do mundo.

“Após o choque da Covid, que desequilibrou economias e sociedades, voltamos a ter avanços. Mas mais da metade dos países mais pobres do mundo não estão se recuperando”, aponta o diretor do PNUD, Achim Steiner. Enquanto uns estão estagnados em um nível pré-crise, alguns tiveram até mesmo retrocessos.