Björn Höcke, líder da AfD no estado da Turíngia, no leste do país, tem chance de ganhar a eleição de setembro. Analistas alertam para o risco que isso criaria para a democracia alemã.Depois da revelação de que membros do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) teriam discutido sigilosamente em reunião com extremistas de direita planos para expulsar migrantes da Alemanha, cada vez mais analistas políticos, sobreviventes do Holocausto e pesquisadores do extremismo alertam para as consequências que a ascensão do partido pode ter para o futuro do país. O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, pediu à sociedade alemã que se mantenha alerta. E, tendo em vista a radicalização da AfD, a discussão sobre a proibição da legenda também ganhou fôlego.

Ao mesmo tempo, pesquisas eleitorais mostram que, depois de anos na oposição, a AfD pode estar perto do poder político. O partido poderá obter seus primeiros grandes sucessos eleitorais em 2024, já que, além das eleições para o Parlamento da UE, serão realizados vários pleitos estaduais na Alemanha.

As pesquisas eleitorais colocam a sigla como a força política mais forte em estados do leste do país. No pequeno estado da Turíngia, o partido tem até mesmo chances de eleger o governador. A mais recente pesquisa coloca o partido na dianteira, com 31%. E o candidato seria justamente um de seus membros mais radicais: Björn Höcke.

Höcke é o líder da bancada da AfD no Parlamento da Turíngia. Esse ex-professor do ensino médio já participou de uma marcha neonazista. E até mesmo a executiva da AfD estava convencida, anos atrás, de que, sob o pseudônimo “Landolf Ladig”, ele teria publicado textos que eram “extremamente próximos do nacional-socialismo”, de acordo com um texto da executiva do partido. Embora Höcke tenha negado as alegações, ele se recusou a assinar uma declaração juramentada negando tudo.

Em 2017 a AfD tentou expulsar Höcke. O comitê executivo do partido iniciou um processo de expulsão após o polêmico discurso dele num evento do partido em Dresden, no qual ele criticou a forma como a Alemanha lembra o Holocausto, chamando-a de estúpida e defendendo uma “reversão de 180 graus”, e chamou o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, de “monumento da vergonha”. Mas um tribunal da Turíngia rejeitou a expulsão.

Em vez disso, o que aconteceu desde então é que o partido se radicalizou na direção de Höcke, e os apoiadores dele têm hoje grande influência sobre os rumos partidários.

Ideologia nazista: tabu na Alemanha

Desde o governo assassino dos nacional-socialistas alemães, sob o comando de seu autoproclamado “Führer”, Adolf Hitler, de 1933 a 1945, qualquer forma de aproximação ideológica ou simbólica com o nazismo é considerada politicamente inaceitável na Alemanha. Durante a era nazista, os nazistas assassinaram mais de 6 milhões de judeus europeus e foram responsáveis pelo conflito mais mortal da história mundial, a Segunda Guerra Mundial.

Mas hoje há vários integrantes da AfD que já chamaram a atenção por proximidade ideológica com o nazismo. Björn Höcke pode até mesmo ser chamado de “fascista”. Um tribunal da cidade de Meiningen decidiu em 2019 que esse é um julgamento de valor “baseado numa base factual verificável”.

E é essa a pessoa que pode se tornar, na eleição na Turíngia em setembro de 2024, o primeiro político de extrema direita na Alemanha do pós-Guerra a ser eleito para comandar o governo de um estado alemão.

O cargo tem poder político de longo alcance, já que é amplamente responsável pelas políticas de educação e mídia de seu estado. Ele também decide sobre a implementação local da política de concessão de refúgio a migrantes do governo federal. Considerando que é justamente nesse tema que a AfD exige uma mudança radical de rumo, isso poderia ter consequências graves.

Medidas contra a imprensa

Numa reunião da AfD em novembro de 2023, Höcke anunciou medidas de longo alcance caso fosse eleito: “Vamos dar um fim à luta contra a extrema direita”, prometeu, sendo aplaudido efusivamente por seus apoiadores.

Höcke, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, também anunciou medidas contra a mídia pública. “O que acontecerá se o Höcke se tornar governador? Ele cancelará os contratos das emissoras estatais? Sim, o Höcke fará isso, sim”, gritou, recebendo aplausos dos membros da AfD.

Devido a reportagens críticas à AfD, o partido vem pedindo há anos a abolição ou reorganização das emissoras de direito público na Alemanha. Inspirado no ex-presidente dos EUA Donald Trump, a AfD recorre à chamada “mídia alternativa” e dissemina suas ideias políticas nas redes sociais, em seus próprios canais partidários de grande alcance.

Em dezembro de 2023, o renomado blog jurídico Verfassungsblog analisou o quão realista é o cenário de um governador de extrema direita. De acordo com o artigo, o cargo político bastante discreto de presidente do Legislativo estadual é a peça central. Na Alemanha, esse cargo é tradicionalmente conquistado pelo partido que obteve mais votos na eleição estadual. E na Turíngia, a AfD está claramente à frente nas sondagens. Portanto, tem uma chance legítima de chegar a esse cargo.

“Imensos danos à democracia”

O Verfassungsblog adverte para as consequências: “O dano que um partido populista autoritário nesse cargo poderia causar à democracia como um todo é imenso”. Isso ocorre porque o presidente do Parlamento estadual organiza o funcionamento do trabalho parlamentar.

E sobretudo: na Turíngia, o presidente do parlamento estadual teria a oportunidade de nomear governador mesmo alguém que não obtivesse a maioria absoluta dos votos na assembleia. Uma maioria simples de votos seria suficiente na terceira rodada de votação entre os parlamentares.

E tudo indica que isso só poderia ser evitado por meio de uma aliança pouco comum: os conservadores da CDU e a esquerda socialista de A Esquerda teriam que se acertar sobre um candidato opositor comum. Mas ambos os partidos são adversários políticos ferrenhos na Alemanha – e mais ainda na Turíngia.

Petição pede perda de direitos

Em janeiro de 2024, ativistas contra a extrema direita lançaram uma petição direcionada às bancadas parlamentares (exceto a da AfD) pedindo que Höcke perca seus direitos fundamentais, entre eles as liberdades de expressão e de reunião e também os direitos de votar e ser votado e de ocupar cargos públicos.

Mais de 1,2 milhão de pessoas já assinaram a petição. Base para ela é o artigo 18 da Lei Fundamental (Constituição), que prevê a perda de direitos fundamentais daqueles que os usarem para lutar contra a democracia alemã.