Afegãos perseguidos pelo Talibã que aguardam no Paquistão não terão mais asilo concedido pela Alemanha, apesar de compromisso anterior firmado por Berlim. Grupo inclui funcionários de organizações alemãs.Centenas de afegãos que haviam sido informados de que poderiam se mudar para a Alemanha serão comunicados nos próximos dias de “que não há mais interesse político em sua admissão”

Com essas palavras concisas, a porta-voz do Ministério do Interior da Alemanha, Sonja Kock, revelou que 640 pessoas que aguardam no Paquistão para serem realocadas na Alemanha não terão mais seu asilo aceito pelo país europeu.

A afirmação revoga uma promessa anterior feita por Berlim de acolher o grupo, que inclui 130 afegãos que trabalharam para ministérios alemães ou organizações não governamentais da Alemanha no Afeganistão antes da tomada de poder pelo Talibã, em 2021.

À época, milhares fugiram para o Paquistão, incluindo correspondentes da DW. O governo alemão anterior, formado por social-democratas, verdes e liberais, havia assumido o compromisso de aceitar, além dos funcionários afegãos, ativistas de direitos das mulheres, advogados, jornalistas e outras figuras da oposição do Afeganistão por meio da “lista de direitos humanos” e da “lista de transição”.

A nova coalizão de governo do chanceler federal alemão Friedrich Merz, porém, concordou em seguir a orientação de gradualmente eliminar programas de reassentamento.

Funcionários locais rejeitados

No entanto, ainda havia a expectativa de que o novo governo cumpriria a promessa de ao menos acolher 220 funcionários afegãos e suas famílias que permanecem no Paquistão esperando autorização para viajar à Alemanha, seguindo o que foi feito com milhares de outros trabalhadores que foram admitidos anteriormente por Berlim.

Na semana passada, parte destes trabalhadores receberam a notícia da rejeição por e-mail, segundo a organização de ajuda “Kabul-Luftbrücke”. A porta-voz do grupo, Eva Beyer, disse à DW que cerca de 130 funcionários afegãos que trabalharam para a Alemanha e fugiram do regime do Talibã não serão mais acolhidos pelo país europeu.

O e-mail foi enviado pela agência de ajuda ao desenvolvimento do governo alemão, GIZ. “Após exame detalhado adicional, foi decidido que não há fundamentos para concessão de admissão na Alemanha sob a Seção 22 da Lei de Residência”, dizia o texto.

A mensagem não dá uma razão específica para a reversão. Sonja Kock, do Ministério do Interior da Alemanha, confirmou que agora apenas 90 funcionários afegãos que estão no Paquistão ainda podem reivindicar a admissão.

Ministro do Interior diz que quer manter compromissos

O ministro alemão do Interior, o conservador Alexander Dobrindt, disse que não estava ciente desses desenvolvimentos quando questionado pela DW sobre a rejeição de funcionários locais. “Li um relatório sobre isso, que não posso avaliar totalmente, mas pedi ao meu gabinete que me forneça uma avaliação hoje”, disse.

“Não houve mudança em minha decisão, que deixei clara há algum tempo. Onde temos compromissos legalmente vinculativos de admissão, iremos cumpri-los. Vemos como nossa responsabilidade contínua em relação aos chamados funcionários locais.”

Segundo estatísticas do governo, a Alemanha aceitou até o momento um total de 4 mil funcionários locais e quase 15 mil familiares desde que o Talibã tomou o poder, além de outros afegãos que solicitaram asilo.

Incerteza sobre os planos de imigração da Alemanha

Ao todo, cerca de 1,8 afegãos, entre funcionários, familiares e ativistas, aguardam no Paquistão. O grupo ficou exposto a um limbo jurídico, já que, em muitos casos, a Alemanha havia se comprometido a conceder o asilo, mas não destravou os vistos para a viagem. As autoridades paquistanesas agora ameaçam entregar o grupo restante ao regime do Talibã na virada do ano.

Apesar das centenas de pessoas admitidas pelo atual governo alemão, os atuais programas de assentamento passaram a ter admissões canceladas. Apenas pessoas que processaram com sucesso os tribunais administrativos alemães conseguem ter suas admissões garantidas.

No início de julho, por exemplo, um tribunal de Berlim decidiu que uma mulher afegã e sua família deveriam receber vistos alemães após esperarem no Paquistão por mais de um ano. Os afegãos enfrentam “perigo de vida e integridade física” no Paquistão, segundo o juiz alemão. No entanto, o governo alemão se recusou a cumprir a decisão e, em vez disso, solicitou que um tribunal superior a revisasse.

Segundo a “Kabul-Luftbrücke”, 84 destas ações foram bem-sucedidas até agora, com outras 195 pendentes. Dezenas de outros processos estão sendo preparados.

“Este é um estado inacreditável de incerteza em que algumas pessoas têm vivido por meses, algumas até por anos”, disse Beyer, da Kabul-Luftbrücke, referindo-se às pessoas retidas no Paquistão. “Essa incerteza por si só é tortura psicológica.”

“Um teste decisivo para a confiabilidade do governo alemão”

Cerca de 250 organizações, incluindo a Human Rights Watch, Pro Asyl e Brot für die Welt, enviaram uma carta aberta ao ministro do Interior Dobrindt pedindo que ele traga o restante das famílias afegãs em risco para a Alemanha antes do fim do ano sem obstáculos burocráticos.

Helen Rezene, codiretora da Pro Asyl, chamou o resgate de todas as pessoas com promessas de admissão de “teste decisivo para a confiabilidade, credibilidade e humanidade do governo alemão”.

Ao mesmo tempo, o governo alemão também está oferecendo a reserva de voos para os refugiados que quiserem voltar à capital afegã, Cabul. Berlim também tem deportado afegãos com condenações criminais.