14/03/2023 - 11:43
Com governo Lula, europeus veem garantia de preservação ambiental. Em visita ao Brasil, vice-chanceler federal alemão, Robert Habeck, defende rápida conclusão de acordo comercial.A visita oficial ao Brasil do vice-chanceler federal alemão, Robert Habeck, também ministro de Economia e Proteção Climática, traz um novo impulso ao acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. Congelado desde sua assinatura, em 2019, depois de vinte anos de negociação, o pacto comercial deve ser retomado num esforço de concluí-lo ainda no primeiro semestre de 2023.
“O que mudou entre 2019, quando a discussão técnica foi finalizada, e agora é a chegada do presidente Lula”, reforçou Habeck à DW durante uma conversa com jornalistas nesta segunda-feira (13/03) no âmbito do 39° Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em Belo Horizonte.
A promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 feita por Lula é um sinal forte, na visão dos alemães, de que as futuras trocas comerciais com o fim das barreiras tarifárias ocorrerão sem destruição ambiental.
“Esse é um motivo forte para seguir com o acordo. O governo Lula tem credibilidade porque já fez isso antes. Foi um objetivo já atingido [reduzir o desmatamento], antes de tudo ter piorado”, disse o ministro referindo-se à alta da taxa de devastação florestal registrada na administração de Jair Bolsonaro.
Durante o mandato do ex-presidente, a taxa de desmatamento na Amazônia saltou 59,5% em relação aos quatro anos anteriores. Os dados de alerta de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam uma queda de 22% no acumulado dos dois primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2022.
Ao mesmo tempo que demonstra confiar em Lula, Habeck ressalta que é preciso garantir que o provável crescimento da produção brasileira, estimulado pela nova fase de comércio com a União Europeia, não impeça o Brasil de banir de vez o corte ilegal da vegetação nativa nos próximos sete anos, conforme a meta anunciada.
Para Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o acordo tem que prever a proteção de todos os biomas nacionais – não só da Amazônia. “O aumento da produção agrícola não pode avançar para dentro dos territórios indígenas e comunidades tradicionais. Não pode haver aumento dos conflitos socioambientais”, acrescenta, pontuando a necessidade da retomada das demarcações das terras indígenas.
Brasil mais perto da Europa
Com a maior área e população entre os vizinhos da América Latina, o Brasil é o principal destino de produtos alemães na região. Num cenário internacional de aumento das tensões entre Estados Unidos e China, e com a guerra entre Rússia e Ucrânia muito próxima ao seu território, a Alemanha tenta estreitar relações com os latino-americanos para manter a dinâmica de sua economia.
“Também é importante para o Brasil a finalização do acordo. O presidente Lula viajou recentemente a Argentina e Uruguai com objetivo de fortalecer os países do Mercosul e seguir adiante”, disse Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, durante encontro com Habeck.
Ambos afirmaram ser contra a reabertura de discussão de tópicos que já foram concluídos. Segundo o ministro alemão, os produtos listados no pacto sofrem cobrança de impostos que vão de 15% a 50%, o que encarece o comércio e reduz a vantagem competitiva dos dois blocos econômicos.
“Esse acordo prevê reduções específicas, passo a passo, escalonadas, muito bem organizadas para alguns produtos. Isso já está negociado, já está pronto, é uma questão muito complexa. Não queremos abrir isso para discussão, essa será a base do acordo”, destacou Habeck.
Entre os países europeus, a Holanda já demonstrou ser contra a finalização do pacto. Produtores agrícolas do país temem que o fim das barreiras tarifárias gere uma concorrência desleal com os brasileiros.
Oportunidade de reindustrialização
Um estudo feito pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) aponta que o Brasil pode se beneficiar com a eliminação imediata de taxas, ou em até quatro anos, exportando produtos que vão além das commodities agrícolas, como máquinas, químicos e outros artigos manufaturados.
Segundo o órgão, a participação das exportações de produtos primários para o bloco passou de 35,8% para 53,7% entre 2012 e 2021. Óleo bruto de petróleo, soja, farelos para alimentos de animais, minério de ferro e café são os líderes da lista.
Para Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o momento deve ser aproveitado, principalmente com a reativação do ministério coordenado pelo vice-presidente Alckmin.
“Vamos trabalhar de forma cúmplice e alinhada para que o momento não seja desperdiçado, independente de equívocos ou entendimentos anteriores. Temos que olhar para frente”, disse Alban à DW.
“Questão de sobrevivência”
Em Brasília, Habeck assinou uma declaração conjunta com o ministro brasileiro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para intensificar a cooperação na área de política energética. O comunicado ressalta a determinação dos dois governos de construir uma economia de hidrogênio verde.
“A Alemanha investe porque é uma questão de sobrevivência sair da dependência do gás russo. Essa é a outra face ‘oculta' da moeda da transição energética. E o Brasil é, entre todos os países em desenvolvimento, o que tem maior potencial de energia renovável. É de interesse da Alemanha que o Brasil estimule a produção de hidrogênio verde usando esse potencial com um dos custos mais competitivos do mundo”, analisa Nivalde Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Além da produção e exportação de hidrogênio verde, o Brasil teria potencial para fornecer biocombustíveis. “O acordo pode impactar de forma significativa o setor. Se houver um capítulo especial tratando de energias renováveis e biocombustíveis, um mercado significativo pode se abrir”, analisa Erasmo Carlos Battistella, presidente da BSBIOS.
A empresa foi a primeira brasileira a exportar esse produto para a União Europeia e Estados Unidos. Com produção anual de 1 bilhão de litros de biodiesel por ano, até 15% desse total são vendidos no mercado externo.
Battistella sabe, por outro lado, que vai enfrentar a desconfiança dos consumidores europeus. Até 70% do biodiesel é feito de soja, cuja produção é constantemente questionada na Europa por relações indiretas com o desmatamento ilegal na Amazônia.
A solução, defende Battistella, é a rastreabilidade da matéria-prima. “A forma mais honesta para tirar essa dúvida é definir padrões e fazer certificação. É uma discussão técnica de análise de ciclo de vida do produto, da roça à roda. Assim é possível potencializar as fontes renováveis que ajudam na redução de gases do efeito estufa e na descarbonização das economias, como a Alemanha quer fazer”, comenta.