06/11/2025 - 11:46
Inauguração do Grande Museu Egípcio reaviva apelos pela repatriação do famoso artefato encontrado por equipe alemã em 1912 e levado para Berlim. Alemães dizem que não há pedido oficial do governo egípcio.Ela é um símbolo global duradouro de beleza, poder e mistério, que fascinou Hitler, Beyoncé e os ativistas da Primavera Árabe: a rainha Nefertiti, cujo nome significa “a bela chegou”, é uma das figuras mais icônicas do mundo antigo.
A grande esposa real do faraó Akhenaton – que transformou radicalmente a religião egípcia ao promover o culto a Aton, o deus sol único – governou a região há mais de 3,3 mil anos.
A fama atual de Nefertiti se deve em grande parte à descoberta em 1912 de um busto de calcário revestido de estuque pintado por uma equipe arqueológica alemã liderada por Ludwig Borchardt.
Levada para Berlim, a peça é hoje “a estrela indiscutível do Neues Museum”, como afirma o site da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, que supervisiona o acervo da instituição que é parte da Ilha dos Museus, na capital alemã.
Aumentam os pedidos de restituição
O clamor pela repatriação do busto ao Egito começou logo após sua descoberta. Agora, com a inauguração do Ilha dos Museus no Cairo, as reivindicações vêm ganhando força.
Pessoas que participam das visitas guiadas ao Grande Museu Egípcio são convidadas a assinar uma petição iniciada no ano passado pelo ex-ministro do Turismo e Antiguidades do Egito, Zahi Hawass, pedindo a devolução do item.
“Apesar de muitos apelos ignorados por um diálogo significativo, bem como pedidos de reconhecimento de como este artefato único foi parar na Alemanha, a petição visa reacender o debate, inspirar o retorno do busto ao Cairo e obter uma resposta digna das autoridades alemãs”, afirma o documento, que pede ao ministro alemão da Cultura e à Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano que tratem do assunto.
Um porta-voz do ministro alemão da Cultura disse à DW em comunicado que “questões relativas à proteção de bens culturais relacionados ao Egito, incluindo o busto de Nefertiti, são da jurisdição do Ministério do Exterior da Alemanha”.
O ministério alemão do Exterior, por sua vez, afirma que “não recebeu nenhuma solicitação de órgãos oficiais egípcios para a devolução do busto de Nefertiti” e que “desconhece qualquer solicitação desse tipo feita ao governo alemão”.
A Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano não respondeu aos pedidos de comentários da DW, embora a posição da entidade sobre o assunto não tenha mudado nos últimos anos.
Aquisição legal, mas “ilegítima”?
“O busto de Nefertiti foi encontrado durante uma escavação autorizada pela Administração Egípcia de Antiguidades”, afirmou à DW um porta-voz da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, em nota de outubro de 2024. “Ele chegou a Berlim com base em uma divisão – até então comum – da descoberta, que abrangia muitos outros objetos.”
“O busto foi legalmente retirado do país e não há nenhuma reivindicação de restituição por parte do governo egípcio”, dizia o comunicado.
A explicação é contestada pela pesquisadora egípcia e ativista em prol do patrimônio cultural Monica Hanna. Segundo ela, Ludwig Borchardt minimizou de maneira intencional e fraudulenta o valor do busto no momento de dividir as descobertas. Ele o descreveu como “uma princesa real pintada”, enquanto suas próprias anotações mostram que ele sabia que retratava a Rainha Nefertiti.
“Descrevê-la é inútil, precisa ser vista”, acrescentou o arqueólogo de maneira entusiasmada em suas próprias anotações.
O historiador alemão Sebastian Conrad, autor de The making of a global icon: Nefertiti’s twentieth-century career (“A criação de um ícone global: a carreira de Nefertiti no século 20”, em tradução livre), pondera que, além dos detalhes controversos em torno da divisão da descoberta, sua validade ética também deve ser questionada.
“É uma lei que só poderia existir sob as relações de poder desiguais da era imperialista, uma vez que o Egito era essencialmente uma colônia inglesa na época. Isso significa, na minha opinião, que a verdadeira questão é se alguém pode invocar legitimamente tal lei”, afirma à DW. “Eu diria o seguinte: foi [uma ação] formalmente legal, mas ilegítima dentro da perspectiva atual.”
O historiador Jürgen Zimmerer, que estuda colonialismo e genocídio, lembrou que um debate semelhante ocorreu na Alemanha em relação a obras de arte que foram tomadas dos judeus durante o regime nazista.
“Não ficamos inertes dizendo simplesmente que ‘era legal naquela época, e que por isso eles não têm direito a nada’. Em vez disso, vemos como uma conquista moral dizer que ‘não insistimos na literalidade da lei, mas sim, no espírito da lei’. Sabemos que essas eram leis ilegais que desapropriaram judeus, e não queremos lucrar com isso”, afirmou o historiador à DW. “Eu me pergunto por que deveríamos proceder de forma diferente em um contexto colonial.”
Tentativa de restituição bloqueada por Hitler
A egiptóloga Monica Hanna também questionou a posição da Alemanha de que não há reivindicação de restituição por parte do governo egípcio. Ela lembrou que as autoridades egípcias solicitaram a devolução do busto logo após sua primeira exibição pública em Berlim, em 1924. “O museu realmente precisa que o governo faça esse pedido? A opinião pública no Egito é muito clara quanto ao desejo de ter o busto de Nefertiti de volta. O que nos pertence, nos pertence”, observou.
Em 1925, o Egito ameaçou proibir escavações alemãs em seu território, a menos que o busto fosse devolvido. James Simon, o filantropo que financiou as escavações de Borchardt e doou o famoso busto de Nefertiti aos museus estatais de Berlim, defendeu pessoalmente uma troca de peças com o Egito e contribuiu para a negociação da devolução de Nefertiti, conforme descrito pela pesquisadora Ruth E. Iskin em seu artigo The other Nefertiti: symbolic restitutions (“A outra Nefertiti: restituições simbólicas”, em tradução livre).
Embora a importância de James Simon como mecenas das artes tenha sido reconhecida em Berlim através da relativamente nova galeria que leva seu nome, localizada na entrada principal da Ilha dos Museus, seus esforços para devolver o busto foram apagados da narrativa oficial alemã.
A troca planejada por Simon não aconteceu, nem na tentativa seguinte em 1933. O líder nazista Hermann Göring esperava garantir a lealdade política do Egito à Alemanha devolvendo o busto, mas o ditador Adolf Hitler, um grande admirador de Nefertiti, bloqueou o projeto. “Eu nunca abrirei mão da cabeça da rainha”, afirmou.
A Alemanha argumentou anteriormente que o busto seria muito frágil para ser transportado de volta ao Egito.
Mas a justificativa é dispensada pelo historiador Sebastian Conrad, já que “no final da Segunda Guerra Mundial, ela [o busto de Nefertiti] foi colocada em um saco plástico e armazenada em uma mina de sal na Turíngia. Depois, foi transportada para Wiesbaden. Portanto, ela já fez várias viagens, não apenas do Cairo para Berlim”.
Questão fundamental para a Alemanha
Autoridades alemãs estão atualmente empenhadas na restituição de objetos coloniais, principalmente através da devolução dos Bronzes de Benim à Nigéria, pilhados durante o período colonial.
Embora a ação tenha sido o resultado de uma longa campanha levada adiante por ativistas, fazer tal concessão foi relativamente mais fácil, já que parte da coleção de 512 objetos pôde ser devolvida à Nigéria, enquanto outra parte pôde ser mantida em exibição no Fórum Humboldt, em Berlim, por meio de um empréstimo de longo prazo.
Nefertiti é, obviamente, uma peça única. Conrad e Zimmerer, no entanto, acreditam que existem alternativas, como a exibição de uma reprodução do busto original juntamente com a história da descoberta e os esforços de restituição. Isso “certamente seria convincente”, afirma Conrad.
“O que faltaria seria a chamada aura de autenticidade”, acrescenta Zimmerer. Ele, no entanto, questionou se um museu de Berlim deveria lucrar com essa “aura”, considerando que ela está manchada pela injustiça colonial. “Na minha opinião, não deveria.”