Um novo e importante acordo de defesa entre Pyongyang e Moscou alimenta temores de que a Rússia possa enviar armas para a Coreia do Norte e compartilhar know-how tecnológico com o regime de Kim Jong Un.Na manhã de quarta-feira (26/06), a Coreia do Norte lançou uma arma que serviços secretos acreditam ser um míssil hipersônico avançado. O teste, no entanto, fracassou, com o míssil explodindo na costa leste da Península da Coreia.

O lançamento foi um dia após o 74º aniversário do início da Guerra da Coreia. Ele é visto, portanto, como uma demonstração de força provocadora por parte de Pyongyang, sobretudo depois que o porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos Theodore Roosevelt atracou no porto sul-coreano de Busan na segunda-feira, antes dos exercícios navais trilaterais com a Coreia do Sul e o Japão.

O receio agora é que, com o fracasso do último lançamento, o líder norte-coreano Kim Jong Un recorra ao seu novo aliado militar, a Rússia, em busca de um maior know-how tecnológico.

Esse potencial canal de troca de equipamentos e conhecimentos militares avançados é uma profunda preocupação para os governos da região e mais além.

Aproximação entre Moscou e Pyongyang

Na semana anterior, o presidente russo, Vladimir Putin, visitou a capital norte-coreana e assinou um acordo de cooperação estratégica abrangente com o líder norte-coreano, que inclui o compromisso de ajuda mútua caso um dos dois países seja atacado.

Embora não tenha havido menção à troca de armas, a invasão da Ucrânia pela Rússia, seguida pela intensificação das sanções das potências ocidentais, fez com que Moscou se aproximasse de Pyongyang.

Acredita-se que a Coreia do Norte tenha fornecido milhões de projéteis de artilharia e mísseis de curto alcance às tropas de Putin na Ucrânia, atualmente sob grande pressão. Em troca, Kim teria recebido combustível russo em quantidades que ultrapassam os limites especificados nas sanções da ONU, alimentos e tecnologia para programas nucleares, de mísseis e espaciais. Pyongyang ter fornecido armas à Rússia.

Tecnologia para artilharia

“A Rússia precisa de munição de artilharia e mísseis balísticos da Coreia do Norte. A Coreia do Norte está explorando a situação e muito provavelmente pedindo transferência de tecnologia para mísseis, seu programa nuclear e veículos”, avalia Nico Lange, especialista em segurança do Programa Transatlântico de Defesa e Segurança no Centro de Análise de Política Europeia.

“Kim é um negociador difícil, inclusive forçou Putin a engrandecê-lo com a primeira visita de alto nível em 24 anos. A Rússia pagará caro pelas munições de artilharia e mísseis balísticos de baixa qualidade que obtém da Coreia do Norte. Putin tem que ceder devido à situação precária em que se meteu na Ucrânia.”

Uma análise das potenciais exportações russas, conduzida pelo Stimson Center, com sede em Washington, e publicada no seu website 38 North, sugere que Kim tem uma longa lista de compras que gostaria de obter para substituir seus equipamentos obsoletos.

Pyongyang “está procurando adquirir caças, veículos blindados e mísseis ar-terra da Rússia”, diz o relatório, citando autoridades do governo dos EUA. Numa mensagem no Telegram, o deputado russo da Duma Vyacheslav Nikonov também destacou os planos para expandir a cooperação norte-coreana-russa no espaço. A afirmação se basearia na promessa de Putin de ajudar o programa de satélites do Norte, feita quando Kim visitou o centro espacial Vostochny em setembro.

Transferências de armas difícil de impedir

A Rússia já vendeu submarinos à Coreia do Norte no passado, e Pyongyang revelou no início de 2024 o que disse ser o primeiro de uma série de navios capazes de lançar mísseis balísticos submarinos. O temor dos EUA é que um submarino capaz de lançar mísseis com uma ogiva nuclear esteja na lista de desejos de Kim.

Analistas dizem que, apesar de uma série de resoluções do Conselho de Segurança da ONU proibindo transações de armas com a Coreia do Norte, muitas das quais anteriormente assinadas por Moscou, será difícil impedir tais trocas.

Coreia do Norte mais perigosa do que nunca

“A Coreia do Norte e a Rússia partilham uma fronteira muito pequena no extremo nordeste da península, e há uma ponte ferroviária sobre o rio Tumen que já foi usada para transportar material de artilharia em trens para a Rússia”, explica Yakov Zinberg, professor de relações internacionais da Universidade Kokushikan, em Tóquio. “Também sabemos que os navios navegam desde portos russos no extremo oriente até portos norte-coreanos, sem sequer ter de deixar suas águas territoriais”, disse ele.

Imagens capturadas pela empresa americana Planet Labs PBC e publicadas pelo jornal japonês Yomiuri Shinbun em 7 de junho mostram o que se crê serem quatro navios norte-coreanos atracados no porto russo de Vostochny. Eles já haviam desaparecido quando os sinais do sistema de identificação automática foram desligados para ocultar suas localizações.

“A Rússia e a Coreia do Norte estão agora basicamente ignorando as sanções” confirma Zinberg. “Eles não dirão isso abertamente e continuarão a negar que estão se fornecendo armas ou combustível reciprocamente, mas ainda deixam claro que não se importam com o que a comunidade internacional pensa”.

Aliança Rússia-Coreia do Norte: mudança significativa do equilíbrio de poder

A transferência de armas, com a qual Kim jamais poderia sonhar de outra forma, vai provavelmente perturbar o delicado equilíbrio militar no nordeste da Ásia, avalia Lange: “A Rússia está tornando a Coreia do Norte mais perigosa e comercializa tecnologias perigosas com um mau agente.”

Essa visão é compartilhada por Zinberg, para quem tal aliança “mudará consideravelmente o equilíbrio de poder”.

“Essa aliança militar une o poder militar russo com as ambições de Kim na região, por isso é inevitável que o quadro de segurança tenha que mudar. A Coreia do Sul, o Japão e os EUA terão de tomar contramedidas para um novo alinhamento que é potencialmente muito poderoso.”