Há milênios, agricultores fazem cruzamentos de frutos, cereais e legumes para criar variedades híbridas mais saborosas ou com maior rendimento. Mas foi só na década de 1970 que os cientistas utilizaram pela primeira vez a bioengenharia para transferir genes de um organismo para outro e, assim, produzir culturas transgênicas.

Quando esses organismos geneticamente modificados (OGMs) chegaram às prateleiras nos anos 1990, eles foram primeiro apelidados de “alimentos Frankenstein”. A resistência a essas culturas transgênicas baseava-se no receio dos consumidores de que elas fossem prejudiciais à saúde humana — apesar de estudos a longo prazo afirmarem que seu consumo é tão seguro quanto o das variedades convencionais.

A partir de 2020, uma nova “revolução genética” — por meio da qual o DNA pode ser “editado” sem dificuldades, sem a necessidade de emendar genes de um outro organismo — está por trás das alegações da indústria de biotecnologia de que ela pode reforçar a segurança alimentar de uma população mundial que deve atingir, em 2050, quase 10 bilhões de pessoas.

O Fórum Econômico Mundial (FEM), defensor constante da tecnologia geneticamente modificada, afirma que a investigação de novas variedades de arroz, batata, milho, trigo e mandioca, por exemplo, ajudará essas culturas básicas a sobreviver a condições meteorológicas extremas e a “novas doenças induzidas pelo clima” num mundo em aquecimento.

A mais recente tecnologia de bioengenharia também está ajudando plantas e solos a capturar e armazenar melhor o carbono da atmosfera, que aquece o planeta.

Com o objetivo de garantir a segurança alimentar, por exemplo, um projeto de investigação sediado nos Estados Unidos está pesquisando como otimizar a fotossíntese de plantas de culturas básicas, como arroz e milho. A ideia é que elas possam converter, de maneira mais eficiente, luz solar, água e CO2 em energia, reduzindo o carbono na atmosfera.

“Temos os conhecimentos e as ferramentas para dar início à próxima revolução verde, permitindo que os agricultores produzam mais neste século do que na história da humanidade”, afirma o site do projeto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency, que recebeu 115 milhões de dólares (R$ 625 milhões) de financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates desde 2012.

Para críticos, transgênicos perpetuam mudanças climáticas

Mas muitos cientistas e ativistas ambientais não concordam que os grãos transgênicos possam promover segurança alimentar ou ajudar a enfrentar as secas e inundações extremas provocadas pelas mudanças climáticas, que estão assolando a agricultura.

Para Anneleen Kenis, professora de ecologia política e justiça ambiental na Universidade de Brunel, em Londres, os novos organismos geneticamente modificados (OGMs) vão seguir perpetuando um “sistema agroindustrial” que “tem uma responsabilidade substancial na crise climática”, disse à DW.

Atualmente, os sistemas alimentares geram cerca de um terço das emissões de gases do efeito estufa que são responsáveis pelas mudanças climáticas. Nos EUA, mais da metade das terras cultivadas são produzidas com grãos geneticamente modificados.

O trabalho de pesquisa de Kenis argumenta que os transgênicos normalmente são cultivados em “monoculturas em grande escala”, dentro de latifúndios, como é o caso da soja no Brasil. Esse tipo de cultivo requer grandes quantidades de fertilizantes artificiais, pesticidas e irrigação.

“É um sistema muito intensivo em termos de energia, de fatores de produção dos quais ele precisa para funcionar. Não há nada de sustentável em reforçar ainda mais esse sistema”, disse a pesquisadora, acrescentando que os OGMs são promovidos pelos mesmos “gigantes agroindustriais” que também controlam e lucram com “uma grande parte do mercado de sementes, alimentos, pesticidas e fertilizantes”.

Kenis também afirma que, até agora, esse sistema não conseguiu “alimentar grande parte da população em diferentes partes do mundo”. De acordo com o Programa Mundial de Alimentos (PMA), da ONU, pelo menos 250 milhões de pessoas em cerca de 60 países sofrem, no mínimo, de insegurança alimentar em nível crítico.

Ativistas se mobilizam para banir grãos transgênicos

Críticas semelhantes aos transgênicos estiveram na origem de uma campanha nas Filipinas para que o arroz-dourado e a berinjela geneticamente modificada fossem sujeitos a uma moratória de produção em abril. O arroz-dourado foi aprovado para cultivo em 2021 e é parcialmente modificado com proteínas do milho para gerar betacaroteno e adicionar vitamina A.

Um tribunal aplicou a proibição com base na “necessidade de defender o direito constitucional à saúde e à ecologia saudável”, explica Lea Guerrero, diretora nacional do Greenpeace nas Filipinas, que liderou a campanha.

O tribunal concluiu que “não há consenso científico sobre a segurança ou os danos do arroz dourado e da berinjela”, disse Guerrero à DW.

Ela defende que a proibição é uma vitória da policultura e da resiliência ecológica sobre a monocultura de transgênicos, que tende a beneficiar empresas agroquímicas como a Bayer, Corteva, ChemChina-Syngenta e BASF — que controlam mais de 60% do mercado mundial de grãos.

Porém, Matin Qaim, especialista em economia alimentar e diretor do Centro de Investigação para o Desenvolvimento da Universidade de Bonn, na Alemanha, pondera que muitos filipinos com insuficiência de vitamina A poderiam morrer sem acesso ao arroz dourado geneticamente modificado. Qauim faz parte do Conselho Humanitário pró-arroz dourado GM (geneticamente modificado).

Transgênicos resistentes a pragas na África

Jennifer Thomson, professora emérita de biologia molecular e celular na Universidade da Cidade do Cabo, está desenvolvendo milho transgênico tolerante à seca, adicionando genes da “planta da ressurreição”, conhecida como xerophyta viscosa, que pode tolerar até 95% de desidratação.

Depois de ter aconselhado o Fórum Econômico Mundial e as Nações Unidas sobre culturas geneticamente modificadas ao longo de décadas, Thomson reconhece que “há muita controvérsia e que isso continua”.

Mas diz que, no contexto dos pequenos produtores da África Austral, as culturas “resistentes aos insetos” criadas através da bioengenharia são como uma “dádiva de Deus para esses agricultores”.

Enquanto isso, pesquisadores australianos estão liderando um projeto de produção de feijão-frade usando bioengenharia para criar uma proteção “integrada” contra pragas de insetos. O objetivo também é promover segurança alimentar, uma vez que essa leguminosa é um alimento básico em toda a África há milênios.

“Sem resistência aos insetos, em muitos casos, não há colheita”, afirma Thomson, acrescentando que a plantação de milho geneticamente modificado duplicou os rendimentos de alguns agricultores na África.

Por outro lado, investigadores de ciências agrárias notaram falhas na avaliação de risco do feijão-frade transgênico desenvolvido pelos pesquisadores australianos e que foi aprovado para cultivo na Nigéria. Eles ficaram preocupados porque as plantas transgênicas produzem uma toxina que serve para protegê-las contra as pragas — consequentemente reduzindo a necessidade de inseticidas —, mas que faz com que os riscos de segurança permaneçam devido a uma “maior toxicidade”.

Pouco incentivo para estudo de não transgênicos

O Greenpeace Filipinas argumenta que os cientistas locais têm dificuldades em desenvolver sementes ecológicas e não geneticamente modificadas, bem como sistemas alimentares e nutricionais num mundo em aquecimento, uma vez que, segundo Lea Guerrero, “a maior parte da investigação é apoiada por empresas gigantes do agro e da biotecnologia”.

Enquanto Thomson afirma que os consumidores africanos de milho geneticamente modificado nunca tiveram problemas de saúde, Anneleen Kenis acredita que as empresas de biotecnologia usam com frequência o argumento da mudança climática, mas poucas culturas transgênicas em desenvolvimento têm como objetivo a resistência ao clima.

As iniciativas incluem, em vez disso, o desenvolvimento de frutas e legumes que possam manter-se frescos durante longas distâncias, com o argumento de limitar o desperdício de alimentos que prejudica o clima. Mas, para Kenis, este benefício tem como nus elevados quilômetros percorridos e a pegada de carbono.

Para ela, qualquer alternativa de agricultura sustentável não transgênica deve ter como objetivo não só “produzir alimentos livres de substâncias tóxicas”, mas também cultivar “locais ricos em biodiversidade” que possam resistir e atenuar as mudanças climáticas.