02/09/2014 - 16:18
Se você não reconhece o homem na foto dessa página, a culpa não é sua. Muito provavelmente você já o viu atuando, mas não em sua forma humana. O ator Andy Serkis é um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da técnica que possibilitou uma representação incrivelmente realista nas telas a personagens como Gollum, da trilogia O Senhor dos Anéis, o gorila King Kong, da versão de 2005, e o macaco César, de Planeta dos Macacos: O Confronto.
A tecnologia de captura do movimento, motion capture ou performance capture, em inglês, como é conhecida, foi comparada pelo próprio Serkis a uma espécie de maquiagem digital. Embora seja mais complexa do que isso, essencialmente o que acontece não é muito diferente. Assim como na primeira adaptação para o cinema do universo criado pelo francês Pierre Boulle no romance O Planeta dos Macacos (tornado um clássico do cinema em 1968, com Charlton Heston), em O Confronto são homens que interpretam os símios.
A diferença é que, em vez de camadas de maquiagem, sensores revestem os rostos e corpos dos atores, permitindo o registro da atuação nos mínimos detalhes. Os dispositivos emitem sinais para câmeras especiais infravermelhas, que capturam movimentos transpostos para um computador. Ali, é feita uma modelagem em 3D dos gestos e expressões encenados.
Em cima desse modelo é possível criar digitalmente qualquer corpo ou forma. O salto tecnológico é gigantesco e o efeito é arrebatador – visível nos olhos do macaco César. A impressão que fica é que vemos na produção da década de 1960 pessoas com máscaras de macacos, e no filme de 2014, animais com expressões humanas.
Criador e criatura
Em 1999, o empresário de Andy ofereceu-lhe um papel em uma produção que estava sendo rodada na Nova Zelândia, chamada O Senhor dos Anéis. O diretor, Peter Jackson, precisava de alguém para fazer a voz de um dos personagens. Era o Gollum, a criatura monstruosa obcecada pelo anel mágico da trilogia de fantasia baseada nos livros do escritor britânico J.R.R Tolkien. Serkis nunca tinha ouvido falar da obra e não gostou da ideia de ser apenas um dublador. Acabou indo além da voz e concebendo o personagem.
A primeira experiência de Serkis com a tecnologia de motion capture foi uma epifania. O ator contou à PLANETA que estava vestido com uma roupa especial, coberta por minúsculas bolas de isopor revestidas por uma fita refletora. Esses pontos serviriam como referência de seus movimentos para as câmeras infravermelhas ao redor, que registrariam sua atuação e o transformariam na criatura transpostos a uma figura não humana, que ele percebeu o poder da ferramenta.
“A tecnologia capta sutilmente as nuances da performance do ator. Logo, tranquilidade é uma parte importante do processo para conseguir que os pensamentos internos e emoções do personagem sejam traduzidos para o avatar”, disse Serkis à PLANETA.
“Você não precisa ser um típico específico de ator para usá-la, trata-se de uma tecnologia. O que tem de libertador é que não interessa qual é o huformato ou tamanho do ator. A técnica permite que você se transforme em personagens e criaturas mais abstratas, descoladas da figura humana. Tudo o que é preciso fazer é se entregar ao personagem”, afirma.
Ao contrário do que foi planejado inicialmente, a versão final de Gollum acabou completamente criada a partir da atuação de Serkis
Homem x Máquina
A visão do ator sobre o papel da tecnologia nas produções cinematográficas e a analogia com a maquiagem criaram uma desavença com alguns programadores. Um deles chegou a dizer que “sem os caras dos efeitos especiais ele é apenas um britânico de collant fingindo ser uma criatura mágica”, relata Vince Mancini, editor do site de cinema Film Drunk, em seu blog. O coro de descontentes acusou o ator de se colocar acima da tecnologia e dos profissionais de efeitos especiais.
O que Serkis parece ter conseguido foi colocar no mesmo patamar tecnologia e atuação e fazer com que ambas trabalhem juntas para a construção de boas histórias, ampliando as possibilidades Durante algum tempo, o ator teve que explicar para muita gente que ele não era apenas a voz de Gollum, mas o seu intérprete. Outros diretores, como James Cameron, de Avatar, entenderam isso e passaram a se interessar pela captura de movimento e a requisitar Serkis também como consultor e preparador de elenco.
Depois de O Senhor dos Anéis, Peter Jackson, e a empresa de tecnologia neozelandesa Weta Digital, da qual é sócio, bem como outras companhias, se aprofundaram no desenvolvimento da técnica. Em 2012, o próprio Serkis fundou sua produtora especializada em captura de performance, a Imaginarium.
Foi essa concepção do uso combinado da tecnologia com elementos tradicionais da atuação que entusiasmou Matt Reeves, o diretor de Planeta dos Macacos: O Confronto, que pode ser considerado um marco no uso da tecnologia de captura de movimento.
Mais de 85% da produção foi filmada fora de estúdios, em florestas de Vancouver, no Canadá, e na região de Nova Orleans, nos EUA. Exposta a variações climáticas, a operação demandou cuidado e esforço redobrado.
A maioria dos atores envolvidos passou pelo processo de transformação digital, o que exigiu uma logística de câmeras especiais e equipamentos sem precedentes. Para cada ação envolvendo um macaco, foram necessárias 50 câmeras de captura de movimento e oito câmeras normais.
Projetos futuros
Os planos de Andy Serkis à frente da Imaginarium são ambiciosos. Atualmente, o ator e produtor está envolvido em uma versão de O Livro da Selva, a história do personagem Mogli, o menino lobo, e em uma adaptação de A Revolução dos Bichos, clássico do escritor britânico George Orwell, no qual os animais de uma fazenda se rebelam contra a opressão de seus donos. Em ambos os casos, o desafio é criar todos os animais através da técnica. Isso sem contar a sua participação no novo filme da franquia de Star Wars, mantida em sigilo.
Perguntamos a Serkis o que poderíamos esperar da nova geração de produções com captura de movimento. O ator respondeu que a tecnologia cabe perfeitamente em diferentes meios: cinema, tevê, videogames, e até mesmo no teatro. Não há limitações em termos de mídia.
“Frequentemente nos perguntamos: como contaremos histórias nos próximos 30 anos? – pergunta-se o ator. “Será passivamente, como tem sido nos últimos 100 anos? Imagine um mundo onde você possa estar dentro de um filme ou de um videogame e fazer parte da história”, profetiza. “Já pensou nisso para valer” ?