Como um animal que há quase 50 milhões de anos era do tamanho de um lobo, com 1,6 metro (m) de comprimento no máximo, deu origem a outro que pode chegar a 30 m? Essa foi uma das perguntas que moveram a bióloga Mariana Nery e sua equipe no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) a investigarem a evolução molecular dos genes dos cetáceos gigantes, como as baleias-azuis. Eles estão entre os maiores animais que já existiram na Terra, incluindo os dinossauros, afirma Nery. “A evolução desses animais é uma história maravilhosa”, comenta a bióloga.

Nas últimas décadas, muito se aprendeu sobre essa história por meio de fósseis muito bem preservados. Nery e sua equipe se concentraram em um material menos explorado: o molecular. Em um artigo publicado na revista Scientific Reports na última quinta-feira (19/1), os pesquisadores brasileiros apresentam os resultados de uma análise de nove genes previamente associados ao tamanho grande de cetáceos. Em pelo menos quatro genes – GHSR, IGFBP7, NCAPG e PLAG1 – foram detectados indícios evolutivos de que houve forte seleção natural no sentido de agigantar essa linhagem. “Esses genes são excelentes candidatos a serem os responsáveis, ao menos em parte, pelo tamanho enorme dos golfinhos e baleias”, explica. O artigo é resultado da pesquisa do biólogo Felipe Silva, estudante de mestrado orientado por Nery. As análises foram feitas com base em bancos de dados já existentes com genomas sequenciados de cetáceos.

Oportunidade para surgir

Esses mesmos genes são encontrados em outros animais de grande porte, como vacas, ovelhas e cavalos. “São grupos relativamente próximos dos cetáceos, do ponto de vista evolutivo”, afirma o biólogo brasileiro Gustavo Burin, pesquisador em estágio de pós-doutorado no Museu de História Natural de Londres, na Inglaterra. Características vantajosas se perpetuam no processo evolutivo, mas precisam de oportunidade para surgir. A sustentação fornecida pela água permite que um animal seja gigante, o que em terra firme é mais difícil. A conquista de características que permitiram às baleias sobreviver nos oceanos é um dos diferenciais em relação a outros animais de grande porte, e que foi determinante para a sobrevivência da espécie. “Se uma característica ou mutação oferece uma vantagem, como capturar alimentos, ela tende a ser fixada pela espécie, porque passa a ter sucesso reprodutivo e sobrevivência maiores”, explica Burin.

As baleias, por conta de seu tamanho, não enfrentam muita competição por espaço ou por alimento. “Algumas espécies têm um sistema de filtragem que faz com que consigam uma quantidade muito maior de alimento sem tanto esforço”, aponta Burin. Outra vantagem: “Há menos predadores tentando te matar”.

Problemas do tamanho

Os gigantes impõem respeito, mas o tamanho também traz problemas. A fecundidade, elemento central na manutenção da espécie, é menor nos animais grandes. “Quanto maior o tamanho corporal, as populações tendem a ser menores e ficam suscetíveis a mutações prejudiciais, o que aumenta o risco de extinção”, explica Burin. A saúde pode, igualmente, ser afetada por doenças.

“Um bicho desse tamanho tem uma quantidade de células estrondosa. Quanto mais células, maior o risco de ter problemas de replicação e, consequentemente, câncer”, diz Burin. Curiosamente, entre as baleias, a taxa de câncer é muito baixa, fenômeno conhecido como “paradoxo de Peto” por ter sido descrito nos anos 1970 pelo epidemiologista britânico Richard Peto, da Universidade de Oxford. A explicação para esse paradoxo pode estar no processo evolutivo das baleias. Elucidar a genética por trás do gigantismo, por isso, pode ajudar a entender como lidar com a doença em outras espécies, como a humana, além de sanar a curiosidade sobre a existência de animais fora do comum.

Ao longo da evolução, as baleias desenvolveram um sistema de evasão de câncer muito eficiente, aponta Nery. “O câncer existe em toda a vida multicelular, mas outros trabalhos têm sugerido que um dos caminhos para evitar a doença pode estar em genes supressores de tumor mais eficazes”, completa. Seu grupo está começando a caça por esses genes.

PROJETOS

1. Usando genômica comparativa para entender a evolução convergente de mamíferos: Em busca das pegadas moleculares da ocupação do ambiente marinho e fluvial (nº 15/18269-1); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisadora responsável Mariana Freitas Nery (Unicamp); Investimento R$ 1.032.568,89.

2. Evolução em mamíferos aquáticos na ocupação de novos ambientes: investigando as pegadas moleculares da colonização do ambiente fluvial com foco no sistema de osmorregulação (nº 18/01236-1); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisadora responsável Mariana Freitas Nery (Unicamp); Bolsista Elisa Karen da Silva Ramos; Investimento R$ 311.317,48.

3. Evolução adaptativa convergente de genes relacionados à hematofagia em Insecta (nº 17/25058-2); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Mariana Freitas Nery (Unicamp); Bolsista Lucas Araujo Freitas; Investimento R$ 429.833,17.

ARTIGO CIENTÍFICO

SILVA, F. A. et al. The molecular evolution of genes previously associated with large sizes reveals possible pathways to cetacean gigantismScientific Reports. v. 13, 67. 19 jan. 2023.

* Este artigo foi republicado do site Revista Pesquisa Fapesp sob uma licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o artigo original aqui.