01/09/2008 - 0:00
Os americanos se habituam cada vez mais ao transtorno de estresse pós-traumático, à medida que um número crescente de militares retorna do Iraque e do Afeganistão apresentando distúrbios mentais. Vários deles se suicidam
Depois de ter servido numa divisão aerotransportada na Guerra do Iraque, o soldado Logan Laituri passou a sofrer sintomas do transtorno de estresse póstraumático. Suas alegações de que tinha a doença, porém, foram rejeitadas pelo Department of Veterans Affairs.
Há cinco anos, a expressão “transtorno de estresse pós-traumático” (TEPT) era familiar apenas para alguns pesquisadores e estudiosos da saúde mental. Hoje em dia, no entanto, ela já entrou para o léxico dos norte-americanos, à medida que mais e mais militares voltam do Iraque e do Afeganistão para casa com distúrbios mentais.
Graças aos avanços médicos e ao aprimoramento dos tratamentos hospitalares, atualmente um número muito maior de soldados sobrevive a ferimentos que em conflitos anteriores poderiam tê-los matado. Entretanto, a cruel ironia da recuperação de tais ferimentos é que esses soldados podem então enfrentar um tipo diferente de inimigo uma vez que retornam para casa – o inimigo da depressão e do trauma mental. Até soldados que não foram feridos fisicamente durante as manobras de suas tropas na guerra podem ter experimentado o que os pesquisadores chamam de “fatores de estresse de combate”, jargão científico para experiências intensamente reais enfrentadas por militares durante os combates. Elas podem incluir ser atacados, ver a morte e ter um colega assassinado ou ferido.
A Rand Corporation (instituição americana de pesquisa e análise) divulgou em seu relatório de abril o que considera “a primeira avaliação não governamental de larga escala das necessidades psicológicas e cognitivas dos membros do setor militar que serviram no Iraque e no Afeganistão ao longo dos últimos seis anos”. As estatísticas pintam um retrato alarmante do impacto de longo alcance desse trauma mental, assim como as inadequações do sistema médico que está incumbido dos soldados depois de seu retorno.
Usando informações de 1.965 militares que serviram no Iraque e no Afeganistão, os pesquisadores extrapolaram que cerca de 300 mil membros das Forças Armadas americanas estão sofrendo de TEPT ou de depressão por causa de suas experiências nas frentes de combate e da exposição à luta.
Estresse pós-traumático, um FLAGELO INTERIOR
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma desordem de ansiedade que pode se desenvolver depois da exposição a um suplício ou evento terrível no qual um grave dano físico ocorreu ou poderia ter ocorrido. É uma reação emocional severa e contínua a um trauma psicológico grave. Esse fator de estresse pode envolver a morte real de alguém, uma ameaça à vida do paciente ou de uma pessoa próxima a ele, lesões físicas graves ou uma ameaça à integridade física e/ ou psicológica em um grau que as defesas psicológicas normais são incapazes de superar.
O National Center for Posttraumatic Stress Disorder descreve o TEPT como uma desordem de ansiedade que pode ocorrer depois de uma experiência traumática, levando o paciente a se sentir “assustado, confuso ou irado”. Diagnosticado pela primeira vez por cientistas nos anos 1970, o transtorno pode ter início em diversas experiências além de combates militares. Elas incluem a vivência de abuso físico ou sexual e acidentes ou desastres que ameaçam a vida.
“Cerca de 20% dos que voltam dos conflitos na
Ásia têm
alguma cicatriz mental”
Wendy Barranco serviu numa unidade médica no Iraque e agora procura tratamento para depressão e transtorno de estresse pós-traumático (embora ela não tenha preenchido um pedido para tratar o TEPT).
Veterano da Guerra do Iraque, onde serviu numa unidade médica, Joe Wheeler foi classificado pelo Department of Veterans Affairs como 70% incapaz por causa do transtorno de estresse pós-traumático.
Em outubro do ano passado, 1,64 milhão de americanos haviam sido deslocados para as operações Liberdade Duradoura (no Afeganistão) e Iraque Livre. As estatísticas revelam que perto de 20% dos que voltam desses conflitos o fazem com algum grau de cicatrizes mentais. O relatório da Rand também conclui que cerca de 320 mil dos militares em guerra podem ter sido vítimas de um lesão cerebral traumática (LCT), causada predominantemente pela abundância de dispositivos explosivos artesanais que se tornaram a arma escolhida por insurgentes dos dois países. Especialmente preocupante é a revelação de que mais de 50% dos que podem ter vivido uma LCT não conseguiram tratamento profissional para isso. O relatório afirma ainda que, dos militares que obtiveram atenção dos médicos para o trauma mental, “apenas pouco mais de 50% recebeu tratamento minimamente adequado”.
Esses dados estatísticos revelam que os registros dos militares que retornam dos dois países asiáticos estão enfrentando seus traumas mentais sozinhos e sem apoio ou orientação suficiente. Uma pioneira reportagem investigativa realizada em novembro por Armen Keteyian, correspondente da rede de televisão CBS, mostra que 120 pessoas que em algum momento serviram nas Forças Armadas americanas tiram sua própria vida a cada semana (dado baseado em informes de 45 Estados), resultando em 6.256 suicídios de veteranos em 2005. As estatísticas reunidas pela CBS revelam também que os veteranos com idade entre 20 e 24 anos (aqueles que serviram no Iraque, no Afeganistão e em outros países desde o 11 de setembro de 2001) eram a faixa mais propensa a cometer suicídio – uma taxa três vezes maior do que a de civis com a mesma idade. Os impressionantes números convenceram alguns observadores de que, eventualmente, mais soldados e veteranos das guerras pós-11 de setembro morrerão por suicídio do que em batalhas reais. Em maio, o dr. Thomas Insel, diretor do National Institute of Mental Health, declarou a repórteres que é “totalmente possível que os suicídios e a mortalidade psiquiátrica dessa guerra possam vencer as mortes em combate”.
Eugene Cherry serviu como especialista em primeiros-socorros do Exército designado para uma unidade de dispositivos explosivos na Guerra do Iraque. Recrutado para um novo período, ele decidiu abandonar o serviço militar a fim de procurar atendimento médico para seu distúrbio. Cherry foi levado à corte marcial, mas no último minuto o Exército optou por uma acusação mais leve e propiciou-lhe uma dispensa médica (se ele não fosse dispensado em circunstâncias honrosas como essa, teria perdido todos os seus benefícios, incluindo o atendimento prestado pelo Department of Veterans Affairs). O Departamento classifica em 30% a incapacidade de Cherry causada pelo transtorno de estresse pós-traumático, mas ele está apelando.
À direita, designado para uma unidade da Marinha no centro da cidade de Falujah, Louis Roark começou a apresentar fortíssimos sintomas do transtorno de estresse pós-traumático antes de seu segundo período de serviço. Ele aguarda uma dispensa médica.