O fim de um relacionamento ou a perda de um ente querido pode gerar uma sensação de abstinência. A ausência destes pode parecer um anseio ou uma dor física, como um vício que deixa de ser alimentado.

Esse sentimento de vício é o que vem despertando o interesse dos neurocientistas nesse campo antes dominado pela filosofia e pela poesia. Os estudiosos agora fornecem respostas sobre como o amor se parece no cérebro.

Pesquisadores descobriram que o amor ativa os sistemas cerebrais da recompensa e do vício – os mesmos sistemas envolvidos no uso de cocaína ou no vício em videogame. A pesquisa publicada no jornal científico Cerebral Cortex analisou seis tipos diferentes de amor, incluindo parceiros românticos, amigos, desconhecidos, animais de estimação e natureza.

“Nós basicamente esculpimos mapas de áreas cerebrais para diferentes tipos de amor”, afirmou Pärttyli Rinne, da Universidade Aalto na Finlândia, que liderou o estudo.

Os pesquisadores descobriram que o cérebro ativou diferentes regiões envolvidas na cognição social para esses diferentes tipos de amor, e que, segundo Rinne, “a atividade cerebral associada a um sentimento de amor depende de seu objeto”. Os neurocientistas observaram diferenças no amor por um membro da família, por exemplo, ou no amor por um animal de estimação.

No entanto, o sistema de recompensa e vício do cérebro foi ativado em todos os tipos de amor.

“Começamos a construir uma estrutura de como o cérebro se parece quando as pessoas estão apaixonadas”, explicou Lucy Brown, neurocientista do Einstein College of Medicine de Nova York. A pesquisadora, que não participou do estudo, disse à DW que a pesquisa “consolidou a ideia de que o amor romântico e os apegos de longo prazo usam um sistema [de recompensa e vício] no cérebro”.

Os seis tipos diferentes de amor

Os pesquisadores mediram a atividade cerebral de 55 participantes através do método de escaneamento cerebral por ressonância magnética funcional (RMF). É o maior estudo realizado até agora sobre a atividade cerebral do amor.

“Nossos resultados demonstram que o amor em relacionamentos interpessoais mais próximos, como por um filho, parceiro romântico ou amigo, está associado a uma ativação significativamente mais forte no sistema de recompensa do cérebro do que o amor por desconhecidos, animais de estimação ou à natureza”, afirmou Rinne.

O amor por pessoas também ativa áreas do cérebro associadas ao pensamento, sentimento e compreensão, ou seja, ligadas à cognição social. As diferenças na atividade cerebral nas regiões de cognição social conseguem revelar se os participantes possuem um animal de estimação ou não.

“No caso dos donos de animais de estimação, o amor pelos pets ativa significativamente mais essas mesmas regiões sociais do cérebro do que em participantes sem animais de estimação”, disse Rinne.

O amor pela natureza ou pela arte também são tipos fortes de amor, mas costumam ser sentidos de forma diferente do que ocorre com um amor romântico ou familiar. De fato, o amor pela natureza iluminou o sistema de recompensa do cérebro e as áreas visuais associadas à visualização de paisagens, mas não as regiões ligadas à cognição social.

“Isso nos dá evidências de que diferentes tipos de amor recorrem a regiões cerebrais parcialmente distintas e parcialmente sobrepostas”, disse Roland Zahn, psiquiatra e especialista em transtornos de humor na King’s College de Londres, que também não participou do estudo.

O amor é mais velho que os humanos

Pesquisas nos EUA, Reino Unido e China já sugeriram que os sentimentos de amor ativam regiões cerebrais associadas à recompensa, apego, motivação e aprendizagem por reforço. “Este estudo reforça essas descobertas em um grupo maior de pacientes e pessoas de uma cultura diferente na Finlândia”, disse Brown.

Todos esses estudos encontraram uma característica comum do amor: ele sempre envolve regiões mais primitivas do cérebro, conhecidas como cérebro reptiliano, responsável pelos instintos de sobrevivência.

“Esses sistemas também demonstraram ser ativados, por exemplo, quando ratos-do-campo monogâmicos formam laços com parceiros e apegos emocionais com seus descendentes. A raiz biológica das experiências amorosas humanas está nas redes de apego do cérebro que herdamos de nossos ancestrais mamíferos”, disse Rinne.

Embora seja difícil provar se os animais sentem amor da mesma forma que os humanos, os cientistas acreditam que eles certamente formam os mesmos apegos por recompensa que nós formamos.

“Viciados” em quem amamos

Brown acredita que o cérebro reptiliano influencia os pensamentos mais elevados quando estamos apaixonados. “Somos viciados em quem amamos. Quando perdemos alguém, é como se fosse a abstinência de uma droga. O amor ativa esse sistema quando você precisa saber quando algo é bom, como quando você vê alguém que ama”, disse a neurocientista.

Mas o amor vem em muitas formas. Rinne acha que, à medida que as culturas humanas se tornaram mais avançadas, as experiências amorosas se tornaram dependentes não apenas de influências biológicas, mas também culturais e psicológicas subjetivas.

É possível que tenha ocorrido uma extensão do objeto de amor para além de familiares, passando a incluir desconhecidos, como celebridades, animais e coisas abstratas, como a arte e a natureza.

O estudo de Rinne mostra por que sentimos mais afeição por aqueles de quem somos próximos em comparação a desconhecidos, “embora os processos cerebrais subjacentes de afeição sejam os mesmos para todos os tipos de relacionamentos interpessoais”.

“Isso pode ajudar a explicar por que religiões e tradições filosóficas como o cristianismo ou o budismo se referem à benevolência para com os outros como ‘amor ao próximo’ ou ‘bondade amorosa’, mesmo que não pareça tão intenso quanto o amor que temos por conexões próximas”, disse a pesquisadora.