Morte de duas adolescentes por overdose reacende na Alemanha debate sobre projetos para testagem de substâncias ilícitas. Exemplo de Berlim mostra a relevância de teste: um terço das amostras era imprópria para o uso.As mortes de duas adolescentes nesta semana causaram comoção na Alemanha. Apesar dos casos terem ocorrido em diferentes cidades no norte de país, eles possuem algumas semelhanças. As meninas tinham apenas 13 e 15 anos. Queriam viver e experimentar algo e agora estão mortas. A causa dos óbitos foi uma overdose de ecstasy – algo frequente na Alemanha.

Em 2017, a morte de uma jovem americana na casa noturna Berghain, em Berlim, também por overdose de ecstasy teve grande repercussão. Por mais trágico que sejam os casos individuais: nas estatísticas do Departamento Federal de Investigações da Alemanha (BKA), o ecstasy aparece em último lugar em mortes causadas pelo consumo de drogas ilegais. Entre 2020 e 2022, foram registrados 27 óbitos decorrentes do uso desta substância.

No entanto, o ecstasy é uma das drogas mais consumidas no país europeu. De acordo com dados da Pesquisa Epidemiológica sobre Abuso de Substâncias (ESA), um em cada 100 entrevistados entre 18 e 64 anos usou a substância nos últimos doze meses.

O Centro Federal de Educação de Saúde da Alemanha (BzGA) alerta com veemência para os riscos do ecstasy: taquicardia, aumento da temperatura corporal, desidratação, insuficiência renal e hepática, e desmaio. A advertência destaca ainda as mortes causadas pelo consumo da substância – “predominantemente em decorrência do sobreaquecimento e da subsequente insuficiência renal ou hepática”.

“O ecstasy tem o efeito estimulante da sua substância original, a anfetamina. Os usuários se sentem acordados e ativos”, descreve o BzGA os efeitos da droga sintética e acrescenta que ela causa ainda “a sensação de felicidade e amor”.

A dose faz o veneno

A dose sozinha faz a diferença entre um veneno e um remédio, escreveu o médico alemão Paracelsus no século 16. Os casos das adolescentes no norte da Alemanha parecem confirmar isso. Na mesma semana de suas mortes, a Food and Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos equivalente à Anvisa, publicou diretrizes para pesquisas com drogas psicodélicas, incluindo o ecstasy.

Nos EUA, a substância tem sido usada há anos, com sucesso, no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) em veteranos das forças armadas. Ela é utilizada, porém, em doses seguras e sem misturas perigosas.

Quem compra drogas no mercado negro não tem essa segurança. No seu relatório mais recente de meados de junho, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência constatou um “nível historicamente elevado de ingredientes ativos” nos comprimidos de ecstasy traficados ilegalmente. “A disponibilidade de produtos mais fortes aumenta possivelmente o risco para a saúde associado ao consumo desta substância”, pontua o documento.

Na Alemanha, o verão é a época dos festivais. No âmbito do tradicional Fusion, realizado em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, segundo a imprensa alemã, já aparecem os comprimidos de ecstasy Blue Punisher – que teriam sido consumidos pelas adolescentes que morreram nesta semana. Essas pílulas possuem uma grande concentração do ingrediente ativo e pode causar uma overdose com a ingestão de apenas parte de um comprimido. A polícia suspeita que uma versão ainda mais forte do Blue Punisher esteja circulando no norte do país.

Em Berlim, a nova edição da Love Parade, marcada para 8 de julho, deve atrair centenas de milhares, dos quais muitos devem usar ecstasy e sem saber exatamente o que estão consumindo.

Teste pode reduzir risco

As mortes das adolescentes reacenderam o debate sobre oferecimento de análises gratuitas de drogas para os consumidores. Em Berlim desde o início de junho, usuários podem testar gratuitamente as substâncias adquiridas no mercado negro, e com a garantia de anonimato de quem solicitou o serviço.

Após anos de discussões e preparativos, o projeto de testagem de drogas foi colocado em prática. Adultos que moram na capital alemã podem levar amostras de drogas a três centros de aconselhamento para terem sua composição e pureza testados em um laboratório público. Em até três dias, a análise fica pronta e pode ser comunicada por telefone ou pessoalmente. Podem ser checadas drogas como maconha, ecstasy, speed, cocaína e LSD, entre outras.

“Se já tivéssemos uma ampla testagem de drogas e se isso fosse amplamente divulgado, poderíamos ter evitado os trágicos acidentes”, afirma o toxicologista e especialistas em drogas Fabian Pitter Steinmetz em referência à morte das adolescentes.

A experiência de Berlim revela o tamanho da demanda por esse tipo de serviço: nas primeiras semanas, a procura foi tão grande, que impossibilitou o teste de todas as amostras trazidas pelos usuários. E os primeiros resultados são alarmantes: um terço das substâncias analisadas estavam contaminadas ou em dosagem muito elevada.

Pelo menos quatro estados alemães querem seguir o exemplo de Berlim e oferecer análises de drogas gratuitos. Uma lei federal, que ainda precisa ser aprovada no Bundesrat, a câmara alta do parlamento alemão (com representantes dos estados), deve possibilitar esse tipo de serviço a nível nacional.

Para Steinmetz, é importante que jovens também tenham acesso aos serviços de análise de drogas. O toxicologista afirma ainda que esses centros de testagem possibilitam obter informações sobre a cena da droga e se aproximar dos consumidores. Em Berlim, o modelo prevê, antes do teste, uma conversa com o usuário sobre o procedimento da análise e o uso seguro da substância a ser testada.

“Assistentes sociais ou conselheiros de toxicodependência quase nunca têm contanto com os típicos usuários de drogas de finais de semana. A maioria destes usuários não tem um consumo problemático, mas o aconselhamento poderia ajudá-los a evitar problemas futuros e diminuir os riscos”, acrescenta Steinmetz.