08/06/2025 - 18:23
Viagem de Lula à França rendeu boas fotos ao lado de Macron. Mas não há sinais de que o clima amistoso vá desfazer a resistência do líder europeu ao acordo Mercosul-UE.”Presidente Macron, abra o seu coração para o Brasil, e vamos fazer o acordo União Europeia-Mercosul, para que a gente possa aproveitar essa oportunidade.” Foi com essas palavras que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apelou ao seu homólogo francês durante viagem a Paris. “O acordo é a melhor resposta que nossas regiões podem dar diante do cenário de incertezas criado pelo retorno do unilateralismo e protecionismo tarifário”, disse.
Para Lula, seria muito importante aprovar o acordo agora, enquanto o Brasil ainda está na presidência rotativa do Mercosul, avalia Guilherme Casarões, cientista político da Fundação Getúlio Vargas. O petista esperava que a viagem pudesse ajudar nesse processo. “Aprovar o acordo seria um ponto alto no seu terceiro mandato como presidente do Brasil.”
Em conversa com a DW, Casarões aponta que, num contexto de baixa popularidade do governo, a agenda internacional ganhou ainda mais importância para Lula, que quer deixar um grande legado em seu terceiro mandato.
Mas o presidente francês Emmanuel Macron ainda demonstra muita dúvida em relação ao acordo da maneira como está hoje, e quer algumas garantias adicionais.
“Existe uma competição entre a França e o Brasil na área da agropecuária. A França é um grande produtor de laticínios e de carne”, lembra Casarões. E como o lobby do agronegócio francês é forte, Macron teme desagradar o setor.
Outros países da Europa também têm ressalvas com o agronegócio sul-americano, como a Irlanda.
Lula tem feito um esforço louvável para defender o acordo, mas não parece que ele tenha conseguido algum avanço, avalia o ex-ministro e ex-embaixador Rubens Ricupero.
Segundo o diplomata, Macron não tem nada a ganhar com o tratado, por causa da resistência dos fazendeiros franceses. “Não vejo nenhum governo francês que vá arriscar o prestígio com um acordo deste tipo”, diz à DW.
Para Ricupero, o atual texto do acordo nem merece mais o nome de livre-comércio, já que não fez concessões expressivas aos produtos agrícolas da América do Sul.
E a posição de Macron foi fortalecida com a eleição recente de um presidente conservador na Polônia que é contrário ao acordo. “Vejo o futuro do acordo como duvidoso”, resume Ricupero.
Outro entrave adicional ao acordo é o fato de a UE estar negociando ao mesmo tempo com a Austrália. Essas tratativas têm sido marcadas pelos mesmos problemas, como cotas para o comércio de carne.
Acordo Mercosul-UE já não empolga agro brasileiro
Do lado sul-americano já houve muitas concessões durante os mais de vinte anos de negociações, observa Casarões. Agora, o Mercosul se diz totalmente preparado para aprovar o acordo da maneira como ele se encontra, “pois o texto é benéfico para a América do Sul, até mais do que para a União Europeia”, avalia o cientista político. “Para a América do Sul é uma possibilidade de consolidar um mercado pouco explorado – justamente o mercado europeu –, pois ele sempre foi muito protegido dos produtos agrícolas da América do Sul.”
Lula também precisa se aproveitar do atual momento da Argentina, o parceiro mais importante dentro do Mercosul. O presidente argentino Javier Milei já declarou que não tem muito interesse em manter o bloco. Mas parece que, por enquanto, tem a mesma agenda de Lula: fechar o acordo. Enquanto Lula esteve com Macron na França, Milei foi à Itália, onde se encontrou com a primeira-ministra Giorgia Meloni. Um dos pontos da agenda foi o acordo com o Mercosul.
Embora sempre tenha se mostrado crítico a acordo multilaterais, Milei tem recentemente sinalizado apoio à aprovação do tratado. Um “sim” do governo italiano é necessário para a UE conseguir votos suficientes para tirar o acordo do papel. Se, além da França, a Itália também rejeitar o texto, não haverá maioria suficiente.
Para Ricupero, Lula busca o acordo com a UE como uma vitória pessoal. Ele afirma que há pouco interesse no Brasil pelo acordo, e por isso pouca pressão para realmente fechá-lo, já que, na avaliação do diplomata, o texto é mais favorável à industria europeia do que ao agronegócio sul-americano, que já exporta tudo o que pode para a China.
“Bromance” entre Lula e Macron
Lula e Macron construíram a imagem de uma amizade pessoal forte, com cenas tipo lua de mel ao lado de uma Torre Eiffel iluminada em verde e amarelo. Os dois lados precisam de uma imagem positiva e criar um novo eixo de alinhamento, avalia Casarões. Como nesse momento há um distanciamento natural do governo de Donald Trump nos EUA, o Brasil tenta se aproximar mais da Europa. E os europeus vêm demonstrando, desde a eleição de Trump, que têm um grande interesse em estreitar as relações com a América Latina.
Além disso, Lula e Macron têm uma agenda grande em comum, diz Casarões. Os dois estão empenhados em combater a extrema direita, que nos dois países está em acensão. E os dois países se enxergam como líderes globais na proteção ambiental, uma pauta que começou com a Rio-92, enquanto o Acordo de Paris, de 2015, atualmente rege a agenda ambiental. Além disso, a França detém, através da Guiana Francesa, uma parte da floresta Amazônica, o que faz dela um parceiro natural na proteção do bioma.
Ao mesmo tempo há uma agenda militar comum, já que a França é, há mais de 15 anos, o principal parceiro do Brasil para o desenvolvimento de submarinos nucleares. O Brasil precisa dessa tecnologia naval para patrulhar o litoral norte, onde pretende explorar petróleo e gás na margem equatorial.
Não à toa, Lula participa em Nice da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, evento que começa nesta segunda-feira (09/06). Será um momento para discutir a exploração de recursos naturais, tendo em vista que a margem equatorial brasileira faz fronteira com a Guiana Francesa, lembra Casarões.
Lula se transformou em um dos grandes líderes do Sul Global, o que o torna atraente para uma parte do público francês, avalia Ricupero. “Ele representa, aos olhos franceses, mais do que ele representa aqui no Brasil, onde ele já está um pouco desgastado. Lá ele ainda tem um caráter de novidade.”
Isso faz de Lula um trunfo simbólico para Macron e a diplomacia francesa – ainda mais agora que o Brasil assumiu a presidência rotativa do Brics. Assim, Macron pode mostrar que tem uma interlocução direta com o Sul Global.