Em abril de 2011, Lola e Mugly foram “casados” numa festa para 80 convidados que custou R$ 50 mil, um preço salgado até para um casamento humano. Lola pertence a Louise Harris, inglesa de 32 anos que alugou uma mansão para a ocasião. Foi o evento canino mais extravagante do Reino Unido.

No mês de março, ganhou destaque nacional a história da aposentada Nair Flores e seu cãozinho Pinpoo, extraviado num voo entre Porto Alegre e Vitória e desaparecido por 14 dias. O desenrolar da trama tomou redes de televisão nacional e ganhou grande repercussão na internet. O “filho” de dona Nair recebeu mais de 100 mil citações no Google e esteve entre os trending topics do Twitter – os assuntos mais falados na rede social.

A comoção por Pinpoo reflete a importância que os animais de estimação conquistaram no cotidiano das pessoas na sociedade urbana moderna. Se há um mercado econômico ascendente, é o dos pets. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos para Animais de Estimação (Anfalpet), o segmento movimentou R$ 11 bilhões em 2010, ocupando o segundo lugar no ranking mundial; em matéria de mascotes os brasileiros perdem apenas para os Estados Unidos. “O setor deve crescer 5% nos próximos cinco anos”, afirma José Edson Galvão de França, diretor da Anfalpet.

A proliferação de animais de estimação nos lares brasileiros e a elevação do consumo e dos gastos com eles aqueceram o negócio. “Trata-se de um mercado caracterizado pela forte conexão entre os animais e seus donos, o que torna as relações de consumo emocionais e subjetivas”, ressalta Marcelo Goulart, diretor de projetos especiais da Aktuell, realizadora do evento Pet Fashion Week (PFW), que comercializa acessórios para mascotes, reúne expositores e especialistas em qualidade de vida animal.

Em 2010, foram registrados nada menos do que 82 milhões de animais de estimação no país. Calcula-se que a cada dez pessoas, oito tenham um mascote. Há cada vez mais casais sem filhos e pessoas vivendo sozinhas. Nesse contexto, o universo pet conquista crescente importância. Muito trabalho e pouco tempo para a família levam diversas pessoas a optar por não ter filhos, buscando nos bichos de estimação um conforto emocional.

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David Blouin, da Universidade de Indiana (EUA), identificou três tipos de comportamento de dono de Mascotes.

Humanistas – Intenso apego emocional ao pet. Os donos veem os animais como filhos ou amigos íntimos. A relação é tão importante quanto com outro ser humano. O conforto emocional proporcionado é hipervalorizado. Os humanistas tendem a antropomorfizar sua atenção aos animais e a estender suas vidas o quanto for possível por meio de cuidados veterinários.

Dominionistas – Os dominionistas também amam os animais, mas acham que os mascotes são objetos, não sujeitos. Apesar do apego, acreditam que eles têm uma função e não devem ser tratados como humanos. Na casa desses donos o cachorro dorme no quintal e serve para guardar a casa. Há menos tendência à antropomorfização.

Protecionistas – Apresentam forte apego ao seu animal e também a outros, manifestando muito respeito e preocupação. Os protecionistas consideram os animais como parte da natureza e como portadores de interesses e de direitos.

 

O lugar do mascote

A relação entre os homens e os animais depende do contexto dos donos de mascotes, os aspectos econômicos, sociais e culturais. As experiências com bichos durante a infância e a interação com outras pessoas contribuem para a adoção. David Blouin, professor do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Indiana, em South Bend (EUA), descreve três tipos de lógicas comportamentais em uma pesquisa com donos de cães no seu país.

A primeira, a “humanista”, está relacionada ao sentimentalismo de tratar o pet como um membro da família, muitas vezes com um posto na hierarquia afetiva equivalente ao de uma criança. A segunda lógica é a “dominionista”, mais tradicional, em que animais são estimados, mas vistos como cumpridores de funções, como guardar a casa ou caçar ratos. A terceira, a “protecionista”, enxerga o pet como membro da família e atribui o mesmo status humano aos mascotes dos outros, defendendo os direitos dos animais de forma geral.

As três orientações são generalizações e não caracterizam tipos de dono. Um proprietário de mascote pode adotar diferentes perspectivas e tipos de relação com o animal ao longo do tempo. “Os tipos de dono de cães que abordo no estudo representam lógicas culturais diferentes. Nossas culturas nos oferecem muitas ideias diferentes de como alguém pode se relacionar com os animais de estimação”, explica Blouin.

Pet Fashion Week

A Pet Fashion Week surgiu há cinco anos e sua primeira edição no Brasil foi realizada em 2010, em São Paulo. O PFWSP destina-se a consumidores e a profissionais do mercado pet. Este ano o evento será realizado nos dias 18 e 19 de junho. “A Pet Fashion Week SP é reflexo de um mercado que movimenta no mundo R$ 100 bilhões por ano”, diz Marcelo Goulart, diretor de projetos especiais da Aktuell. O mercado brasileiro movimenta R$ 11 bilhões, envolvendo empresas de alimentos, medicamentos, higiene, estética, centros de adestramento e hotéis para animais.

Igualzinho ao dono

A orientação humanista vem se tornando cada vez mais recorrente, projetando sentimentos de antropomorfização, ou seja, de atribuição de atitudes e de sentimentos humanos aos animais de estimação. “Com o estilo de vida moderno, adquirimos muitas neuroses. Uma delas é achar que os animais possam ter comportamentos parecidos com os nossos, quando, na verdade, trata-se de uma projeção do dono sobre o animal”, diz Maria de Fátima Martins, pesquisadora e professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.

O antropomorfismo é um comportamento arraigado. “Sempre buscamos humanizar o que está perto de nós. São atitudes da nossa psique que levam a entender e a buscar explicações humanas para comportamentos animais”, explica Maria de Fátima. Antropomorfizar não é apenas enfeitar o cachorro com roupas e sapatos, mas projetar valores humanos nele. “Quando alguém diz que ‘meu cão é devotado e leal, aonde vou ele vai comigo e não me troca por outro’, está projetando. Como é com o dono que o bicho interage, como é ele que o alimenta e que lhe transmite segurança, nada mais natural que o mascote o siga.”

É da natureza do cachorro querer se sentir seguro, proteger seu grupo, latir e mostrar os dentes a um estranho. A identificação entre dono e animal pode gerar uma dedicação extrema. Com muitos mimos, porém, o animal pode adotar um comportamento que não lhe é natural, perder a “personalidade” e se tornar medroso, ansioso e estressado.

Depois do resgate de Pinpoo, no mês de março, a gaúcha Nair Flores deu entrevista a vários jornais declarando seu amor pelo cãozinho. “Nunca chamei meu Pinpoo por assovio. Uso o nome dele ou ‘meu filho’. Ele dorme comigo, na cama, e toma dois banhos por dia, um antes da sesta e outro ao anoitecer. Uso um spray especial que ele ama. Pinpoo é vegetariano e come o que eu como: brócolis, abobrinha e purê.”

Filho de quatro patas

O antropomorfismo com os mascotes é uma tendência expansiva no contexto da solidão urbana. “Hoje, a interação entre homem e animal é aberta. Antigamente, as pessoas tinham medo de dizer que sofriam ou que choravam pelo cachorro. Elas corriam o risco de serem chamadas de malucas”, nota Maria de Fátima. A cultura contemporânea já dissemina como natural e aceitável tratar os animais como membros da família.

Nunca chamei meu Pinpoo por assovio. Uso o nome dele ou ‘meu filho’ Ronaldo

Muitas pessoas com educação ou renda mais elevada esperam para ter filhos com mais idade e acabam não tendo. “A instabilidade nas relações, as rupturas familiares, como divórcio e redução do número de casamentos, além dos imprevistos do trabalho, como o desemprego, a redução de custos e as mudanças para longe, contribuem para a humanização dos pets”, complementa Blouin.

Para os animais, o tratamento humanista pode significar bom atendimento veterinário, boa comida e alta qualidade de vida. Mas também gera estresse à medida que se espera do pet um comportamento inconsistente com a sua natureza. Há donos que reprimem o instinto de os cachorros latirem devido a normas de condomínio. “Sou contra os tipos de atitudes que vão contra a natureza do animal”, opina Maria de Fátima. A professora recomenda cautela com a crescente sofisticação do comércio de pets. Uma das consequências do antropomorfismo é o consumo exacerbado e o gasto excessivo.

Nas famílias, os pets ajudam na educação sentimental das crianças. Os mascotes que, além de estimados, cumprem uma função, como guarda da casa, geram menos confusões sentimentais. O mercado dos pets está crescendo em gastos, consumo e sofisticação.

Bons para a saúde

Os pets trazem benefícios à saúde. “Para muitos eles são ótimas fontes de entretenimento, ajudam seus donos a vencer o sedentarismo e fornecem conforto afetivo”, diz Blouin. A psiquiatra Froma Walsh, codiretora e cofundadora do Centro de Saúde da Família da Universidade de Chicago, afirma que há evidências de que os pets amenizam os efeitos cardiovasculares do estresse. “Enquanto a nossa vida urbana se torna mais estressante e frenética, os animais oferecem a sensação de relaxamento e de renovação”, ressalta.

A autora sugere que os mascotes facilitam o contato social e as amizades dos seus donos. Ao passear com o cachorro ou ao comprar artigos para os animais, as pessoas se sentem mais inclinadas a interagir e a dialogar. As pessoas sentem-se encorajadas a abordar um estranho para elogiar a pelagem do seu cachorro.

Segundo Froma Walsh, os pets têm papel importante nas famílias, aumentando as interações positivas e a resiliência em tempos difíceis. Cerca de 80% das pessoas costumam adquirir animais em circunstâncias de crise como separação, divórcio ou morte. Nas famílias, quando o pet é tratado como um membro, isso ajuda na educação sentimental das crianças e atua como amenizador de brigas. “O papel do pet varia de acordo com a estrutura da família, os pontos fortes e fracos dos seus membros e o contexto socioemocional”, afirma a psiquiatra.

Uma crítica fácil é argumentar que a energia e o dinheiro gastos com animais poderiam ser convertidos em atenção a pessoas carentes. “Isso pode ser verdade em algumas situações”, responde Blouin. “Mas não constatei evidências de que as pessoas ajudariam ou defenderiam outros em desvantagem social se gastassem menos tempo e cuidado com seus animais. Por outro lado, cuidar de animais não implica a redução direta de carinho por pessoas”, ressalta.

Texto: maira@planetanaweb.com.br