24/07/2019 - 9:02
Quem nunca ficou com um friozinho na barriga na primeira vez em que foi fazer uma apresentação em público? Não há nada de anormal nisso, diz a ciência – trata-se apenas de um estresse passageiro.
Mas se as reações a episódios do gênero durarem pelo menos seis meses e piorarem se não forem tratadas, o quadro muda de figura. Casos como esses, caracterizados pelo medo irracional e pela incerteza quanto ao que vai acontecer, pertencem a uma categoria específica da literatura médica: as desordens de ansiedade.
Em geral, esses distúrbios ocorrem simultaneamente com outras doenças físicas ou mentais, como o consumo abusivo de álcool e de outras drogas, o que pode disfarçar os sintomas ou torná-los ainda piores. Em alguns casos, essas doenças paralelas precisam ser tratadas antes a fim de que o paciente responda ao tratamento. Mas os estudiosos consideram tais problemas perfeitamente controláveis, e a cada dia surgem novos tratamentos capazes de fazer as pessoas acometidas por eles levarem uma vida normal.
Um dos mais conhecidos entre eles é o transtorno do pânico (também conhecido como síndrome do pânico, ou TP). Esse distúrbio, que segundo estudos atinge entre 2% e 4% da população mundial, refere-se a ataques de pânico que ocorrem a qualquer momento (incluindo o período de sono), repetindo-se ao longo do dia ou da semana. Assim como a incidência, os ataques também variam quanto à velocidade: podem vir lentamente ou de forma repentina. Em geral, seu pico dura 10 minutos, mas alguns sintomas podem permanecer por um tempo bem maior. Além de uma imperiosa sensação de ansiedade, os ataques produzem sintomas físicos variados, de acordo com a pessoa.
O receio das grandes mudanças
Os ataques de pânico não têm causas definidas. A hipótese mais forte hoje em dia é a de que o sistema “lute ou fuja” do cérebro – desencadeado pela sensação ancestral de medo – está desequilibrado nas pessoas que sofrem desse problema. Mas é certo que os ataques têm relação com fatos traumáticos ou grandes – e em consequência estressantes – mudanças na vida, tais como um novo emprego, o nascimento de um filho ou a distância de um ente querido.
No terreno bioquímico, estudos científicos propõem que as pessoas ansiosas podem ter um “sistema de alerta” (o conjunto de mecanismos físicos e mentais que leva uma pessoa a reagir a uma ameaça) extremamente sensível, que detecta falta de oxigênio até mesmo sob condições normais. Outra pesquisa, realizada na Universidade Yale, descobriu que indivíduos que sofrem ataques de pânico tinham menos receptores dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina no cérebro.
Além disso, há indícios de que a hereditariedade ajuda a aumentar a incidência do problema: se o pai, a mãe ou um irmão da pessoa apresenta ocorrências do gênero, a probabilidade que ela também as tenha é multiplicada por seis.
Um indivíduo que sofre com ataques de pânico crônicos confunde facilmente as sensações do seu organismo. Um batimento cardíaco acelerado pode ser visto como um ataque do coração, por exemplo. Se isso deflagra o medo na pessoa, os sintomas se intensificam ainda mais. É o que se chama de “medo do medo”.
Quem sofre ataques de pânico fica tão assustado com eles que se esforça para evitar tudo que possa lembrá-los. Uma crise num elevador, por exemplo, pode levar a pessoa não só a nunca morar num prédio de apartamentos como a evitar trabalhos e outras atividades que envolvam o uso desse meio de transporte.
O problema pode se ampliar por associação: a pessoa que tenha entrado em pânico num trem pode se recusar a viajar de novo por ferrovias e, em seguida, estender sua restrição a carros, ônibus e aviões. O processo pode levar as pessoas acometidas pelo problema a limitarem tanto sua vida que passam a só sair de casa se acompanhadas pelo cônjuge ou por uma pessoa de absoluta confiança (é a chamada agorafobia, ou medo de espaços abertos).
Cerca de 1/3 das pessoas que sofrem ataques ocasionais de pânico desenvolvem o TP. Embora haja registros de ataques em proporções iguais para homens e mulheres, estas apresentam uma tendência duas vezes maior de desenvolver o transtorno. O problema ocorre com maior frequência entre os 20 e os 35 anos de idade. Não há registros de crianças com essa doença.
Para tratar do TP, uma terapia cognitivo-comportamental (nome dado à psicoterapia estruturada, direta e de curta duração) é fundamental – em 80% dos casos, ela sozinha já leva o paciente à cura. Em geral, o tratamento psicoterapêutico abrange a exposição a sensações físicas de pânico; quando os pacientes descobrem que elas não representam o fim do mundo, ganham condições de enfrentá-las com sucesso. Casos mais graves podem exigir uma associação com medicamentos.
O medo irracional
Diferentemente do TP, no qual não há estímulos externos, a fobia é um sentimento de temor ou pânico desproporcional em relação a certos eventos, atividades ou objetos. Essa sensação impede que a pessoa avalie a situação de forma realista e, embora perceba que o medo é exagerado, ela não consegue evitar a ansiedade. Os sintomas desaparecem quando o estímulo deflagrador do acesso some de vista.
Considera-se que cerca de 10% da população mundial sofre de fobias específicas. Há fobias em relação aos mais variados objetos ou situações – até mesmo alguém fantasiado de Papai Noel pode causar uma experiência do gênero.
Os casos mais frequentes envolvem cachorros, água, lugares fechados, alturas, elevadores, escadas rolantes, túneis, dirigir carros, voar de avião e ferimentos com sangue. A ocorrência do problema é aparentemente ilógica: uma pessoa acometida de fobia pode ser, por exemplo, uma exímia montanhista e não conseguir entrar num elevador para ir ao 4º andar.
Essa contradição traz derivações na fase adulta: mesmo percebendo que esses temores não são racionais, o indivíduo pode ter acessos de pânico ou de ansiedade severa ao ficar diante do motivo da fobia, ou simplesmente ao pensar nele.
Não se sabe exatamente quais são as causas das fobias específicas, embora também nesses casos a genética tenha seu papel. Elas aparecem mais frequentemente na infância e na adolescência, e tendem a prosseguir na fase adulta. A incidência em mulheres é duas vezes superior à observada nos homens.
Em diversos casos, o elemento deflagrador da fobia é encontrado tão raramente pela pessoa que um tratamento pode ser dispensável. Quando o caso passa a afetar a vida pessoal e profissional, porém, é hora de procurar atendimento adequado. Em geral, a psicoterapia já é suficiente para resolver o problema.
A vida em sociedade como ameaça
A fobia social (também conhecida como desordem de ansiedade social) é uma variante das fobias relativa a eventos sociais. Os motivos deflagradores da crise podem ser tão triviais quanto uma conversa com uma pessoa recém-apresentada ou o ato de escrever num quadro-negro diante dos colegas de classe. As pessoas que sofrem desse mal sentem um temor intenso e crônico de serem observadas e julgadas por outras.
A sensação de medo em relação a essas situações pode ir de dias a semanas, o que em geral acarreta sequelas na vida pessoal, nos estudos e no trabalho, e leva a pessoa a isolar-se. Em certos casos, o número de situações motivadoras da crise eleva-se tanto que a vida social passa a ser restrita aos familiares e amigos mais próximos.
A pessoa acometida pela fobia social fica muito ansiosa antes do evento indesejado, extremamente desconfortável ao longo dele e preocupada com o julgamento dos outros durante várias horas depois. Outros sintomas comuns a esse problema são sudorese, tremores, náusea, rubor na face e dificuldades para falar.
A fobia social normalmente aparece na infância ou no início da adolescência, e também demonstra ligação com fatores hereditários. Estima-se que entre 7% e 13% da população apresentem o problema. Em termos de gênero, esse distúrbio é mais democrático: as proporções de casos em homens e mulheres são semelhantes. Como o transtorno pode ser facilmente confundido com a timidez, há um risco de tentar superar a situação problemática recorrendo-se ao álcool e a outras drogas. A psicoterapia, em alguns casos aliada a remédios, consegue eliminar o mal.