Comandado por Lula, encontro de líderes nesta quinta-feira tenta emplacar fundo de investimento para florestas. Reunião marca início de negociações climáticas antes da COP30.Quando chefes de Estado desembarcarem em Belém do Pará para o Encontro dos Líderes, nesta quinta-feira (06/11), vão sentir um calor mais intenso do que o normal. Os 31°C esperados para o dia superam a média histórica de 27,4°C para o mês, calculada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

A subida nos termômetros em todo o planeta – e seus impactos devastadores – acontece pouco antes da abertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, marcada para iniciar dia 10. Neste ano, o presidente anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva precisou antecipar a agenda por conta da crise de hospedagem na cidade sede.

Depois do risco de cancelamento da participação de diversos países por conta dos preços exorbitantes, 143 delegações confirmaram presença, e 57 delas virão com representantes máximos.

A vinda dos líderes antes da abertura oficial das negociações e o que eles dirão ao mundo ao fim do encontro vai dar o tom do que a diplomacia vai priorizar em Belém. Não se pode fugir da conta cara da adaptação às mudanças climáticas, opina Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.

“Se não tiver ajuda global para que se possa dar respostas locais para o problema da mudança do clima, os países vulneráveis vão continuar pagando o maior preço e o maior custo”, declarou a ministra numa coletiva de imprensa em Brasília antes de seguir para a COP30, em Belém.

Rumo ao trilhão

O tópico quente da rodada será o financiamento climático. Numa madrugada fria de Baku, no Azerbaijão, ano passado, a negociação da COP29enterrou de vez um antigo objetivo – nunca atingido – fechado em 2015 no Acordo de Paris. Em vez dos 100 bilhões de dólares anuais prometidos naquela ocasião, o que passaria a vigorar seria um novo sistema, a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG, na sigla em inglês).

Mas o montante anunciado causou revolta em quem acompanhava o desfecho. No documento final, países desenvolvidos se comprometeram a disponibilizar 300 bilhões de dólares por ano até 2035 para os menos desenvolvidos lidarem com as mudanças climáticas. O mínimo necessário, segundo estimativas de especialistas, é de 1,3 trilhão de dólares anuais.

Desde então, um grupo de diplomatas vem tentando traçar o roteiro para este dinheiro aparecer. Ele foi apresentado nesta quinta-feira no relatório intitulado Baku to Belém Roadmap to 1,3T, liderado pelo embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, presidente da COP30, e Mukhtar Babayev, que exerceu a função em seu país, Azerbaijão, na COP29.

Com 81 páginas, o documento conclui: é possível. E aponta os princípios básicos para mobilizar essa soma de recursos por ano: aumento de doações e financiamentos; criação de espaço fiscal que possibilite até aos países trocarem suas dívidas por investimento na natureza; uso de finanças privadas; reforma dos sistemas financeiros com inclusão de riscos climáticos em regulações.

Agora resta saber o quanto o documento vai influenciar as conversas entre chefes de Estado e, depois, entre negociadores, para que o roteiro sugerido saia do papel.

“Muitos dos negociadores estão recebendo o relatório agora, ainda não o leram e, portanto, não podem negociar nada especificamente. Mas, se decidirem fazê-lo, poderão dar orientações sobre como desejam levar o processo adiante, e nós faremos consultas para ouvir deles o que querem fazer”, respondeu Ana Toni, CEO da COP30, à DW durante uma coletiva de imprensa.

Com esse dinheiro em mãos, diz o relatório, a prioridade deve ser investir na adaptação, perdas e danos provocados pelas mudanças climáticas. Geração de energia limpa, conservação e restauração da natureza, crédito rural e incentivos para agricultura resiliente, transição justa com inclusão social são os outros pontos destacados.

Mesmo que este dinheiro realmente apareça, não há garantia de que ele chegue facilmente a quem mais precisa. “Os países vulneráveis enfrentam barreiras de acesso, devido à burocracia e exigências de credenciamento de instituições financeiras”, lembra Marina Guião, analista de política climática do Instituto Laclima, em entrevista à DW.

Uma longa briga por dinheiro

A COP acontece no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), criada durante a histórica Rio-92 ou ECO-92. Naquele ano, Fernando Collor ainda era presidente e líderes como ​​George Bush (EUA), François Mitterrand (França) e Fidel Castro (Cuba).

Ali já ficou estabelecido que as nações ricas são as responsáveis históricas pelo aquecimento do planeta, cujos impactos ainda pareciam projeções futuras. Foram esses países os primeiros a queimar combustível fóssil em grande quantidade para ampliarem suas economias, na esteira da Revolução Industrial.

Isso criou as bases para o aconteceu em 1997 no Protocolo de Kyoto, quando surgiu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Segundo ele, países ricos podiam financiar projetos limpos s em países do Sul global em troca de créditos de carbono. Os créditos, por sua vez, eram comprados para que os países poluidores abatessem suas emissões e atingissem a meta estipulada pelo protocolo.

Pouco mais de dez anos depois, em 2009, as negociações travadas ao longo da COP15, em Copenhague, renderam pelo menos uma esperança. Costurado com a ajuda de chefes de Estado como Barack Obama (EUA), Lula, Wen Jiabao (China) e Jacob Zuma (África do Sul), um acordo prometia 100 bilhões de dólares por ano até 2020 que pagaria pela adaptação dos mais vulneráveis. Nunca foi cumprido.

“Os fundos climáticos devem passar por revisão de governança, captação e transparência durante a COP30. Os países devem analisar o relatório Baku to Belém, repensar critérios, como ampliar a base de doadores e contabilizar aportes via bancos multilaterais”, comenta Tatiana Oliveira, da ONG WWF Brasil, mencionando ainda o Fundo de Perdas e Danos, criado na COP28, em Dubai.

Almoço com florestas no cardápio

Em Belém, Lula oferecerá um almoço aos líderes com um item especial a ser discutido: Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Idealizado pelo Brasil, a iniciativa quer reconhecer com dólares quem protege suas florestas, importantes para conter a crise climática.

O arranjo da iniciativa é considerado inovador. Ele é inspirado em instrumentos de investimento soberano, não em doação direta, e é uma das “entregas” aguardadas desta COP30. O TFFF pretende mobilizar 125 bilhões de dólares, com aportes iniciais de 25 bilhões de fundos soberanos. Para quem investir, a expectativa de retornos anuais é na casa dos 4 bilhões de dólares.

“Esses ganhos seriam distribuídos entre os investidores e uma parte para os países detentores de florestas, de modo a recompensar financeiramente a preservação ambiental”, explica Guião.

Como está fora do âmbito das negociações formais da COP, o TFFF traz uma maior flexibilidade para atrair novos doadores e investidores privados, adiciona a analista. O Brasil garante que os investidores irão recuperar o montante investido e terão remuneração compatível com as taxas médias de mercado.

Segundo Oliveira, o TFFF é “bem-visto” por organizações ambientais por propor um arranjo mais equitativo entre Norte e Sul, tanto na captação quanto na alocação dos recursos. Ela destaca que o mecanismo prevê a destinação de até 20% dos recursos para povos indígenas e comunidades tradicionais.

“Grupos indígenas do Brasil e de outras regiões participaram ativamente do processo de negociação e chegaram a um acordo com representantes do mecanismo e do Banco Mundial, que vai operacionalizar os recursos do fundo”, elogia Oliveira.

“Banheira furada”

À medida que a crise do clima se agrava e as temperaturas sobem, a disputa pelo dinheiro aumenta. Há uma grande pressão para que os países desenvolvidos aumentem seus aportes, e eles têm dado várias desculpas para não o fazer, como problemas fiscais internos e turbulência política.

Aliviar a histórica tensão Norte x Sul deve ser uma das prioridades do presidente do Brasil, que tem falado sobre o complexo contexto geopolítico e a importância do multilateralismo global.

Na avaliação de Gustavo Souza, diretor sênior de políticas públicas e incentivos da Conservação Internacional (CI-Brasil), os velhos fundos e sistemas de financiamento climático carregam problemas estruturais.

“A gente está tentando encher essa ‘banheira’ com novos recursos, mas ao mesmo tempo é uma banheira furada, porque toda a estrutura de subsídios que estão causando danos ambientais e sociais continua aí”, explica.

É preciso atrair novos investimentos sustentáveis e redirecionar aqueles que financiam a destruição ambiental, defende Souza, realocando esses recursos na conservação e uso sustentável dos ecossistemas, fechando de uma vez por todas a torneira do dinheiro que vai para atividades econômicas que promovem o desmatamento e a degradação.