16/03/2020 - 13:28
Uma equipe internacional de pesquisadores de Estados Unidos, México e Canadá descobriu a capital há muito perdida de um antigo reino maia no quintal de um pecuarista mexicano. Liderados pelo professor associado de antropologia Charles Golden, da Universidade Brandels, e pelo bioarqueólogo Andrew Scherer, da Universidade Brown (ambas dos EUA), os cientistas começaram a escavar o local em junho de 2018. Eles publicaram os resultados de suas pesquisas em dezembro na revista “Journal of Field Archaeology”.
Entre suas descobertas está uma valiosa coleção de monumentos maias, um dos quais tem uma inscrição importante que descreve rituais, batalhas, uma serpente mítica da água e a dança de um deus da chuva. Os pesquisadores também encontraram restos de pirâmides, um palácio real e uma quadra do jogo de bola.
Vacas pastavam na área enquanto os cientistas trabalhavam. Garantir que os animais não pisassem na escavação, caíssem em poços profundos ou sujassem a área de trabalho com esterco era um desafio diário.
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Os pesquisadores acreditam que o sítio arqueológico, chamado Lacanja Tzeltal para a comunidade moderna próxima, era a capital do reino Sak Tz’i’, localizado no que é hoje o estado de Chiapas, no sudeste do México. Provavelmente foi estabelecido pela primeira vez em 750 a.C. e depois ocupado por mais de 1.000 anos.
Referências múltiplas
Os acadêmicos procuram evidências de Sak Tz’i’ desde 1994, quando identificaram referências a ele em inscrições encontradas em outros locais de escavação maia. O reino também é mencionado em esculturas alojadas em museus ao redor do mundo.
Sak Tz’i’ não foi de modo algum o mais poderoso dos reinos maias, e seus remanescentes são modestos em comparação com os locais mais conhecidos de Chichén Itzá e Palenque, nas proximidades. Para Golden, porém, encontrar Sak Tz’i’ ainda é um grande avanço em nossa compreensão da política e cultura maias antigas. Ele comparou isso a tentar montar um mapa da Europa medieval a partir de documentos históricos e ler sobre um lugar chamado França. Essencialmente, os pesquisadores localizaram a França. “É uma peça muito grande do quebra-cabeça”, disse Golden.
Em junho de 2014, em busca de um tópico de dissertação, o estudante da Universidade da Pensilvânia Whittaker Schroder, que trabalhou no projeto de Golden, dirigiu por Chiapas olhando escavações arqueológicas. No final de sua estada, um homem que vendia carnitas (tipo de carne de porco) na beira da estrada começou a acenar para ele enquanto passava. Schroder pensou que queria que ele comprasse sua comida. Vegetariano, ele continuou.
Autenticidade confirmada
Finalmente, um dia antes de sua partida, Schroder decidiu que não tinha nada a perder e encostou. Na verdade, o homem não estava interessado em vender seu produto a Schroder. Ele disse ao americano que seu amigo havia descoberto uma antiga tábua de pedra. Ele sabia que Schroder, que fazia pesquisas na área há vários anos, estava interessado nos maias. O aluno de pós-graduação gostaria de vê-lo?
No dia seguinte, Schroder e outro estudante de graduação, Jeffrey Dobereiner, da Universidade Harvard, encontraram-se com o amigo do vendedor, um fazendeiro de gado, dono de loja de conveniência e marceneiro, e confirmaram a autenticidade do tablete. O fazendeiro então passou o caso para Golden e Scherer.
Foram necessários mais cinco anos para negociar a permissão para escavar na propriedade. No México, o patrimônio cultural, como os antigos sítios maias, é considerado propriedade do estado, de modo que o fazendeiro temia que sua terra fosse confiscada pelo governo. Golden e Scherer trabalharam com ele e funcionários do governo para garantir que isso não acontecesse.
Vida cotidiana
O reino de Sak era relativamente pequeno, abrangendo o que é hoje a fronteira entre México e Guatemala. Não se sabe por que ele era chamado Sak Tz’i’ (“cachorro branco”).
Os plebeus viviam no campo cultivando uma grande variedade de vegetais e fazendo ferramentas de cerâmica e pedra. Os pesquisadores descobriram os restos do que provavelmente era o mercado da cidade, onde esses produtos eram trazidos para ser vendidos.
Os moradores do reino também iam à cidade para assistir a jogos cerimoniais de bola, nos quais os jogadores mantinham uma bola de borracha sólida, às vezes pesando cerca de 9 quilos, saltando para a frente e para trás ao longo de um campo de jogo estreito usando seus quadris e ombros.
No extremo nordeste da cidade estão as ruínas de uma pirâmide de 10 metros de altura e várias estruturas circundantes que serviam como residências de elite e locais para rituais religiosos.
O centro da atividade religiosa e política era a “Plaza Muk’ul Ton”, ou Praça dos Monumentos, um pátio de cerca de 6 mil metros quadrados onde as pessoas se reuniam para cerimônias. Uma escada ligava a praça a uma plataforma imponente, onde templos e salas de recepção foram organizados e os membros da família real eram reverenciados e podem ter sido enterrados.
Guerra e paz
Sak Tz’i’ teve a infelicidade de estar cercado por todos os lados por estados mais poderosos. Para os habitantes da capital e do campo, isso significava a ameaça perpétua de guerra e violentas interrupções da vida cotidiana.
Os pesquisadores encontraram evidências de que a capital estava cercada de um lado por rios de paredes íngremes. Por outro lado, muros de alvenaria foram construídos para impedir invasores. Essas fortificações, porém, nem sempre foram eficazes. As inscrições em um monumento contam uma época em que pelo menos uma parte da cidade foi incendiada durante um conflito com os reinos vizinhos.
Por fim, a sobrevivência de Sak Tz’i’ pode ter dependido tanto de sua capacidade de fazer as pazes com seus vizinhos – e até de jogar um contra o outro – quanto de sua força militar.
Segundo Golden, essa é uma das razões pelas quais Sak Tz’i’ atrai tanto o interesse dos pesquisadores. Pouco se sabe sobre como os reinos maias de tamanho médio manobraram e conseguiram persistir diante das hostilidades constantes de reinos mais poderosos.
Monumentos de Sak Tz’i’
Até agora, dezenas de esculturas foram encontradas entre as ruínas no local de Sak Tz’i’, embora muitas tenham sido danificadas por saqueadores ou degradadas ao longo dos milênios por chuva, incêndios florestais e vegetação tropical exuberante. Mas a escultura mais bem preservada é a originariamente mostrada a Schroder pelo vendedor de carnitas.
As inscrições nesse tablete de aproximadamente 61 por 122 centímetros contam histórias sobre uma serpente aquática mítica, descrita em dísticos poéticos como “céu brilhante, terra brilhante”, e vários deuses idosos e de fisionomia dura cujos nomes não são dados. Há também relatos da vida de governantes dinásticos.
Outra inscrição fala de um dilúvio mítico, e entre as demais há uma lista de prováveis datas históricas para os nascimentos e batalhas de vários governantes, incluindo um rei chamado K’ab Kante.
Esse entrelaçamento de mito e realidade é típico das inscrições maias e tinha um significado especial para escribas e leitores antigos.
No fundo da tábua há uma figura real dançando. Os maias acreditavam que a realeza poderia se tornar una com as divindades, ou mesmo se transformar em um deus. Nesse caso, o governante está vestido como o deus da chuva associado a violentas tempestades tropicais, Yopaat.
Na mão direita, ele carrega um machado que é o raio da tempestade, o qual tem um aspecto deificado chamado K’awiil. Na mão esquerda, a figura carrega uma espécie de manopla de pedra ou cacete usada em combate ritual.
Próximos passos
Com a permissão do governo mexicano e da comunidade local, os pesquisadores planejam retornar a Sak Tz’i’ no início do verão no hemisfério norte. Eles continuarão mapeando a cidade antiga usando, entre outras ferramentas, a técnica lidar (detecção e alcance da luz), pela qual um localizador a laser é montado em um avião ou drone para revelar a arquitetura e a topografia, mesmo sob a densa copa da floresta.
Os membros da equipe pretendem estabilizar edifícios antigos em risco de colapso e documentar ainda mais essas esculturas entre as ruínas. Eles também explorarão ainda mais a área que acreditam ser um mercado, na esperança de encontrar mais evidências dos produtos vendidos lá e oficinas onde foram feitas ferramentas de pedra e outros produtos.
Golden diz que os cientistas estão dando atenção especial ao trabalho em estreita colaboração com a comunidade local. “Para ser verdadeiramente bem-sucedida”, disse ele, “a pesquisa precisará revelar novos entendimentos dos antigos maias e representar uma colaboração localmente significativa com seus descendentes modernos”.