Às vésperas da celebração dos 75 anos do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, chanceler federal alemão se emociona ao discursar sobre a situação da comunidade judaica no país.O chanceler federal alemão, Friedrich Merz, lutou para conter as lágrimas durante um discurso emocionado na cerimônia de reabertura de uma sinagoga em Munique na noite de segunda-feira (15/09).

Em uma fala que muitas vezes beirava o pranto, Merz aproveitou a ocasião para abordar a questão da segurança reforçada de eventos como este. “Os serviços religiosos que serão realizados aqui a partir de hoje, os eventos culturais – todos, sem exceção, acontecerão sob proteção policial. Em toda a Alemanha, a polícia está posicionada em frente a creches, escolas, restaurantes e cafés judaicos. O antissemitismo nunca desapareceu da Alemanha”, afirmou o chanceler.

Ele também enfatizou a “vergonha” que sente diante da situação vivida pelos judeus no país – “como chanceler da República Federal da Alemanha; como alemão; como filho da geração do pós-guerra”.

Primeiro discurso de Merz em uma sinagoga

Merz discursou a convite da comunidade judaica local. Inaugurada originalmente em 1931 e severamente danificada pelos nazistas em 1938, a sinagoga na rua Reichenbachstrasse, na capital bávara, reconta um dos pequenos, porém significativos capítulos da longa história do judaísmo na Alemanha, quase extinto sob o regime de Adolf Hitler e agora de volta em toda sua diversidade.

Foi a primeira vez que Merz, de 69 anos, discursou em uma sinagoga desde que foi eleito chanceler. Poucas semanas após o ataque terrorista e o assassinato em massa do Hamas em Israel, em 7 de outubro de 2023, ele e muitos outros políticos visitaram a sinagoga da rua Brunnenstrasse, em Berlim. Mesmo dias após o ataque terrorista, ele já havia visitado a escola secundária judaica no bairro berlinense de Mitte, ato que repetiria cinco meses depois.

Posteriormente, Merz também se mostrou visivelmente consternado com o medo de estudantes judeus diante da crescente ameaça de ataques antissemitas no país.

Antissemitismo em ascensão

Em Munique, ele começou seu discurso cumprimentando os membros mais antigos da comunidade judaica da cidade, incluindo Charlotte Knobloch, 92, e Josef Schuster, 71, presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha.

Merz não tardou a abordar o “crime contra a humanidade da Shoá”. O termo hebraico é usado para se referir ao Holocausto ou, nas próprias palavras de Merz, à “tentativa de extermínio sistemático e industrializado do povo judeu”.

Ele falou ainda sobre a “nova onda de antissemitismo, em velhas e novas formas, flagrante e mal disfarçada, em palavras e ações, nas redes sociais, nas universidades e em espaços públicos”.

“Por muito tempo, na política e na sociedade, nós fechamos os olhos para o fato de que algumas das pessoas que vieram para a Alemanha nas últimas décadas foram socializadas em seus países de origem onde o antissemitismo é praticamente uma doutrina de Estado e o ódio a Israel é incutido nas crianças”, continuou.

Com a voz embargada, o chanceler alemão parafraseou a historiadora e filósofa judaico-alemã Hannah Arendt (1906-1975), afirmando que um mal tão radical, como Arendt o descreveu, “simplesmente não deveria ter acontecido entre nós, humanos”.

Dois discursos em 48 horas

Este foi o primeiro de dois discursos de Merz sobre a situação da comunidade judaica na Alemanha em 48 horas. Nesta quarta-feira (17/09), às vésperas do Ano Novo Judaico no dia 22, o chanceler alemão será o orador principal de um evento em Berlim para celebrar os 75 anos do Conselho Central dos Judeus no país.

Um intervalo tão curto entre dois discursos de um chefe de Estado sobre o mesmo tema é algo raro. Mas talvez Merz o considere necessário. O 75º aniversário da entidade, afinal, acontece em um momento em que o antissemitismo está em alta no país.

“Identificar-se abertamente como judeu, usando uma kipá ou Estrela de Davi, tornou-se problemático em vários bairros de Berlim”, disse Josef Schuster, presidente do Conselho Judeu, em entrevista à DW antes da celebração. Em grandes cidades, como Frankfurt, a situação é especialmente complicada, acrescenta.

Para marcar o aniversário do Conselho Central, foi escolhido Museu Judaico na capital alemã.

Projetado pelo renomado arquiteto Daniel Libeskind, o edifício em forma de zigue-zague simboliza as rupturas na vida judaica na Alemanha. Inaugurado há 24 anos, o museu expõe as tradições do judaísmo alemão, entre a vida cotidiana e a destruição do Holocausto, entre a ameaça e a continuidade.

Este mesmo edifício, um dos museus mais visitados da Alemanha, também está sujeito a rígidas medidas de segurança. Na entrada, por exemplo, todos os visitantes precisam passar por um controle semelhante ao empregado em aeroportos. Essa é a realidade dos judeus na Alemanha, inclusive em muitas sinagogas.

Avanços estruturais para a comunidade judaica

O Conselho Central foi fundado em julho de 1950, anos após o restabelecimento de várias comunidades judaicas no país. Judeus que sobreviveram ao Holocausto deram esse passo imediatamente após o fim da guerra em 1945, mas durante anos não estava claro se a vida judaica se enraizaria novamente na Alemanha, o país dos agressores. Do lado judeu, houve controvérsia.

Hoje, de acordo com Schuster, há “uma vida judaica muito dinâmica por toda a Alemanha, de Flensburg [no norte] a Munique [no sul], de Aachen [no oeste] a Cottbus [no leste]”.

Estimativas sugerem que vivam na Alemanha até 250 mil judeus, quase metade dos quais pertence a uma das 105 congregações judaicas do país.

Nos últimos anos, o Conselho Central foi responsável por alguns progressos estruturais para a comunidade judaica na Alemanha, incluindo a abertura e/ou reabertura de várias sinagogas.

Há três anos, a Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) também conta com seu primeiro Rabino Militar Federal e capelania judaica. Para 2026, está programada a inauguração de uma “Academia Judaica” em Frankfurt am Main.

Diante disso tudo, “poderíamos pensar que está tudo bem”, disse Schuster à DW. “A vida judaica está florescendo. De certa forma, isso é verdade. Mas por outro lado, não. Isso porque, especialmente desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas atacou Israel, infelizmente também temos vivenciado um aumento do antissemitismo e do ódio contra os judeus na Alemanha.”

Críticas por posicionamento crítico a Israel

Nas últimas semanas, Merz tem sido criticado por se distanciar cada vez mais do governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e pela decisão de suspender parcialmente as exportações de armas para Israel.

A medida recebeu críticas não só de Tel Aviv como também dentro do próprio partido de Merz, a conservadora CDU, além de representantes individuais de algumas comunidades judaicas e na mídia.

Enquanto isso, a tensão permanece no ar. Questionado se deveria haver uma maior distinção entre o governo Netanyahu, o Estado de Israel e os judeus na Alemanha, Schuster é categórico: “Certamente”. Para ele, é “claramente errado” equiparar as ações de um governo em Israel às dos judeus em todo o mundo.