01/05/2012 - 0:00
As estatísticas são deprimentes. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, uma em cada cinco pessoas no mundo sofre de depressão em algum momento da vida. Segundo projeções da própria OMS, essa será a doença mais comum no planeta até 2030.
Anunciada como o “mal do século”, a depressão ataca pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e classes sociais e não se inibe nem diante da arquetípica alegria brasileira. Um mapeamento mundial realizado pela OMS em 2011, baseado em pesquisas com 89 mil pessoas de 18 países, revela que o Brasil apresentou a maior taxa de prevalência da doença nos últimos 12 meses frenéticos.
Nada menos do que 18,4% dos brasileiros entrevistados disseram ter tido pelo menos um episódio de depressão durante a vida, ficando atrás somente dos 21% da França e dos 19,2% dos Estados Unidos. Os dados brasileiros foram coletados na região metropolitana de São Paulo, o que sugere que a capital paulistana é uma espécie de meca da depressão nacional.
A melhor forma de combater o panorama angustiante custa bem mais barato do que sugere a indústria farmacêutica. Estudos indicam que “suar a camisa” é um ótimo método para prevenir e remediar a doença. “A prática regular de exercícios físicos aeróbicos de nível moderado é um método eficaz para prevenir a depressão e manter uma boa qualidade de vida, além de ajudar no tratamento da doença”, sustenta o psiquiatra Marco Aurélio Monteiro Peluso, pesquisador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Infelizmente, boa parte dos médicos prefere potencializar a ação dos antidepressivos a substituí-los por esportes. Mas existem estudos que fornecem evidências desse equívoco. Há 12 anos, médicos da Universidade Duke, nos Estados Unidos, desenvolvem a pesquisa Exercice and Pharmacotherapy in Patients with Major Depression analisando os testes de 202 pacientes sedentários com depressão grave. Para tanto, os participantes foram divididos em quatro grupos: medicados com antidepressivos à base de sertralina (50-200 mg diários), os que fazem exercícios com supervisão, os que se exercitam em casa e os que tomam placebo (sem saber). No relatório de dezembro de 2010 os pesquisadores comprovaram que aqueles que realizaram exercícios físicos obtêm melhora nos sintomas praticamente nas mesmas proporções do grupo tratado com antidepressivo à base de sertralina (50-200 mg diários).
Após 16 semanas de tratamento, 47% dos medicados, 45% dos que fizeram exercícios com supervisão, 40% dos que se exercitaram em casa e 31% dos que tomaram placebo não se enquadravam mais no diagnóstico de depressão. Quem manteve a constância dos exercícios físicos apresentou ainda menos propensão a recaídas um ano depois de iniciado o tratamento, quando 172 dos participantes passaram por nova avaliação.
A explicação está na química cerebral. A neurologia indica que a origem dos quadros depressivos deriva do desequilíbrio do nível de neurotransmissores (as moléculas que viabilizam a comunicação entre os neurônios) como a serotonina, dopamina, noradrenalina e endorfina, que regulam o humor e outras funções do corpo. Com a prática de exercícios físicos aeróbicos, o corpo produz endorfina, gerando sensação de bem-estar.
Dose certa
Assim como a dose certa da medicação adequada depende do acompanhamento de um profissional, o mesmo se faz necessário para encontrar os exercícios físicos na forma e na quantidade certas para evitar a depressão ou produzir resultados benéficos em pacientes depressivos.
Embora vários estudos tenham experimentado diferentes alternativas, ainda não existem respostas definitivas quanto ao tipo, à intensidade e à frequência a ser aplicada, seja em esporte competitivo ou recreativo, em grupo ou individual, ao ar livre ou em ambiente fechado.
A meta-análise realizada em 2011 por Daniel M. Landers, da Universidade do Estado do Arizona (Th e Influence of Exercice on Mental Health), combinou estatisticamente cerca de 100 pesquisas sobre o tema e apontou que os melhores resultados foram obtidos após nove semanas de práticas de longa duração, de intensidade moderada ou maior, realizadas várias vezes por semana.
Além do gênero, da idade e do condicionamento físico, é fundamental levar em conta os gostos dos pacientes. Caso contrário, é muito provável que não surja motivação para manter a regularidade das atividades. No caso dos pacientes já diagnosticados com a doença, a desmotivação pode até acarretar aumento da sensação de incapacidade por não conseguir cumprir a atividade, levando à complicação do quadro.
Os excessos, por sua vez, também podem causar efeito inverso. “Entre os atletas de elite, que desafiam o próprio corpo para se superar e melhorar o desempenho, é possível encontrar um quadro depressivo causado pelo excesso de exercício, conhecido como overtraining”, explica Marco Aurélio Peluso.
Se o treinamento físico não for levado ao extremo, sua vantagem sobre as opções farmacêuticas é a ausência de contraindicação e efeito adverso. As pessoas que fazem atividade física regular mantêm um estado de humor mais elevado que os sedentários. Ao mesmo tempo, combatem problemas cardíacos, de diabetes e de pressão, que também estão entre as enfermidades mais comuns da atualidade.
Já entre os antidepressivos e estabilizadores de humor, a lista de efeitos colaterais é extensa. Quando o Prozac – “a pílula da felicidade” – surgiu, na década de 1980, seu principal diferencial foi a redução dos efeitos colaterais. Desde então, os avanços nessa categoria de medicamento seguiram pela mesma linha ou alcançaram maior rapidez nos resultados, mas não aumentaram os níveis de eficácia. Ainda hoje causam desde náuseas até perda da libido.
Entre os mais vendidos estão as classes de ansiolíticos e hipnóticos, que agem em doenças associadas à depressão, como ansiedade e insônia (caso do Rivotril e do Lexotan, por exemplo). Estes costumam causar dependência químico-emocional – já que, tratando-se de temas psiquiátricos, fica bem mais difícil separar uma coisa da outra.
Pressão publicitária
Se a eficácia dos medicamentos ainda é questionável, sobre as propagandas superlativas da indústria farmacêutica não pairam dúvidas. Nos últimos quatro anos – de fevereiro de 2008 a fevereiro de 2012 –, a quantidade de antidepressivos e estabilizadores de humor vendidos no Brasil cresceu mais de 60%, chegando a quase 40 milhões de unidades. Em valores, representou um aumento de cerca de 125% no faturamento das fabricantes desses produtos, alcançando R$ 1,65 milhão, segundo dados do IMS Health, instituto de pesquisa que realiza auditoria do mercado de medicamentos.
O aumento do uso desse tipo de medicação também pode estar associado ao aumento do diagnóstico da doença. Muitos aspectos da vida moderna contribuem para a disseminação da sensação de fadiga, tristeza e desinteresse pelos pequenos empenhos cotidianos ou até mesmo pela própria vida. As pessoas já não têm rotinas que incluam formas naturais de se exercitar, como era comum quando o acesso ao carro era restrito e grande parte da população trabalhava no campo. O apelo imediatista e a quase obrigatoriedade de felicidade constante dos tempos atuais contribuem ainda mais para a adoção dos antidepressivos, que prometem solução fácil e quase instantânea.
“Se a questão fosse escolher o método pela rapidez dos resultados e a eficácia oferecida, talvez a melhor opção fosse a eletroconvulsoterapia, mais conhecida como eletrochoque. Aplicada conforme as técnicas modernas, essa prática já não tem mais nada a ver com castigo ou maus-tratos, como era vista antes. Estudos recentes garantem que as taxas de resposta da eletroconvulsoterapia tendem a ser mais altas que as dos antidepressivos”, observa Peluso.
O psiquiatra alerta, entretanto, que não é fácil acertar o diagnóstico da depressão. Além da experiência e da sensibilidade pessoal, os profissionais da saúde contam com dois “manuais” para dar suporte à sua decisão: o Código Internacional de Doenças (CID- 10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, na sigla em inglês). Este último, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, vai para a quinta revisão, programada para 2013, e pode chegar a incluir o luto entre os quadros depressivos. Uma questão polêmica, já que até agora a tristeza gerada pela perda de um ser querido era considerada normal.
O grande dilema dos profissionais da saúde é que, mais arriscado do que recomendar antidepressivo para quem não se enquadra exatamente no caso, deixar sem medicação uma pessoa que precise dela pode ser pior, já que os quadros mais graves da doença podem levar ao suicídio. Sem os psicofármacos, fica mais difícil para o paciente encontrar ânimo e disposição para dar os primeiros passos e reagir contra a doença incapacitante da depressão, que leva ao abandono das tarefas domésticas, do trabalho e da interação social. Para não se deixar deprimir com perspectivas negativas, é crucial exercitar-se a fim de manter a boa forma física e mental.
MANUAL DO INICIANTE
Comece aos poucos – Mesmo que sejam cinco minutos, não deixe de começar a se exercitar e a abrir mais espaço na agenda para os exercícios.
Use o que tiver disponível – Suba e desça as escadas do prédio, corra na rua, na praça ou no parque, ou caminhe com o seu cachorro.
Escolha exercícios agradáveis – É importante gostar do exercício para ter sensação de bem-estar e também motivação para mantê-lo.
Encontre uma companhia – Convide os amigos e parentes para se exercitarem com você. Desenvolva também a sociabilidade.
Incorpore ao cotidiano – Não abandone nunca a prática diária de atividade física, de preferência aeróbica.