13/03/2025 - 18:36
Atividade ocupa 64% das terras usadas pelo agro no Brasil, mas gera 17% do valor bruto do setor. Cerco ao desmatamento é vital para aumento da produtividade, aponta pesquisa.De tudo o que sai do campo no Brasil, nenhuma outra atividade ocupa tanto espaço como a pecuária. Os rebanhos se espalham por 64% da área destinada às atividades rurais, em torno de 2,8 milhões de quilômetros quadrados. É como se ocupassem um pasto equivalente a quase duas vezes o tamanho do estado do Amazonas.
Essa ordem de grandeza não aparece no desempenho econômico. Em 2023, a pecuária contribuiu com 17% do valor bruto da produção deste setor, segundo dados do Ministério de Agricultura e Pecuária. A conta desproporcional aponta a persistência de um problema: o uso pouco eficiente da terra.
“A ineficiência é ainda uma marca da pecuária brasileira”, conclui Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), depois de passar um ano e meio mergulhado em dados para compilar uma pesquisa.
Mas Barreto e sua equipe não querem apenas apontar as falhas. Eles tentam entender quais rumos a expansão da pecuária tomou entre 2000 e 2023, e querem saber quais são os caminhos possíveis para deixar a atividade mais produtiva e com menor impacto ambiental.
Os resultados estão num estudo divulgado nesta quinta-feira (13/03) ao qual a DW teve acesso com exclusividade. Ele faz parte da iniciativa Amazônia 2030, liderada pelo Imazon, em parceria com o Centro de Empreendedorismo da Amazônia, Climate Policy Initiative (CPI) e o Departamento de Economia da PUC-Rio.
A produção agropecuária é uma fonte importante de riqueza para o país. Em 2023, ela gerou R$ 677,6 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e contribuiu com 6,9 % do PIB nacional, que somou R$ 10,9 trilhões.
Avanços, mas com desmatamento
O estudo lista os ganhos registrados ao longo das últimas décadas. De 2000 a 2023, o espaço ocupado por pastos aumentou 5%, enquanto o rebanho cresceu 40%. O volume de carne produzida também deu um salto de 130%.
“A produção de carne por hectare aumentou em 11% no total do Brasil e 13% nos estados da Amazônia Legal”, mostra a pesquisa.
Outros indicadores que medem a produtividade também apontam avanços: aumento da inseminação artificial, do confinamento e melhoria dos pastos. Mas um método “tradicional” e destrutivo continua deixando marcas: o desmatamento para a expansão da produção.
“Se fosse preciso fazer só uma coisa para aumentar a produtividade seria combater o desmatamento. As outras aconteceriam por consequência. Os incentivos para adotar tecnologia para melhorar pasto, sozinhos, não funcionam”, comenta Barreto com base nos dados que levantou.
No período analisado, para cada área de pasto reformado equivalente a um campo de futebol, outro campo de futebol de floresta foi destruído. Na Amazônia, essa relação foi ainda maior: 2,35 campos desmatados para cada um de pasto reconstituído.
“Isso ressalta o papel central da Amazônia na expansão da pecuária de alto impacto ambiental e deficiências para melhoria dos pastos existentes”, afirmam os cientistas que assinam o estudo.
Em todo o Brasil, mais da metade dos pastos (64%) apresenta uma qualidade baixa ou intermediária.
O custo de não ser punido
Derrubar a floresta nativa não é barato na Amazônia. Cálculos feitos pelo próprio Imazon estimam que o fazendeiro desembolse cerca de R$ 1,5 mil para cada hectare de mata cortada. Recuperar pastagem exige um investimento ainda mais alto, que pode variar entre R$ 1,6 mil e R$ 3 mil, mas com ganho em produtividade – o que, no fim das contas, deixa essa opção mais barata para os pecuaristas.
“Infelizmente, muitas vezes o produtor não está capitalizado, e as linhas de crédito não estão necessariamente direcionadas para isso. Então, a lógica adotada por parte do setor é expandir [desmatar] dentro da propriedade para aumentar o rebanho”, analisa Lisandro Inakake, gerente de Projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora, que não participou do estudo.
O crédito rural é uma arma de controle do desmatamento poderosa, mas ainda subexplorada, afirmam os pesquisadores. Apesar de recursos destinados à pecuária terem crescido nos últimos anos, o dinheiro vai majoritariamente para a compra de bois. Quase nada vai para a melhoria da produtividade, como reforma de pastagens e inseminação artificial.
A impunidade também entra nessa matemática. Quando o produtor rural escapa de punições ao destruir a floresta para aumentar a área do pasto, ele vai sempre preferir essa opção.
“Estudos confirmam que, onde houve maior controle ambiental e aplicação de multas, produtores adotaram técnicas para melhorar a produtividade em áreas já abertas, conciliando crescimento agropecuário e conservação florestal”, afirma a pesquisa.
Engajamento da pecuária
Questionada pela DW, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não se manifestou.
Inakake, do Imaflora, afirma que o sistema produtivo da pecuária se profissionalizou bastante ao longo anos, e que há bons exemplos de engajamento do setor em melhorar seu desempenho.
Um exemplo recente é o caso do “boi China”, como ficou conhecida uma exigência particular feita pelo mercado premium chinês a partir de 2015. A demanda era por carne de animais com no máximo 30 meses de idade, e o pagamento oferecia preços até 30% superiores.
Os pecuaristas brasileiros mais organizados responderam prontamente, e as exportações subiram. As vendas para os chineses coincidiram com aumento de área de pastos de alto vigor, redução de pastos de menor qualidade, confinamentos para engorda e a adoção de inseminação artificial, mostra a pesquisa.
“Para conseguirem vender o ‘boi China’, eles recorrem a tecnologias como rastreabilidade, rotação de pastagem, etc. Isso mostra que os produtores se movem também com base nos estímulos do mercado”, comenta o especialista do Imaflora, lembrando que a China é hoje o principal destino da carne brasileira exportada.
Janela curta de oportunidade
A experiência do Brasil já mostrou ao mundo várias estratégias bem-sucedidas que contribuem para o aumento da eficiência e preservação da floresta, como o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e a Moratória da Soja. Juntas, elas ajudaram a reduzir o desmatamento em cerca de 80% entre 2003 e 2012 e impulsionaram técnicas mais produtivas no campo, mostra o estudo.
“Além de tornar a fiscalização ambiental mais eficaz, é necessário destinar terras públicas de acordo com a Constituição para evitar o desmatamento especulativo”, menciona Barreto, fazendo o elo entre grilagem e pecuária.
No fim de 2023, o governo federal lançou um programa específico para pastagens degradadas. A meta é converter 400 mil quilômetros quadrados em áreas produtivas ao longo da próxima década. Mas o agravamento da crise climática é uma ameaça ao setor e se agrava com o passar do tempo.
“Especialmente a redução das chuvas ameaça as oportunidades para o aproveitamento produtivo de pastagens abandonadas. Se a gente não agir rapidamente, a janela para usar a área já degradada fica mais difícil, porque tem regiões secando muito rápido”, afirma Barreto.
Em 2022, a agropecuária e o desmatamento responderam por 77% das emissões brasileiras de gases estufa, mostra um relatório recente publicado pelo projeto Descarbonização e Política Industrial: Desafios para o Brasil, feito pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GIC/IE-UFRJ).