01/01/2011 - 0:00
Com uma extraordinária abundância de espécies em seus rios e florestas, a Amazônia contribui decisivamente para fazer do Brasil um dos países de maior biodiversidade do mundo. Essa riqueza, porém, defronta-se com uma ameaça poderosa: a ocupação e a utilização desordenada dos rios amazônicos. Além de impactarem negativamente os recursos hídricos e a biodiversidade aquática, elas ameaçam a qualidade de vida das populações locais – comunidades ribeirinhas, pescadores artesanais, grupos indígenas e pequenos agricultores, que têm nos recursos naturais uma fonte de subsistência e geração de renda.
A solução para esses problemas requer a participação do governo e da sociedade civil no desenvolvimento de projetos e programas voltados ao manejo integrado dos recursos aquáticos da região. Essas iniciativas devem se basear em estratégias de pesquisa, capacitação, informação e diálogo com os conhecimentos e as práticas culturais locais.
Uma das ações que o governo brasileiro vem implementando nesse sentido é o Projeto Manejo Integrado dos Recursos Aquáticos na Amazônia, ou AquaBio. Desenvolvido em parte das bacias dos rios Negro, Xingu e Tocantins, o AquaBio vem adotando uma abordagem participativa de manejo integrado dos recursos aquáticos nas políticas públicas e programas da Bacia Amazônica, visando à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade aquática. Contando com ações do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e de secretarias estaduais de Meio Ambiente do Amazonas, do Pará e de Mato Grosso, o AquaBio prevê a utilização de US$ 17,131 milhões, oriundos do Fundo Global para o Meio Ambiente e do governo federal, até 2013.
As áreas do projeto compõem uma amostra representativa das várias combinações de ecossistemas aquáticos e problemas que os afetam na Amazônia brasileira. No Rio Negro, as diferentes modalidades de pesca (ornamental, subsistência, esportiva e comercial) têm levado à redução do estoque de algumas espécies e intensificado os conflitos pelo direito à pesca nos últimos anos. Nas cabeceiras do Rio Xingu, a maior parte dos impactos negativos resulta de formas não sustentáveis de uso da terra, como a conversão da vegetação natural em áreas de pasto e a monocultura da soja. Já o Baixo Tocantins sofreu o impacto da hidrelétrica de Tucuruí, que afetou os padrões naturais de enchente-cheia-vazante-seca do rio e, consequentemente, características biológicas das espécies aquáticas, tais como migração, período de desova, disponibilidade de hábitat e itens alimentares.
Os programas para o manejo integrado de recursos aquáticos preparados e implementados pelo AquaBio têm como objetivo gerar experiências replicáveis que possam tornar-se políticas públicas permanentes, com impactos positivos sobre a biodiversidade aquática, reduzindo conflitos entre os usuários dos recursos naturais e melhorando as condições de vida e de trabalho das comunidades locais. Na área de atuação do projeto foram criados comitês municipais de acompanhamento, formados por instituições locais, que têm avaliado os resultados atingidos, os principais conflitos identificados e as lições aprendidas sobre as políticas públicas e os programas desenvolvidos. Essa estratégia vem estimulando um sentimento de responsabilidade e gestão compartilhada entre os usuários dos recursos naturais, representantes de organizações da sociedade civil e técnicos de instituições governamentais ligadas às ações do projeto.
Por meio de várias atividades de capacitação, o AquaBio vem ajudando a preparar moradores locais com papel social relevante para que participem e contribuam ativamente na formulação, no desenvolvimento e no monitoramento de estratégias e programas voltados à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade aquática e dos recursos hídricos nas bacias do projeto. A meta é estimular essas pessoas a levar as perspectivas ambientais locais e o conhecimento tradicional ao processo.
As atividades incluem a realização de seminários, tais como os de legislação ambiental, ordenamento territorial e educação ambiental, além de vários cursos para o desenvolvimento de capacidades, cujos temas incluem manejo participativo de pesca, criação de quelônios, sistemas agroflorestais, recuperação de áreas degradadas e reutilização de resíduos sólidos.
Em 2008 e 2009 foram realizados mais de 20 cursos de capacitação, que beneficiaram cerca de 700 participantes, oriundos de órgãos governamentais, instituições representativas da sociedade civil e comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas. A ideia é outorgar poder aos atores locais, fortalecendo os conhecimentos já existentes e facilitando a obtenção de novos saberes, a fim de melhorar o nivelamento e o acesso à informação e a habilidade para exercer direitos e deveres de cidadania.
As ações do AquaBio reforçam o conceito de desenvolvimento sustentável, pois permitem elevar as oportunidades sociais, contribuem para a diversificação de atividades produtivas e geração de renda e asseguram a conservação dos recursos naturais ao considerar os limites e potenciais do ambiente.
Impactos de Tucuruí
A usina hidrelétrica de Tucuruí, localizada no Estado do Pará, a cerca de 400 quilômetros de Belém, bloqueou o Rio Tocantins em 1974 e inundou 2.850 quilômetros quadrados, alterando radicalmente o ambiente aquático tanto acima quanto abaixo da barragem. Desde então, os moradores da área afetada por ela vêm sofrendo mudanças significativas em sua relação com o ambiente. O trecho do Rio Tocantins afetado por Tucuruí sustentava antes uma indústria de pesca abundante, que fornecia tanto renda monetária como a maior parte da proteína animal para os ribeirinhos. Depois da instalação da hidrelétrica, a captura de peixes na região sofreu uma redução de cerca de 60%. Em consequência disso, o número de pescadores locais também diminuiu de maneira dramática.
A manutenção da vegetação na área inundada para a formação da represa da usina ocasionou a decomposição de matéria orgânica e a liberação de dióxido de carbono e metano, gases que contribuem para o efeito estufa. O alagamento da grande área do reservatório causou também a morte de centenas de animais terrestres e fez subir a população de insetos na região.
À direita, duas atividades ensinadas nos cursos do Aquabio: beneficiamento e conservação do pescado e manejo e criação de quelônios. Abaixo, madeira não manejada, prejuízo para a biodiversidade. Mais abaixo, pesca comercial, causa da redução de estoques de peixes.
Pesca ornamental
Nos últimos 60 anos, a principal atividade econômica dos ribeirinhos da bacia do Rio Negro vem sendo a pesca de peixes ornamentais. Anualmente são pescados, de forma artesanal, em torno de 22 milhões de peixes apenas na região do Médio Negro. As principais espécies capturadas são o cardinal (Paracheirodon axelrodi) e o rodóstomo (Hemigrammus bleheri). O primeiro é a principal espécie ornamental brasileira: dos peixes exportados pelo País, 80% são cardinais. Com quatro centímetros de comprimento, têm um belo colorido, em tons de vermelho, azul e marrom ou verde.
Áreas de atuação
As ações diretas do AquaBio são implementadas em três importantes rios da Amazônia:
Baixo e Médio Negro
Municípios de Novo Airão, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e Manaus, no Amazonas;
Alto Xingu
Municípios de Água Boa, Canarana e Querência, em Mato Grosso;
Baixo Tocantins
Municípios de Abaetetuba, Barcarena, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru, Oeiras do Pará, Cametá, Baião, Mocajuba e Moju, no Pará.
*Marcelo Derzi Vidal, Mestre em , trabalha no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (Cepam/ICMBio).
E-mail: marcelo.derzi.vidal@gmail.com
James Oliveira Bessa, Mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, trabalha no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
E-mail: jdobessa@gmail.com
PARA SABER MAIS
AYRES, J.M. As matas de várzea do Mamirauá. Brasília, DF: CNPq; Tefé, AM: Sociedade Civil Mamirauá, 1995.
FEARNSIDE, P.M. Social Impacts of Brazil’s Tucuruí Dam. Environmental Management 24(4): 485-495. 1999.
RUFFINO, M.L. (Coord.) A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia Brasileira. Manaus: Ibama/ProVárzea, 2004.
