Deputados argelinos aprovaram legislação que visa exigir indenização por mais de um século de colonização francesa. Medida é simbólica, mas ocorre em meio a novas tensões com Paris. Governo francês lamentou aprovação.O Parlamento da Argélia aprovou por unanimidade nesta quarta-feira (24/12) uma lei que estipula que a colonização francesa (1830-1962) foi um crime e exige desculpas e reparações.

O texto legislação visa exigir que a França assuma sua “responsabilidade legal pelo passado colonial na Argélia e pelas tragédias que provocou”.

A aprovação ocorre em um momento de tensão entre a antiga colônia e a ex-metrópole. O Ministério das Relações Exteriores da França criticou a iniciativa como um gesto “claramente hostil” à vontade de uma retomada do diálogo e ao trabalho sobre a memória.

Texto da lei

Nesta quarta-feira, vários deputados com lenços com as cores verde, branco e vermelho – as mesmas da bandeira da Argélia – aplaudiram a aprovação da lei, um gesto simbólico que adiciona mais um elemento à crise diplomática entre os dois países.

O presidente do Parlamento, Brahim Boughali, celebrou a aprovação por unanimidade da lei, que, segundo o texto, enumera “crimes da colonização francesa” considerados imprescritíveis, como “testes nucleares”, “execuções extrajudiciais”, “tortura física e psicológica em larga escala” e “saque”.

O texto da legislação estipula que a Argélia busca “uma indenização completa e justa por todos os danos materiais e morais gerados pela colonização francesa”.

Gesto simbólico, mas com peso político

Hosni Kitouni, pesquisador especializado na história do período colonial da Universidade de Exeter, no Reino Unido, afirmou que, do ponto de vista jurídico, “a lei não tem alcance internacional e não é vinculante para a França”.

“[Mas] é relevante política e simbolicamente porque marca uma ruptura na relação com a França em termos de memória”, acrescentou.

Reação da França

O Governo francês lamentou nesta quarta-feira o que classificou como uma “iniciativa claramente hostil” do parlamento argelino.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França criticou que a legislação tenha sido aprovada apesar do “amplo trabalho” realizado pelo Presidente Emmanuel Macron sobre a memória da colonização e desenvolvido por uma comissão de historiadores franceses e argelinos.

O ministério francês também afirmou que vai continuar a trabalhar para “retomar um diálogo exigente com a Argélia que possa responder aos interesses prioritários de França e dos franceses, em particular as questões de segurança e migratórias”.

A aprovação da lei também num momento em que Paris e Argel continuam mergulhados numa crise diplomática, devido ao reconhecimento pela França, no verão de 2024, da soberania do Marrocos sobre o território do Saara Ocidental, uma ex-colônia espanhola vizinha a Argélia. O governo argelino, por sua vez, rechaça a soberania marroquina e apoia no Saara Ocidental a Frente Polisário, um grupo pró-independência.

Vários acontecimentos desde então exacerbaram as tensões, como a condenação e prisão do escritor franco-argelino Boualem Sansal, que acabou por ser perdoado graças à intervenção da Alemanha, depois de um ano preso por declarações sobre o Saara Ocidental.

Colonização

Os franceses mantiveram entre 1830 e 1962 domínio sobre o que hoje é o território argelino. Inicialmente, a área foi governada como colônia de 1830 a 1848 e, depois, foi anexada, passando a ser nominalmente um território da própria França.

Como parte do território francês, a Argélia atraiu centenas de milhares de colonos, entre franceses e outros povos de nações europeias do Mediterrâneo, que passaram a competir por recursos com a população nativa majoritariamente muçulmana.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a insatisfação entre os muçulmanos cresceu, levando à eclosão da guerra Argélia, caracterizada por uma sangrenta campanha de guerrilha por militantes pró-independência e uma feroz reação militar dos franceses, que fizeram uso em larga escala de tortura e campanhas de represália contra a população muçulmana, provocando a expulsão de milhões de pessoas de suas casas.

A guerra causou a morte de entre 400 mil e 1,5 milhão de argelinos, 25 mil soldados franceses e cerca de 6.000 colonos europeus-argelinos. Após a independência, cerca de 1 milhão de europeus-argelinos fugiram para a França em poucos meses e dezenas de milhares de argelinos que haviam lutado ao lado dos franceses foram alvos de pesadas represálias no país recém-independente – um tema ainda sensível entre descendentes desses militares que hoje moram na França.

Em 2017, quando ainda era candidato à Presidência da França, Emmanuel Macron, declarou que a colonização da Argélia foi um “crime contra a humanidade”. Em 2021, no entanto, já na Presidência, descartou um pedido de desculpas de seu país, embora tenha se declarado a favor de “atos simbólicos” para uma reconciliação.

jps (AFP, Lusa, ots)