09/07/2021 - 13:08
Em uma iniciativa pioneira no mundo, a província argentina da Terra do Fogo aprovou por unanimidade um projeto de lei que proíbe a criação de salmão em seu território. “Trata-se de um marco histórico que transforma a Argentina no primeiro país do mundo a proibir a criação intensiva de salmão industrial”, disse à DW Estefanía Gónzalez, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace Andino, que engloba Argentina, Chile e Colômbia.
“Vários países ao redor do mundo buscam erradicar essa indústria, mas não obtiveram sucesso”, disse também em entrevista à DW David López Katz, ativista e membro da organização ambientalista Sem Azul Não Há Verde, que busca proteger o habitat e as espécies da costa e do mar argentino.
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O novo regulamento proíbe o cultivo intensivo de salmonídeos em águas provinciais, marinhas e lacustres. No entanto, a aprovação do projeto se dá “antes mesmo que a indústria se estabeleça”, destaca González, lembrando que, “em geral, isso acontece a posteriori, como é o caso do estado de Washington, que decidiu encerrar a produção de salmão até 2025, justamente por conta de desastres ambientais”.
Rejeição local
Em 2018, conforme recordam ambos os especialistas, os governos nacional e provincial da Argentina firmaram um acordo com a Noruega para promover a criação de salmão nas águas do Estreito de Beagle, na Terra do Fogo. No entanto, a iniciativa nacional foi rejeitada pelas comunidades locais.
Os protestos contrários tiveram apoio do vizinho Chile. “As próprias comunidades chilenas viajaram até Ushuaia para compartilhar sua experiência e mostrar a devastação que a criação de salmão tem provocado por lá”, sublinhou González.
Além de um intercâmbio com o Chile sobre as vantagens e desvantagens da atividade, pesquisadores da Universidade de Buenos Aires (UBA) realizaram também um estudo econômico a respeito. Assim, “foi iniciado um amplo debate, que culminou na apresentação do projeto pelo parlamentar Pablo Villegas, então aprovado por unanimidade”, acrescenta a coordenadora da campanha dos oceanos do Greenpeace Andino.
Assim, “tanto a comunidade como o governo provincial concluíram que não estão dispostos a colocar em risco seus valores essenciais e os mais de 17 mil empregos gerados pelo turismo, que dependem do Estreito de Beagle”, enfatiza o ativista do Sem Azul Não Há Verde.
Protegendo “a porta para a Antártida”
“O Estreito de Beagle é um dos últimos bastiões de águas cristalinas do mundo”, lembra López. Por isso, “um dos poucos lugares da Argentina com condições para a salmonicultura era justamente a Terra do Fogo, onde as empresas podiam naturalmente se expandir a partir do Chile”, disse à DW Liesbeth van der Meer, diretora da Oceana Chile.
López concorda, mas observa que a referida lei representa um freio à atividade do lado chileno, já que o canal faz parte do território indígena do povo yagan, compartilhado pelos dois países. Sendo assim, “o Chile não pode mais decidir unilateralmente instalar as fazendas de salmão em um ecossistema compartilhado”, salienta González.
Além de ser um dos principais patrimônios turísticos de Ushuaia, na Argentina, e Puerto Williams, no Chile, o canal é um dos grandes sumidouros de carbono do planeta e um polo de biodiversidade. “Ele faz a comunicação entre as águas dos oceanos Pacífico e Atlântico e possui uma enorme riqueza de mamíferos marinhos, pássaros, pinguins, peixes, caranguejo-aranha, etc.”, acrescenta González.
“[O Estreito de Beagle] é a porta da Antártida e parte de um corredor de mamíferos marinhos que migram anualmente, entrando no canal para se alimentar e se reproduzir”, destaca o ativista argentino. Por outro lado, “é praticamente o único canal da Argentina e não tem muita profundidade, o que o torna especialmente vulnerável à contaminação de suas águas e do fundo do mar”, ressalta.
Expectativa no Chile
“Estamos muito orgulhosos da conquista do nosso país vizinho”, comemora a diretora da Oceana Chile. “Nos anos 80, essa indústria se posicionava como promessa de desenvolvimento e progresso, o que claramente prejudicou de forma irreversível grande parte da décima e décima primeira regiões”, lamenta, lembrando que “são poucas as áreas em nosso país livres da criação de salmão”.
Por isso, os esforços da organização estão voltados para a defesa das comunidades locais e dos povos indígenas da Patagônia chilena. Nesse local, “a atividade continua permitida e em expansão”, criticou em entrevista à DW Maximiliano Bello, assessor executivo de Políticas Públicas para o Oceano da organização Mission Blue.
O especialista chileno questiona o modelo criado na região “vulnerável” que está afetando as áreas protegidas, e também as autoridades chilenas, as quais González instou a “escutar a voz dos cidadãos e das comunidades”.
“Na região de Magalhães, há mais de 120 concessões aprovadas e outras 168 em andamento”, destaca Estefanía González. “Muitas dessas concessões, tanto aprovadas como em andamento, estão dentro de áreas protegidas e em território indígena”, diz ela, apelando às autoridades para que “parem de boicotar o pedido de uma Área Costeira Protegida de Povos Indígenas apresentado pela comunidade Yagan há mais de ano, pois isso representa uma alternativa e uma oportunidade real de proteção e manejo sustentável da área”.
Maximiliano Bello também defende a busca de alternativas à criação de salmão e lembra “o potencial da Patagônia e de suas águas em desempenhar um papel de refúgio para a biodiversidade diante do avanço das mudanças climáticas para o Chile e para o mundo”.