Presidente enfrenta manifestações nas ruas e paralisação nacional que afeta diferentes setores, de bancos aos transportes. Greve foi convocada pela maior central sindical do país em protesto às reformas ultraliberais.Apenas um mês e meio após assumir a presidência da Argentina, o populista de direita Javier Milei enfrenta nesta quarta-feira (24/01) uma greve geral que afeta diferentes setores do país, de indústrias e bancos até saúde, restaurantes e transporte.

A paralisação de 12 horas, o primeiro grande desafio enfrentado por Milei, ocorre em reação às duras medidas anunciadas por ele em dezembro para liberalizar a economia argentina e reduzir os gastos públicos, incluindo um megadecreto que altera ou revoga mais de 300 leis.

A greve foi convocada pela maior central sindical da Argentina, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), de orientação peronista, que afirma ter 7 milhões de membros. A Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA), a segunda maior do país, também apoiou.

“As pessoas estão com raiva. Ninguém pode negar”, declarou o colíder da CGT, Hector Daer.

As mundialmente conhecidas organizações Madres de Plaza de Mayo e Abuelas de Plaza de Mayo, bem como partidos políticos, sindicatos, organizações sociais e organizações de direitos humanos de todo o país, anunciaram endosso à greve.

“É uma forma de apoiar esta resolução do povo de formar um protesto e um apelo à atenção para toda esta situação que vivemos com este governo tão bizarro”, afirmou a presidente das Abuelas, Estela De Carlotto.

A paralisação afetou o tráfego aéreo, com a Aerolíneas Argentinas cancelando quase 300 voos, o que atingiu mais de 20 mil passageiros e resultou numa perda de cerca de 2,5 milhões de dólares, segundo a empresa.

As lojas e bancos da capital funcionaram normalmente antes do início da greve geral, convocada entre o meio-dia e a meia-noite (hora local), e os transportes públicos estavam programados para funcionar até 19h.

Como parte da greve, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Buenos Aires nesta quarta. Os manifestantes carregavam cartazes com dizeres como “A pátria não está à venda” e “Comer não é um privilégio”.

A principal manifestação ocorreu em frente ao Congresso Nacional, onde a partir desta quinta-feira será votado um extenso pacote de leis proposto pelo presidente, apelidado de “lei ônibus”, que entre outros pontos abre caminho para a privatização de dezenas de empresas estatais.

“Viemos para defender 40 anos de democracia, defender a pátria”, afirmou Daer, da CGT, à multidão. “Andar por aí com uma motosserra é uma coisa, governar é outra.”

Além de Buenos Aires, também foram convocados protestos em outras cidades do país e até no exterior, incluindo Madri, Paris e Bruxelas.

O que motivou a greve?

Javier Milei assumiu a presidência argentina em dezembro de 2023 após uma campanha em que prometeu cortar gastos públicos e dolarizar a economia.

Para enfrentar a hiperinflação do país, o presidente apostou em dois grandes projetos: o megadecreto com mais de 300 alterações em diferentes áreas, que já está em vigor, e o “pacotão” conhecido como lei ônibus.

Este foi apresentado por Milei com 664 artigos para reformar diversas leis argentinas, em especial para liberalizar a economia, incluindo a privatização de estatais e desregulamentação de sistema de saúde e relações trabalhistas, e buscar equilíbrio fiscal.

O pacote está sendo analisado pelo Congresso, que pode derrubá-lo se tanto o Senado como a Câmara assim decidirem. Diante da dificuldade de obter o apoio necessário, o governo anunciou na última segunda-feira que retirou 141 artigos da versão original do decreto.

Entre os pontos modificados, está a retirada da petroleira YPF das estatais a serem privatizadas, uma mudança na fórmula de reajustes de aposentadorias e a redução do prazo do estado de emergência de quatro para dois anos no máximo.

Maior inflação do mundo

O governo Milei argumenta que o país está sobrecarregado com dívidas enormes e que os cortes são necessários após anos de gastos excessivos.

Mas, pelo menos no curto prazo, a chegada do ultraliberal ao poder não inverteu os números. A taxa anual de inflação superou 211% em 2023, o nível mais alto desde 1990. O resultado torna a Argentina o país com a maior inflação do mundo no ano passado, desbancando o Líbano, que detinha o primeiro lugar no ranking.

Em dezembro, a inflação do mês foi de 25,5%, a mais alta em três décadas no país. E analistas estimam que a inflação de janeiro pode ser ainda mais alta.

Isso se deve às iniciativas que vêm sendo implementadas pelo governo, como a desvalorização do peso e a redução de subsídios à energia e ao transporte, com reflexos nos preços de toda a economia.

O governo Milei afirma que, após um choque inicial, os preços devem baixar – mas o comportamento futuro da inflação ainda é uma incógnita.

Enquanto isso, a maioria dos argentinos segue enfrentando piora nas suas condições de vida. Há um ano, mais de 40% da população estava em situação em pobreza.

ek (AFP, ots)