31/12/2025 - 9:30
Escavações no coração da capital alemã fornecem pistas sobre a história berlinense, revelando um passado relativamente desconhecido até então. Para abrigar os achados, cidade ganhou um novo museu.Quem passeia pelo centro de Berlim mal suspeita que debaixo de seus pés se esconde um verdadeiro tesouro arqueológico. Na região do Molkenmarkt, considerado o mercado mais antigo da cidade, uma ampla escavação tem revelado peças bastante curiosas. Entre elas estão diversos crânios de cabra serrados, encontrados em grande número no solo da capital alemã. Mas o que eles significam?
Muitas vezes são pequenos detalhes que revelam algo sobre épocas passadas, afirma Eberhard Völker, arqueólogo do Escritório Estadual para a Preservação de Monumentos. Ele e seus colegas suspeitam que o cérebro de cabra era uma iguaria muito apreciada na Idade Média.
Com pá, espátula e pincel, Völker lidera a escavação no Molkenmarkt em busca do passado. A quatro metros de profundidade, ele alcançou a Idade Média: o berço de Berlim. Em meio a escombros e destroços de incêndios, esses quatro metros representam o tanto que a cidade cresceu ao longo de 800 anos. “É exatamente aqui que se encontra o núcleo de Berlim”, diz ele, apontando para os montes de terra atrás dele.
Odores medievais conservados no tempo
O Molkenmarkt é uma das maiores escavações urbanas da Alemanha, abrangendo mais de 22 mil metros quadrados. Neste buraco gigantesco, é feito o trabalho dos escavadores, que removem o asfalto e o concreto. Mas é só no solo que começa o trabalho manual minucioso dos arqueólogos.
Desde 2019, eles vêm buscando vestígios de uma era passada. Até agora, já foram mais de 750 mil peças catalogadas. Eberhard Völker segura uma delas em suas mãos: um prato de madeira maciça – uma raridade. Bem conservado, é verdade, mas com um odor terrível. Não é à toa: o objeto, afinal, sobreviveu séculos dentro de uma latrina medieval, absorvendo o cheiro de excrementos.
O odor ainda é perceptível mesmo após 800 anos. Nesse ambiente peculiar, com pouco oxigênio, materiais orgânicos como madeira, tecidos ou couro resistem à decomposição. É por isso que fossas e poços secos são considerados verdadeiros tesouros arqueológicos.
Mas a descoberta favorita de Völker é uma pequena estatueta de barro. Ela representa a mártir cristã Santa Catarina, que, segundo a lenda, foi torturada na roda de despedaçamento e posteriormente decapitada por sua fé. A peça provavelmente adornava um altar doméstico, com o intuito de garantir proteção.
Outro item particularmente valioso é um raro anel de ouro com uma granada. Talvez tenha escorregado de um dedo e caído no poço enquanto alguém buscava água? Quem sabe. Já um discreto pedaço de seda marrom comprova que o comércio com a China já existia nos primeiros anos da cidade, pois somente lá eram criados bichos-da-seda naquela época. Há também uma flauta de osso do século 14.
Petri: um lar para os tesouros de Berlim
Com seu trabalho, Völker e seus colegas estão trazendo à luz um arquivo oculto da história berlinense. Regularmente, o arqueólogo realiza visitas guiadas pelo local, sempre com lotação esgotada – o interesse do público é enorme.
As escavações devem continuar por mais dois anos. Depois disso, o terreno será novamente coberto para dar lugar a novas construções. Até lá, cada achado é registrado, analisado e interpretado com rigor científico, formando um vasto banco de dados sobre o passado berlinense. Mas para onde vão todos esses tesouros?
A resposta está a poucos metros dali. Em 2025, foi inaugurado o Petri, um novo museu erguido sobre as ruínas da antiga Igreja de São Pedro (Petrikirche) – destruída na Segunda Guerra e posteriormente demolida por completo – e de uma escola latina, cujos alicerces podem ser vistos no subsolo.
O Petri busca preencher uma lacuna importante, indo muito além de um mero espaço de pesquisa para estudantes. Com poucos meses de existência, o museu já entrou na rota turística de visitantes do mundo todo – uma prova de que Berlim não se resume aos anos dourados, ao período nazista ou à era do Muro. Berlim também é Idade Média. Um lado desconhecido da capital alemã que também merece ser explorado.
Entre os achados exibidos no novo museu está um sapato de criança datado da Idade Média. Mas a proposta vai além da exibição de objetos atrás de um vidro. A ideia do Petri é servir como uma espécie de laboratório, permitindo que os visitantes observem o trabalho dos restauradores em oficinas abertas através de grandes janelas. Assim, o museu busca não só dar vida à história esquecida, mas também transmitir o fascínio pela arqueologia.
Um novo local de repouso para os mortos
No subsolo, o museu guarda outra surpresa: um buquê de flores frescas repousa contra uma parede, e acima dele se lê: “Que os anjos te conduzam ao paraíso”. A inscrição enigmática traz mais pistas sobre o passado do local, já que a Igreja de São Pedro também abrigava um antigo cemitério. Durante as escavações, centenas de berlinenses ancestrais foram exumados, sendo então novamente sepultados em um ossuário.
Aqui, os ossos dos primeiros habitantes de Berlim encontraram seu repouso eterno em gavetas. E, mesmo anônimos, continuam a contar suas histórias. Um livro dos mortos registra a variedade de destinos: cáries, uma fratura complexa, outro que morreu jovem demais.
Mas afinal: quando surgiu Berlim?
Análises científicas de ossos comprovam: Berlim é muito mais antiga do que se pensava. O 800º aniversário da cidade só será comemorado em 2037, mas já existem muitas evidências de que o verdadeiro marco ocorreu décadas antes.
No terraço do museu, visitantes têm uma vista do trânsito intenso e do centro densamente construído de Berlim. Escondida no subsolo, jaz a Idade Média, as raízes profundas de uma cidade marcada pela história. Com as escavações em Molkenmarkt e no Petri, arqueólogos como Eberhard Völker estão, pelo menos em parte, reconstruindo o centro perdido de Berlim.
