17/03/2025 - 17:12
Raramente presente nos noticiários, Círculo Polar Ártico voltou aos holofotes desde que Trump manifestou pretensões expansionistas. A quem pertence essa região glacial em mutação, e por que ela é tão importante?Nos últimos anos, o Círculo Polar Ártico voltou a ser o centro das atenções geopolíticas internacionais. Sob o comando de Donald Trump, os Estados Unidos querem assumir o controle da maior massa de terra da região: a Groenlândia, atualmente sob tutela da Dinamarca.
Além disso, a mudança climática está causando alterações maciças no frágil ambiente da região ártica, impulsionando mudanças políticas na região. E uma antes civilizada relação de cooperação entre as nações do Ártico tem sido fundamentalmente alterada por um conflito mais ao sul.
Agora, em meio a uma corrida para controlar valiosas reservas de recursos, será que os relativamente pacíficos dias polares logo serão coisa do passado?
Esfriamento das relações diplomáticas
Oito nações contam com território terrestre e marítimo dentro do Círculo Polar Ártico. Entre elas, cinco se destacam pelo tamanho de suas costas na região: Canadá, Dinamarca (representada pela Groenlândia e as Ilhas Faroe), Noruega, Rússia e EUA. A Finlândia, Suécia e Islândia também têm território, mas nenhuma linha costeira significativa.
Nenhuma dessas nações “possui” o Oceano Ártico. Na realidade, elas exercem direitos territoriais e econômicos de acordo com a lei internacional. Por meio das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs), as nações costeiras podem explorar recursos naturais vivos e não vivos no Oceano Ártico, o que inclui direitos de pesca, exploração de petróleo e gás, e a possibilidade de estabelecer infraestrutura de energia renovável em alto-mar.
Eles também formam o Conselho do Ártico, um fórum intergovernamental criado em 1996 para promover a cooperação entre Estados, povos indígenas e outros habitantes da região. O conselho não tem poderes regulatórios, e conflitos recentes, como a invasão da Ucrânia pela Rússia, prejudicaram as relações de cooperação entre os Estados-membros.
Will Greaves, cientista político da Universidade de Victoria, no Canadá, diz que as relações tensas entre os membros do conselho têm refletido um “aumento na competição entre grandes potências”: “Esse abandono do que foi um projeto muito bem-sucedido de cooperação pan-ártica estabelecido após o fim da Guerra Fria é um retorno aos péssimos velhos tempos.”
Vários fatores causaram o rompimento das relações no Ártico. Greaves aponta a invasão da Ucrânia pela Rússia como o principal fator de tensão com seus vizinhos europeus, bem como o aumento de voos militares próximos ao espaço aéreo norte-americano: “Vimos o fim efetivo da cooperação militar e de defesa entre a Rússia e os outros [Estados] do Ártico.”
A insistência de Trump em anexar a Groenlândia, converter o Canadá no 51º estado dos EUA e sua recusa anterior, em 2019, de assinar um comunicado de uma reunião do conselho mencionando a mudança climática, também perturbaram o equilíbrio entre as nações árticas.
Greaves argumenta que agora existem três polos geopolíticos na região: um “Ártico Eurasiático” dominado pela Rússia; um “Ártico Europeu” nórdico e escandinavo; e o “Ártico Norte-Americano”, que tem o Canadá, EUA e a vizinha Groenlândia “cada vez mais tensos entre si”.
“A realidade é que o comportamento da política externa do governo Trump, combinado com seu negacionismo climático, torna praticamente impossível que haja algum tipo de consenso.”
Vale a pena explorar o Ártico?
Em 2008, o Serviço Geológico dos EUA estimou que cerca de 22% das reservas mundiais de petróleo e gás não descobertas estão localizadas ao norte do Círculo Polar Ártico, principalmente em alto-mar.
Mas, embora a Noruega e a Rússia tenham conseguido desenvolver a exploração de petróleo e gás em alto-mar, é difícil – e, portanto, menos lucrativo – perfurar o leito oceânico de toda a região. “Não se trata de um boom generalizado em todo o Ártico. É mais direcionado”, explica Malte Humpert, fundador do think tank The Arctic Institute.
“Sabemos que existem alguns recursos, mas também que a extração no Ártico é comparativamente cara”, aponta, por sua vez, Elana Wilson Rowe, especialista em governança do Ártico na Universidade Norueguesa de Ciências Ambientais e Biológicas.
As ameaças dos EUA de adquirir a Groenlândia, assim como o Canal do Panamá, podem ter a ver com uma tentativa de afastar adversários geopolíticos. A China tem instalações de pesquisa e já tentou adquirir direitos de mineração no Ártico.
Mas, se a mudança climática tornar o verão ártico livre de gelo, novas rotas de navegação poderão se abrir diretamente através do Polo Norte. A Rússia e a China seriam as maiores beneficiada, com um caminho mais direto para o envio de cargas.
“Seria uma navegação sem desaceleração, sem quebra-gelo, nada”, aponta Humpert. “A mudança climática está alterando o mapa e cria novos vencedores e perdedores. Haverá oportunidades econômicas, mas também desafios para os povos indígenas, para as populações locais que já vivem lá.”
Clima em mutação – ambiental e politicamente
A mudança climática está transformando rapidamente o Ártico. A extensão do gelo marinho no inverno está nos níveis mais baixos já registrados, e alguns antecipam um verão sem gelo até 2050, dado o aumento contínuo das emissões de dióxido de carbono provenientes da atividade humana.
“Certamente há uma conscientização em todas as capitais dos Estados do Ártico sobre como a mudança climática está transformando a região”, reconhece Wilson Rowe. “O recuo do gelo marinho é especialmente importante e apresenta algumas oportunidades e ameaças para os Estados costeiros.”
O gelo marinho máximo anual de inverno em 2025 foi cerca de 1,4 milhão de quilômetros quadrados (540 milhões de metros quadrados) a menos do que o valor médio de 30 anos. Assim, uma extensão de gelo do tamanho da Mongólia deixou de ser formada no último inverno.
Embora a ausência de gelo marinho possa abrir novas rotas comerciais, há também grandes riscos. Um estudo recente publicado na revista Communications Earth & Environment revelou que um degelo do permafrost – ou pergelissolo, uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada – na Rússia, América do Norte e Europa, pode propiciar falhas na infraestrutura, interrupção do transporte terrestre e reduzir da qualidade da água e da segurança alimentar, além de aumentar a exposição a doenças.
“Todos esses problemas estão ocorrendo num cenário de mudança climática no Ártico, que está décadas e décadas nesse ritmo acelerado de aquecimento, três a quatro vezes acima da média global”, alerta Greaves.
“Isso está causando uma magnitude de impactos ecológicos, sociais e econômicos que não são bem compreendidos fora do Ártico. A geopolítica é muito relevante, mas também está desviando a atenção do longo prazo e, em muitos aspectos, das implicações muito mais graves das mudanças climáticas.”