10/02/2020 - 8:43
As árvores das florestas tropicais são peça central nos debates sobre conservação, mudanças climáticas e sequestro de carbono. Embora sua importância ecológica nunca tenha sido questionada, o que muitas vezes foi ignorado é sua capacidade de armazenar informações sobre o patrimônio cultural.
Usando os recentes avanços nos métodos científicos para a melhor compreensão do crescimento dessas árvores, pesquisadores agora podem descobrir, em detalhes, as condições de crescimento, incluindo as influências do manejo humano, que ocorreram em torno desses seres gigantes e antigos ao longo de sua vida secular.
Em artigo publicado na revista “Trends in Plant Science“, uma equipe internacional de cientistas apresenta o uso combinado de dendrocronologia (ciência que estuda os anéis de crescimento de árvores), datação por radiocarbono e análises isotópicas e genéticas como um meio de investigar os efeitos das atividades humanas nas florestas e na dinâmica de crescimento de árvores tropicais.
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O estudo mostra não somente a aplicabilidade desses método para investigar influências humanas nos períodos pré-históricos, históricos e industriais em florestas tropicais ao redor do mundo, mas também o potencial de detectar a evolução das ameaças antropogênicas, informações que podem informar e orientar as prioridades de conservação nessas áreas que estão rapidamente desaparecendo do planeta.
Ação humana em florestas tropicais
Liderado por cientistas do Instituto Max Planck da Ciência da História Humana, da Alemanha, e do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), além dos Institutos Max Planck de Biogeoquímica e da Biologia do Desenvolvimento, o estudo mostra que as árvores tropicais armazenam registros das mudanças das populações humanas e suas práticas de manejo, incluindo atividades que acabaram por levar a uma “domesticação“ de paisagens tropicais. O estudo promove um diálogo entre vários campos de pesquisa para garantir que as árvores tropicais sejam reconhecidas por seu papel nos ecossistemas culturais e naturais.
As florestas tropicais, há muito consideradas barreiras à migração humana, experimentações agrícolas e a formação de densas populações sedentárias, são consideradas ‘desertos verdes’ no contexto de atividades humanas passadas. No entanto, nas últimas duas décadas, diversas pesquisas de diferentes áreas vêm mostrando extensas evidências da domesticação de plantas e animais, incluindo manejo florestal, alterações na paisagem e translocação deliberada de espécies selvagens por sociedades humanas antigas.
O colonialismo ocidental e a expansão do capitalismo global resultaram em novos impactos humanos nesses ambientes, com as decisões dos consumidores na Europa impulsionando o desmatamento e a exploração de recursos tropicais, como fazem até hoje. É essencial compreender como diferentes sociedades, sistemas econômicos e organizações administrativas mudaram as florestas tropicais, se quisermos desenvolver adequadamente políticas de conservação sustentável.
No entanto, os registros dos impactos humanos nos ecossistemas tropicais são frequentemente difíceis de encontrar. “Surpreendentemente, toda essa história negligenciou algumas das maiores e mais antigas testemunhas que as florestas tropicais têm a oferecer: suas árvores”, diz Victor Caetano Andrade, principal autor do estudo no Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana. “Escavações arqueológicas e análises arqueobotânicas levaram a grandes avanços no reconhecimento sobre o passado da vida humana nos trópicos, mas as próprias árvores que estão ao lado das escavações também têm algo a dizer.”
Anéis de árvores, uma estratigrafia viva
O estudo de anéis de árvores tem sido frequentemente usado em ambientes temperados para criar uma imagem de como as mudanças climáticas e as atividades humanas alteraram as florestas. No entanto, esse trabalho tem sido limitado nos trópicos, devido à percepção de que a falta de sazonalidade limita a formação dos anéis de crescimento. Como observam os autores, no entanto, hoje já foi demonstrado que mais de 200 espécies de árvores tropicais formam anéis anuais. Isso abre uma nova avenida para a exploração das mudanças nas condições das florestas tropicais no passado.
A contagem de anéis de árvores pode, juntamente com a datação por radiocarbono, produzir cronologias robustas de alta resolução ou ‘estratigrafias’ do crescimento de cada árvore. Mudanças no tamanho dos anéis de crescimento identificadas em várias árvores na mesma floresta podem fornecer um indicador de mudanças bruscas nas condições ambientais naquele local.
Além disso, esses anéis podem ser analisados quimicamente para investigar como as condições climáticas mudaram ao longo do tempo e como essas mudanças se correlacionam com o crescimento das árvores. Onde não é visível uma forte correlação entre clima e crescimento, a porta se abre para outras possíveis explicações, dentre elas a atividade humana.
Victor Caetano Andrade observa: “Existem algumas espécies de importância especial para os seres humanos, por exemplo, árvores alimentícias ou árvores usadas para um fim específico. Nesses casos, é provável que os humanos adotaram práticas de manejo florestal, como limpar o sub-bosque, abrir a floresta e proteger ativamente árvores individuais. Por outro lado, outras espécies podem ter sido deliberadamente removidas para uso como material de construção ou para abrir caminhos e roçados.” A combinação de observações do crescimento de árvores com dados históricos e arqueológicos locais permite que os cientistas analisem as relações entre as comunidades arbóreas e as sociedades humanas passadas e suas práticas econômicas.
Árvores genéticas
A análise de DNA de árvores modernas é comumente usada por empresas e silvicultores para selecionar árvores com características economicamente desejáveis. No entanto, análises genéticas modernas podem revelar também informações importantes sobre como as populações de uma dada espécie mudaram ao longo do espaço e do tempo. Onde for relevante, essas análises genéticas podem ser usadas para analisar processos de domesticação, incluindo a seleção de características particulares (como formato, tamanho e sabor de um fruto, por exemplo).
A capacidade de associar padrões de diversidade genética de árvores economicamente importantes a registros arqueológicos conhecidos promete revelar novas ideias sobre os assentamentos em ambientes tropicais no passado.
A revisão dos autores mostra que, em muitos casos nas Américas Central e do Sul, a máxima diversidade genética dessas espécies é encontrada em áreas com intensa ocupação humana pré-colombiana. No entanto, além das investigações do passado distante, o presente estudo também mostra que a amostragem de árvores modernas como o mogno pode documentar mudanças na diversidade genética antes e depois dos episódios de exploração.
Os autores propõem que, dado o avanço do sequenciamento completo do genoma, a aplicação de tais métodos a árvores vivas em uma determinada floresta pode possibilitar a reconstrução genética de eventos passados de desmatamento e manejo – particularmente onde informações históricas e arqueológicas detalhadas também estão disponíveis.
Abordagens multidisciplinares
Embora a maioria dos estudos ecológicos nos trópicos tenha focado em como as mudanças na estrutura da floresta e no crescimento das árvores estão ligadas a flutuações climáticas e distúrbios naturais, a presente pesquisa destaca os séculos de impacto humano. Como afirma Patrick Roberts, coautor do estudo, “o trabalho avaliado aqui demonstra duas descobertas importantes: primeiro, que as sociedades humanas, de caçadores-coletores a moradores urbanos, tiveram um papel significativo no crescimento de árvores tropicais no passado; e segundo, que esse papel pode ser observado em árvores que ainda existem hoje”.
Victor Caetano Andrade prossegue: “Estas abordagens multidisciplinares de árvores antigas nos permitirão observar como o manejo florestal mudou nos trópicos, dos cenários pré-colonial para pós-colonial e das ameaças pré-industriais às do século 21. A resolução disponível é notável e nos permitirá lidar com os legados de atividades passadas e como a mudança de práticas colocou novas pressões nesses ambientes altamente ameaçados”.
Os autores concluem argumentando que é essencial que arqueólogos e ecólogos trabalhem juntos para preservar não apenas os benefícios naturais das árvores tropicais, mas também os registros do patrimônio cultural humano e do conhecimento milenar armazenado nelas.